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Demonstrar os sentidos do discurso por meio de/da análise é explorar, revolver os solos, as camadas sócio-históricas e ideológicas de produção que envolvem os sentidos e as reverberações do próprio discurso. Entendemos por condições de produção o modo, a forma,

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as relações de força no interior do discurso dos sujeitos com a situação social em que se encontram.

Através de instrumentos formais que constituem o processo de produção de um tipo de discurso, Pêcheux (apud GADET; HAK, 1997, p.75) aponta o

[...] estudo de ligação entre as circunstâncias de um discurso – que chamaremos daqui em diante suas condições de produção – e o seu processo de produção. Esta perspectiva está representada na teoria linguística atual pelo papel dado ao contexto ou à situação, como pano de fundo específico dos discursos, que torna possível sua formulação e sua compreensão [...]. Ao promover a ruptura com a pragmática, com o positivo6, substituindo o conceito de circunstância, situação, conjunção, momento, pelo de condições de produção, Pêcheux (Ibidem) inaugura o estudo de discurso no campo das relações assinaladas pelo histórico e social. Por outro lado, o autor necessitou resolver problemas com questões de ambiguidade que afetava o vocábulo, condições de produção, e não o tornasse mais um mecanismo de interpretação de representação de ideias ou imagens do indivíduo.

Vale lembrar que, o conceito de condições de produção para a “exclui definitivamente um caráter psicossociológico” mesmo “na situação “concreta” [...] os contextos imediatos somente interessam na medida em que, mesmo neles, funcionam condições históricas de produção” (POSS NTI 2004, p.369).

As condições de produção estão relacionadas à exterioridade linguística e são agrupadas em condições de produção em sentido estrito (circunstâncias de enunciação) e em sentido amplo (conjuntura sócio-histórico-ideológica), segundo afirma Orlandi (2009).

Em relação ao sentido estrito, as condições de produção implicam os fatos, os acontecimentos, as posições ocupadas pelos sujeitos diante das circunstâncias em que se encontram (fatos; acontecimentos). Por estrito, também, podemos remeter-nos a ideia de imediato, aquilo que está em ocorrência, em vigência cujos efeitos de sentido materializam-se na proporção da intensidade dos fatos, dos próprios acontecimentos.

Quanto às condições de produção de sentido amplo, podemos compreender o contexto extenso, aquele que traz para a consideração dos efeitos de sentido, os elementos que derivam da forma como a sociedade é ideológica e historicamente (re)produzida. O analista/estudioso de/do discurso necessita transgredir as estruturas linguísticas para atingir o discurso. Necessita-se caminhar para outros espaços, descobrir, desvelar, revolver as camadas que estão

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Entende por esta citação as estruturas, a ciência como verdade única consistente e ordenada por leis controladas sobre fatos de onde se deriva a previsão, portanto, a ação.

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entre a língua, a fala e o social, a fim de entender, compreender, de que se constitui, como se constitui a exterioridade a que se denomina discurso.

Sob esses aspectos, as condições fazem-se constituintes e importantes para o analista compreender o jogo social da língua e da linguagem, pois são entre elas que os campos de conflito coexistem com suas diferenças, marcadamente sócio-políticas. Tais diferenças e/ou os embates presentes nas condições de produção, nas quais os sujeitos ocupam posições distintas e/ou antagônicas dos grupos ou coletivos, aos quais se sentem pertencentes, são marcadas pela ideologia, pela inscrição ideológica desses sujeitos no cenário social.

Não se pode esquecer que as condições de produção estão atravessadas pela memória discursiva e pelo interdiscurso, configurando os efeitos de sentidos encontrados ou provocados no/pelo discurso. “ memória deve ser entendida aqui não no sentido diretamente psicologista da “memória individual” mas nos sentidos entrecruzados da memória mística da memória social inscrita em práticas, e da memória construída do historiador” (P H UX 2015, p.44). Diferentemente da memória biológica, a memória discursiva é algo que funciona antes, em outro lugar e independentemente do sujeito, mas cuja mobilização ocorre todas as vezes que o sentido é produzido.

Ao invés de nos enveredarmos em uma leitura superficial de algo, de um significante aparente, devemos desenvolver uma análise mais detida, minuciosa, que busque as condições de produção imediatas e amplas (sócio-históricas) desse significante, permitindo que um determinado enunciado seja/esteja inscrito, materializado de uma determinada maneira e não de outra. A AD mostra-nos que, importa menos aquilo que um texto pode dizer ao invés do que realmente nos diz.

Sublinhando, o analista de discurso precisa sair do especificamente linguístico, precisa deslocar-se, mudar, procurar descobrir provas, descortinar, encontrar pistas, indícios, vestígios ou sintomas (GINZBURG, 1989) que se encontram entre a linguagem e a fala, entre o que se diz e o que se deseja dizer. Não existe sentido em si, mas, sim, determinado pelas posições ideológicas em jogo no processo sócio-histórico nas quais os dizeres sofrem (re)significações e efeitos de sentido.

Assim, o sentido é, sempre, um efeito de sentido da enunciação entre dois sujeitos diferentes. Por ocuparem posições diferentes inscritas em espaços ideológicos singulares, os sujeitos sofrem/produzem efeitos de sentidos peculiares.

O sentido de uma sequência só é materialmente concebido na medida em que se concebe esta sequência como pertencente necessariamente a esta ou

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àquela formação discursiva [...]. Trata-se de um “efeito de sentidos” entre os pontos A e B [...]. Os elementos A e B designam algo diferente da presença física de organismos humanos individuais [...] A e B designam lugares determinados na estrutura de uma formação social. (PÊCHEUX; FUCHS, 1990, p.169)

O lugar histórico-social é o encontro entre uma atualidade e uma memória. O que já foi dito sempre (re)significa em um novo texto e pode ser reverberado num (novo) enunciado. Nesse sentido, Orlandi (2007, p.32, grifo nosso) afirma que o lugar histórico-social não se trata de uma realidade física, determinado por um espaço físico, mas de

[…] alguma coisa mais forte – que vem pela história, que não pede licença, que vem pela memória, pelas filiações de sentidos constituídos em outros dizeres, em muitas outras vozes, no jogo da língua que vai-se historicizando aqui e ali, indiferentemente, mas marcada pela ideologia e pelas posições relativas ao poder – traz, em sua materialidade os efeitos que atingem esses sujeitos apesar de suas vontades. O dizer não é propriedade particular. As

palavras não são as nossas. Elas significam pela história e pela língua. O

que é dito em outro lugar também significa em “nossas” palavras. [...] Por isso é inútil perguntar o que o sujeito quis dizer quando disse “X” [...] O que ele sabe não é suficiente para compreendermos que efeitos de sentidos estão ali presentificados.

É preciso reforçar e estar ciente (sempre) de que, as exterioridades da língua e do social estão carregadas de marcas histórico-ideológicas. Os sujeitos atravessados por outros discursos, em conflitos, em confrontos, enunciam a partir de uma determinada posição e não de outra, pois estão sob efeito e domínio da ideologia, (re)produzindo sentidos. Quando pensada em relação ao discurso, a memória traz características peculiares.

Ou seja, é o que chamamos memória discursiva: o saber discursivo que torna possível todo dizer e que retorna sob a forma do pré-construído, o já-dito que está na base do dizível, sustentando, cada tomada de palavra. (ORLANDI, 2009, p.31)

O interdiscurso possibilita, disponibiliza, apresenta dizeres que afetam a (re)significação de um sujeito em uma situação discursiva. Seja na fala ou na escrita, o sujeito, ao discursar, não consegue controlar os sentidos sobre o dito. Não há domínio sobre os sentidos e seus modos de constituição, tampouco as palavras pertencem a esse ou àquele sujeito.

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Por isso é inútil do ponto do vista discursivo, perguntar para o sujeito o que ele quis dizer quando disse “x”. O que ele sabe não é suficiente para compreendermos que efeitos de sentidos estão ali presentificados.

O fato de que há um já-dito que sustenta a possibilidade mesma de todo o dizer, é fundamental para se compreender o funcionamento do discurso [...] A observação do interdiscurso nos permite no exemplo, remeter o dizer [...] a toda uma filiação de dizeres, a uma memória, e a identifica-lo em sua historicidade, em sua significância, mostrando seus compromissos políticos ideológicos. (ORLANDI, 2009, p. 33)

É o que podemos também chamar de relação entre o interdiscurso e o intradiscurso. Tomando Courtine (apud ORLANDI, 2009), podemos compreender essa relação do interdiscurso com todos os dizeres, os já-ditos (esquecidos) numa posição vertical, entrecruzando com o intradiscurso, ou seja, com tudo aquilo que estamos expressando, dizendo num dado momento, em certas condições.