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3.2 Gestão escolar: possíveis sentidos

3.2.1 Sentidos de gestão escolar presentes nas propostas do caderno gestor da Secretaria de

A Rede Pública Estadual de Educação Básica do Estado de São Paulo apresenta em suas propostas gestoras (SÃO PAULO, 2010) discursos fortemente marcados por uma gestão gerencial instrumental velada, produzido pelas propostas neoliberais de agências multilaterais de financiamento e formulação de políticas públicas (GBM, BIRD, BID, PNUD, UNESCO, UNICEF).

Para podermos entender o arcabouço de ideias que formam as propostas presentes nos cadernos de Gestão, faz-se necessário compreendermos, antecipadamente, como tais ideias foram organizadas, pensadas e em quais, e sob quais, conjunturas elas originaram-se.

Após a fundação do Banco Mundial (1944) e sua forte penetração nos países pobres, conduzindo os interesses (ideológicos) de seus financiadores com relação aos setores sociais e econômicos destes mesmos países (FONSECA; OLIVEIRA; TOSCHI, 2004), bem como de outros países em outras condições político-econômicas, o mundo sentiu de forma irrefreável a ampliação e a força do Capital até então „quase colapsado‟ antes da Segunda Guerra.

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Incisivamente marcadas pelas existências de ideologias dos Estados de Bem-Estar Social, Comunista e Neoliberal, sociedades de diversos países sentiram os choques e os reflexos dessas ideologias entrecruzando suas economias, culturas, políticas, modelos de educação etc.

Durante os últimos 50 anos, o Banco Mundial tem agido

[...] como um ator político, intelectual e financeiro [...] devido a sua condição singular de emprestador, formulador de políticas [...] e produtor e/ou veiculador de ideias sobre o que fazer como fazer, quem deve fazer e para quem em matéria de desenvolvimento Capitalista. Ao longo de sua história, o Banco sempre explorou a sinergia entre dinheiro, prescrições políticas e conhecimento econômico para ampliar sua influencia e institucionalizar sua pauta de políticas em âmbito nacional, tanto por meio de coerção (constrangimento junto aos outros financiadores e bloqueio de empréstimos) como da persuasão (diálogo com governos e assistência técnica). Os atributos de poder que deram ao Banco uma condição ímpar entre as demais organizações internacionais decorrem de contingências históricas, decisões institucionais e, fundamentalmente, da supremacia norte- americana. (PEREIRA, 2009, p.21)

A união entre as práticas da „globalização da economia‟ e as orientações neoliberais forjadas nos seios dos interesses das políticas privadas das empresas transnacionais (BRUNO, 1997) apoiadas, essencialmente, pelo governo norte-americano (e por outros) e impostas à maioria dos países Latino Americanos e siáticos por meio de „Acordos‟ Internacionais, auxiliaram na transição do Estado concebido como inconveniente, impeditivo (Liberal) para o Estado tido como regulador da iniciativa privada (Neoliberal) que visa atender às demandas, os interesses do privado em detrimento do público, como também, exerce o papel de moderador, controlador das ações dos sujeitos-trabalhadores (atividades sociais, políticas, de lazer, educacionais, etc.).

linhado a esta „nova política‟ de regulação e controle, o Brasil, no início da década de 1990, deu encaminhamento à sua agenda política organizando-a de acordo com os pressupostos do Neoliberalismo. Por conseguinte, foi no governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) (1995-1998; 1998-2002) que as medidas tomadas com relação às políticas públicas sociais, econômicas e administrativas de origem neoliberal, propostas pelo cenário internacional favorável às reformas desse modelo de Estado, tiveram seus laços políticos estreitados com a nova agenda fortemente apoiada pelas agências multilaterais de financiamento.

Intensificou-se, a partir desse período no Brasil, aquilo que já estava consolidado desde o governo Sarney (1985-1990): o „desmonte do stado‟. ste „desmonte‟ alimentou,

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sobremaneira, a redução do papel social do Estado mediante as proteções dos direitos sociais garantidos pelas lutas coletivas, deu maiores contornos à pobreza da classe operária e a distanciou dos direitos aos acesos dos serviços públicos de qualidade, dentre eles a educação.

Na esteira dessas ações, adotadas pela agenda política (neoliberal) de FHC para o Brasil, encontramos o estado de São Paulo governado por Mário Covas „mergulhado‟ na mesma agenda e correspondendo fidedignamente às mesmas propostas. Especificamente voltadas para a educação, a adoção das medidas neoliberais foram implantadas na gestão da secretária Rose Neubauer (1995-1998; 1999-2000) e ganhou constantes reforços nas gestões subsequentes.

Sem dúvida, foi nesse período que programaram as mudanças mais profundas e que produziram maior impacto sobre a organização, a gestão e o ensino nas escolas da rede estadual paulista. Provocaram, por isso, acalorados debates na sociedade política e na sociedade civil e mereceram numerosos estudos acadêmicos. (CARVALHO; RUSSO, 2012, p.277) Nos vinte e dois anos (1994-2016) de governo Psdbista no estado de São Paulo, a gestão educacional pode ser considerada como um processo contínuo de obediência à „cartilha de orientações de políticas neoliberais‟, promovendo claros aprofundamentos dos princípios os quais vinculam educação à economia de mercado. Ainda que não seja objeto específico deste trabalho, as políticas educacionais adotadas pelo governo Psdbista têm se pautado em reformas e mais reformas educacionais produzidas em outros países28.

Segundo Carvalho e Russo (2012, p.279), é possível percebermos o modo hierarquizado e “com alta dose de autoritarismo” a implantação das Reformas Educacionais pelos sucessivos governos Psdbistas de 2000 a 2014. Tais implantações ocorreram com planejamentos previamente antecipados de forma centralizada e “[...] por um grupo de educadores afinados com as doutrinas do partido no poder e detentores de respaldo político e acadêmico”.

Destacamos, que a reforma educacional paulista esvaziou, ainda mais, os poderes do Conselho Estadual de Educação, enquanto entidade de ação e espaço, centralizando as decisões no próprio Estado e impedindo que muitos sujeitos profissionais da educação,

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A pesquisadora Nora Rut Krawczyk (DECISAE- UNICAMP) em seu artigo intitulado “Políticas de Regulação e Mercantilização da ducação: Socialização para uma cidadania?” explicita de forma clara e bem detalhada as ações neoliberais absorvidas pelos governos de países latino-americanos, com destaque para México, Argentina, Chile e Brasil.

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defensores de uma política aberta, amplamente democrática e colaboradores para uma educação crítica, pudessem reassumir tais poderes (CARVALHO; RUSSO, 2012).

Basta observarmos os materiais instrucionais concebidos, produzidos centralizadamente e consequentemente uniformizados, técnica e esteticamente padronizados enviados às Escolas Públicas (Cadernos do Gestor, Cadernos do Professor, Cadernos dos Alunos, etc.). Essas ações valem-se de certa flexibilidade constatada na LDBEN 9.394/9629 quando se observa a facciosidade, o modo insidioso como o governo e a Secretaria de Estado da ducação manipulam os seguintes recortes da lei presentes nos materiais: “pluralidade de concepções pedagógicas”; “autonomia pedagógica da escola na produção de sua proposta pedagógica”; “a gestão democrática da escola na construção do PPP” para atender aos interesses do grupo ou classe a quem servem.

Tudo isso, em face do desejo do programa neoliberal para a educação e na eliminação de uma das lutas empenhadas no final da década de 1980 e início da década de 1990 contra

uma educação a serviço do capital. Sem falar o quanto corrobora para que os sujeitos- -professores, sujeitos-gestores assumam posições reduzidas, de meros reprodutores de uma

proposta desenvolvida, externamente por terceiros e que „insinuante‟ „sedutora‟, consegue fazer com estes mesmos sujeitos (gestores e professores) não percebam a desconsideração da singularidade de cada escola presentes nos materiais.

Nesse sentido, um dos pilares da Reforma do Estado encontra-se na atribuição de responsabilidades as quais recaem, única e exclusivamente, sobre os sujeitos-gestores e sujeitos-professores quanto ao sucesso ou ao fracasso da Unidade Escolar frente às demandas formuladas, organizadas e pensadas pelo Governo e a Secretaria de Estado da Educação. Não há, nesse sentido, por grande parte dos sujeitos escolares, a percepção de que o sucesso ou fracasso da Educação vem do modelo adotado de um Estado centralizador de tomadas de decisão e antidemocrático (democracia de modelo radical), assim como não acreditam „participar‟ de ações concernentes às propostas enviadas pelos órgãos governamentais superiores.

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Importante frisar que a LDBEN 9.394/96, também denominada Lei Darcy Ribeiro, aprovada no dia 20 de Dezembro de 1996, não foi Lei uma amplamente discutida, debatida pela/ com a sociedade brasileira, menos ainda com os representantes da comunidade educacional escolar brasileira. A proposta acerca das diretrizes nacionais de educação que havia sido levantada e ficara em discussão por algum tempo, era contemporânea à CF/88. O pesquisador Dermeval Saviani e mais outros representantes de diversos setores e segmentos da educação brasileira procuraram, simultaneamente ao período de discussão da CF/88 (1986-1988), apresentar o projeto de lei contendo as novas diretrizes e bases da educação brasileira. Esta proposta acabou sendo arquivada pelo Senado durante a Gestão do Senador Mauro Benevides. A LDBEN 9394/96 pode ser considerada fruto dos interesses do governo FHC, pois não fora discutida, como deveria ter sido, tanto com a sociedade brasileira, tampouco com os muitos representantes dos movimentos, segmentos e setores educacionais escolares brasileiros.

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Para os sujeitos ocupantes das funções dos cargos de gestores, foi elaborado em 2008 e reeditado entre 2009 e 2010 um conjunto de documentos e materiais denominados “Caderno do Gestor” para subsidiar e orientar os próprios sujeitos-gestores no processo das implementações das propostas organizadas, pensadas e arquitetadas no seio do governo estadual psdbista.

O documento traz em seu conteúdo geral noções, práticas, procedimentos, atividades e orientações técnicas de como o corpo gestor de uma U.E. deve atuar frente à sua administração (CARVALHO; RUSSO, 2012). Dividido em três Cadernos gerais os quais trazem todo conteúdo a ser aplicado, os materiais ainda contam com mais três cadernos subdivididos com atividades prontas e manietadas apresentando o „passo a passo‟ de como devem e precisam ser aplicadas.

O aderno do Gestor número um (1) traz em seu conteúdo “os princípios básicos da Gestão” e do “Plano de Gestão” que deve ser implantado na U.E. além dos “princípios básicos de avaliação”. O aderno do Gestor número dois (2) apresenta “os princípios e os procedimentos da construção da Proposta Político Pedagógica da scola” e os “princípios norteadores para a preparação para a Avalição do Saresp”. O aderno do Gestor número três (3), por sua vez, busca apresentar a preparação da escola para o final de ano, especialmente com as avaliações responsáveis pelos indicadores pedagógicos, os caminhos para a preparação dos conselhos de classe e final, bem como organizar as últimas reuniões da Associação de Pais e Mestres (APM)30.

Assim sendo, é possível perceber nos conteúdos e nas orientações presentes nestes materiais, como “as diretrizes adotadas pela reforma da educação em curso no stado de São Paulo, revelam-se conflitantes com princípios constitucionais e legais da educação brasileira” (CARVALHO; RUSSO, 2012, p.285).

Os cadernos ainda nos mostram o uso de uma racionalidade técnica, instrumental, livresca, cartilhesca e autoritária, desamparada de justificativa e de quaisquer fundamentos que promovam a democracia efetiva, crítica e integralmente participativa, além de uma não promoção da autonomia da escola na construção do seu Projeto Político Pedagógico, tampouco na formação continuada da qualidade profissional de seus profissionais e menos ainda no desenvolvimento pessoal. Há vestígios, indícios, de um Estado regulador presentes nas formas como os Cadernos dos Gestores estão elaborados, como suas atividades foram e são orquestradas, na escrita, nas propostas, nas relações conflitantes com a LDBEN.

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