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B. DOC E os doces deles?

2. APRESENTAÇÃO HISTÓRICO-LINGUÍSTCA DO CORPUS E CLASSIFICAÇÃO DOS DADOS

2.1 REFLEXÕES ACERCA DA CONSTITUIÇÃO DO CORPUS

2.1.2. O jornal como fonte de pesquisa histórico-linguística

Os pontos colocados na seção anterior abordaram a existência das diferentes possibilidades de fontes de pesquisa para os estudos históricos da língua, focalizando a questão da formalidade versus informalidade dessas fontes. Em geral, as pesquisas privilegiam dados disponíveis em gêneros textuais que mais se aproximam do texto falado, por acreditarem que estes apresentam uma maior transparência dos fenômenos de variação

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e mudança linguísticas. No entanto, têm surgido na literatura alguns estudos diacrônicos (cf. Mothé (2007) 32, Gravina (2008)) que fizeram uso do jornal como fonte de corpora.

O uso do jornal como fonte de pesquisa histórico-linguística proporciona algumas vantagens e alguns desafios para o pesquisador. Um dos principais ganhos em se trabalhar com esse gênero textual é que ele abrange diferentes tipos de textos – artigos, anúncios, notícias, crônicas, entre outros – apresentando a vantagem de serem datados e localizados no espaço. Dessa maneira, pode-se considerar o gênero jornalístico um corpus bastante rico, uma vez há diferentes subgêneros em funcionamento em um mesmo lugar. Todavia, deve-se ter em mente que essa distinção de tipos de textos pode se tornar um problema para o pesquisador que encare o jornal como um todo homogêneo, uma vez que cada um dos subgêneros do jornal pode apresentar dados linguísticos que lhe são peculiares33. Ademais, trabalhar com jornais do século XIX representa um desafio a mais para o pesquisador, uma vez que nem sempre os periódicos estão preservados integralmente.

No entanto, apesar de todos os problemas que se colocam para o pesquisador que quer fazer uso desta fonte de pesquisa para o estudo da língua, o jornal configura-se como uma rica fonte de dados, pois mediante uma seleção criteriosa, podem-se recuperar por meio dos textos publicados não somente informações linguísticas, como também informações históricas34 de uma época.

Uma pesquisa que exemplifica bem a possibilidade de se trabalhar com o jornal como fonte de pesquisa histórico-linguística é o trabalho de Gravina (2008), A natureza do sujeito nulo na diacronia do PB: estudo de um corpus mineiro (1854-1950), em que a autora buscou investigar a distribuição do número de sujeitos nulos e sujeitos realizados

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O trabalho de Mothé (2007) foi desenvolvido na UFRJ e investiga o uso do infinitivo gerundivo (Estou a falar contigo) versus o uso do gerúndio (Estou falando contigo) no Português Brasileiro e no Português Europeu.

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A saída para o pesquisador que trabalha com periódicos como fonte de pesquisa pode ser ou a análise separada dos subgêneros do jornal, ou a adoção de um tipo de subgênero como padrão, no intuito de uniformização da análise.

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O trabalho de Gravina (2008) mostra, por exemplo, que um dos periódicos analisados em sua pesquisa, O

jornal mineiro, tinha foco político, uma vez havia evidências em suas páginas de preferências eleitorais. Os

redatores publicavam anúncios apoiando a elite oligárquica que detinha o poder político da época, logo, o jornal em questão evidenciava possuir um caráter elitista e governista de direita.

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(pronominalmente e/ou lexicais anafóricos) em textos diacrônicos do Português Brasileiro, em três periódicos que circularam no estado de Minas Gerais, mais especificamente, na cidade de Ouro Preto, em meados e fins do século XIX e meados do século XX.

Em relação à formação do corpus e com vistas a superar o possível problema da heterogeneidade do gênero jornalístico, Gravina (op. cit.) optou por trabalhar somente com os artigos assinados dos periódicos selecionados para a sua pesquisa. A escolha metodológica da referida autora representou um ganho por dois motivos. Primeiro, evitou que a análise dos dados gerasse resultados controversos devido à existência de subgêneros no jornal e, segundo, favoreceu a pesquisa biográfica dos autores dos textos, informação crucial quando se objetiva trabalhar com mudança na perspectiva gerativista diacrônica. Embora encontrar informações biográficas sobre os redatores e colaboradores que escreviam nos jornais não seja uma tarefa fácil, esta atividade é indispensável, uma vez que essas informações revelam que tipo de gramática está sendo analisada, se brasileira ou portuguesa.

Assim, a partir dessa escolha metodológica, Gravina (op. cit.) pôde realizar uma pesquisa confiável, que ofereceu resultados importantes sobre as estratégias de realização do sujeito na diacronia do Português Brasileiro, conforme veremos no próximo capítulo. De acordo com a autora, além de corroborar para a pesquisa sobre as mudanças em relação ao estatuto e à natureza do sujeito nulo no PB, a sua pesquisa colaborou para desfazer a corrente idéia de que textos escritos em modalidades mais formais, como os de jornais, não revelam mudanças linguisticas por serem conservadores na modalidade formal escrita. Essa constatação amplia o leque de possibilidades de uso dos mais variados gêneros textuais como fontes de corpora no estudo da mudança linguística.

Assim, considerando que não há pesquisas sobre o objeto direto anafórico, baseadas em textos formais35, esse trabalho surge também para legitimar a hipótese de que

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Cumpre ressaltar que o objeto direto anafórico no PB foi um tema bastante debatido em diversas pesquisas que trabalharam com diferentes fontes de dados, tais como, peças teatrais, obras literárias, transcrições de novelas, entrevistas, textos narrativos, dados de aquisição da linguagem, anúncios e cartas de leitores. Havia, no entanto, a ausência de pesquisas sobre esse tópico com base em textos formais (artigos), tarefa que estamos desenvolvendo aqui.

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os textos jornalísticos podem ser utilizados como fontes de pesquisa linguística, ampliando os gêneros textuais em estudo sob a perspectiva gerativista diacrônica.