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2.3 Noções de sujeito, ideologia, formação discursiva e formação ideológica

2.3.1 Formação Discursiva

A Formação Discursiva não é um termo estabelecido, conjugado, e expresso pela prática da hermenêutica na tentativa de extrair significado para os lexemas formação e discurso. A Formação Discursiva nasce da reflexão de Foucault (2008) a partir das regularidades do tipo ordem, correlação, funcionamento e transformação dos enunciados numa dada “discursividade”.

Segundo Foucault (2008, p.75), todo

[...] esse jogo de relações constitui um princípio de determinação que admite ou exclui, no interior de um dado discurso, um certo número de enunciados: há sistematizações conceituais, encadeamentos enunciativos, grupos e organizações de objetos que teriam sido possíveis (e cuja ausência não pode ser justificada no nível de suas regras próprias de formação), mas que são excluídos por uma constelação discursiva de um nível mais elevado e de maior extensão. Uma formação discursiva não ocupa, assim, todo o volume possível que lhe abrem por direito os sistemas de formação de seus objetos, de suas enunciações, de seus conceitos; ela é essencialmente lacunar, em virtude do sistema de formação de suas escolhas estratégicas.

O que determina a formação discursiva elencada por Foucault são as regularidades que, marcam os enunciados, e estão presentes no enunciado entendido como unidade elementar do discurso. Apoiado na contribuição dos conceitos da Nova História – descontinuidade, ruptura, limite, transformação – Foucault chama-nos a atenção para o discurso como irrupção de acontecimentos e dispersão temporal, renunciando-o como elemento infinito presente na História positivista: sucessão de fatos encadeados (GREGOLIN, 2006).

Sua proposta é compreender, por um lado, o enunciado como singularidade de acontecimento em sua irrupção histórica “já que ele é sempre um acontecimento que nem a língua nem o sentido podem esgotar inteiramente” ( OU ULT 2008, p.88), e por outro,

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demonstrar a articulação existente nos enunciados por meio dos jogos de relações entre singularidade e repetições.

Trata-se de um acontecimento estranho, por certo: inicialmente porque está ligado, de um lado, a um gesto de escrita ou à articulação de uma palavra, mas, por outro lado, abre para si mesmo uma existência remanescente no campo de uma memória, ou na materialidade dos manuscritos, dos livros e de qualquer forma de registro; em seguida, porque é único como todo acontecimento, mas está aberto à repetição, à transformação, à reativação [...]. (FOUCAULT, 2008, p.32-33)

Ao pensar de forma singular o enunciado – não inteiramente linguístico; tampouco em sua integridade material –, Foucault não o concebe como uma unidade em si mesmo, mas como função enunciativa, porque demonstra como uma frase, uma proposição, um fato, uma imagem, um dizer, produzido por um sujeito em um lugar institucional, marcado por regras da História define o que pode ou não ser enunciado.

Entendemos que essa dialética a qual marca o enunciado – repetição e singularidade – ao ser refletida e analisada pelo analista de discurso, precisa ser observada quanto à dispersão e à regularidade dos sentidos reproduzidos em seu interior. Como afirma Gregolin (2006, p.90) “descrever um conjunto de enunciados no que ele tem de singular paradoxalmente é descrever a dispersão desses sentidos, detectando uma regularidade, uma ordem em seu aparecimento sucessivo, correlações, posições, funcionamentos transformações”.

O que separa a formação discursiva proposta por Foucault (2008) da refletida, pensada e discutida por Pêcheux é a ideologia como elemento central para a origem das formações discursivas (ORLANDI, 2009).

De acordo com Pêcheux (1990), a Formação Discursiva nunca é homogênea, é sempre constituída por outros discursos. O encontro de diferentes discursos e formações ideológicas a constitui, apresenta como característica posições distintas de uma mesma palavra, numa conjuntura sócio-histórica. Uma Formação Discursiva traz elementos de outras formações discursivas que podem ser contraditas ou recusadas.

Ao buscar em Foucault subsídios para compreender os elementos constituintes dessa noção-conceito, Pêcheux e Fuchs (1990, p.314) respondem que a

[...] noção de formação discursiva [...] começa a fazer explodir a noção de máquina estrutural fechada na medida em que o dispositivo da formação discursiva está em relação paradoxal com seu “exterior”: uma formação discursiva não é um espaço estruturalmente fechado, pois é

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constitutivamente “invadido” por elementos que vêm de outro lugar [...] que se repetem nela fornecendo-lhe evidências discursivas [...].

Consequentemente, a noção de formação discursiva apresentada por Pêcheux está entrelaçada com a noção de ideologia (ORLANDI, 2009). O autor percebe que a formação discursiva corresponde a um domínio do saber, cuja constituição de enunciados discursivos desempenha um entrelaçamento com as formações ideológicas (dominantes) presentes.

A noção de formação discursiva, ainda que polêmica, é básica na Análise de Discurso, pois permite compreender o processo de produção de sentidos, a sua relação com a ideologia e também dá ao analista a possibilidade de estabelecer regularidades no funcionamento do discurso.

A formação discursiva se define como aquilo que numa formação ideológica dada [...] determina o que pode e deve ser dito. (ORLANDI, 2009, p.43) Dessa forma, podemos perceber que as palavras não possuem sentidos nelas mesmas, vêm de outras formações discursivas, representando nos discursos as formações ideológicas. Isso posto, confirma-se que os sentidos são regularizados ideologicamente. Os sentidos são capturados pelas ideologias e, ao serem (re)produzidos numa dada condição de produção, não apresentam apenas uma ideologia, mas ideologias que se encontram entrelaçadas na formação discursiva.

Reforçamos que um dizer é sempre parte de um discurso, dialoga com outros dizeres. E todo discurso está relacionado a outros discursos oriundos de diferentes momentos na história e de diferentes lugares sociais, formando o interdiscurso. Vale lembrar que o interdiscurso apresenta o dizer “[...] determinado, pelo já-dito, aquilo que constitui uma formação discursiva em relação a outra” (ORL N I 2009 p.44).

Como os sentidos não estão, não se encontram prefixados pelo domínio da língua, pois dependem de relações formadas nas formações discursivas, reforçamos o que fora mencionado nesta dissertação, que as Formações Discursivas, de acordo com Pêcheux (1990), não são blocos homogêneos, fechadas em si, ligadas a um piloto automático de dizeres, mas firmam-se pela contradição, por suas circunstâncias heterogêneas.

É nesta disposição que podemos compreender como o sentido apresenta-se de modos, de formas, de maneiras ou contornos diferentes. Como mencionado anteriormente, uma mesma palavra “ganha” apresenta sentidos diferentes se inscrita em determinada Formação Discursiva. É o que Orlandi (2009) define como uma importante parte do trabalho do analista de discurso, e este deve observar as condições de produção, averiguar o funcionamento da

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memória e remeter o dizer a uma formação discursiva e não a outra, no intento de compreender o sentido nele presente.