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Condições de trabalho

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CAPÍTULO IV APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS

4.1 Apresentação e análise dos dados coletados na 2ª Etapa: A pesquisa

4.1.1 Categoria I: organização do trabalho

4.1.1.1 Condições de trabalho

As condições de trabalho adequadas são essenciais para que os trabalhadores desenvolvam suas atividades laborais com qualidade e produtividade. Para Dejours (1992), as condições de trabalho envolvem os ambientes físico, químico e biológico, as condições de higiene, segurança e as características antropométricas do posto de trabalho.

Na sala de regulação do SAMU 192 ficam os TARMS, os médicos reguladores e os rádios operadores. Todos em um mesmo ambiente conversando, em muitas ocasiões conversam ao mesmo tempo:

“O ambiente é extremamente desconfortável [...] barulhento que não tem silêncio [...] o tempo inteiro o tom de voz é elevado. Às vezes é ríspido porque você tem que ser rápido [...]” (M1).

Esse fragmento de fala indica que no ambiente de trabalho a presença de ruídos incomoda. São muitas vozes juntas por 12 horas seguidas ou até mais. Nesse caso, os profissionais que dividem a sala de regulação podem sofrer danos auditivos por trabalhar em meio ao barulho constante, o que é desagradável e até mesmo irritante. O barulho pode interferir no desempenho das tarefas e na comunicação com os solicitantes.

As roupas utilizadas pela equipe não são recolhidas e lavadas em lavanderia especializada, cada profissional fica encarregado de fazer a limpeza e esterilização adequada de seu uniforme:

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Chance de sobreviver. Existem situações em que as necessidades de atendimento, excedem os recursos materiais e humanos disponíveis. Acontece, por exemplo, acidente de trânsito com cinco vítimas e o número de ambulâncias e suas equipes disponível varia de uma a três. A ambulância tem equipamento para a sobrevida de uma pessoa.

“Roupa [...] tem que esterilizar [...] e lavar com os nossos meios, se você quiser ter uma outra roupa para você vestir do uniforme você tem que comprar ela com seus meios. Eu estou aqui tem três anos eu recebi duas peças de uniforme [...]” (M1).

Esse procedimento acaba sendo feito em casa. Isto significa que inclusive a família do profissional socorrista está exposta a riscos biológicos. Dependendo do local onde esta roupa é higienizada pode ocorrer a disseminação dos micro-organismos para as demais áreas. Outro ponto destacado na fala é o uniforme. São poucas peças disponíveis para trocar e quando ocorrem casos de sujidade pesada com sangue, vômito, fezes e/ou secreção de espirros, há o contato por mais tempo com micro-organismos maléficos, aumentando o nível de exposição ao risco biológico.

Nas horas em que não estão nas ocorrências as equipes ficam na base do SAMU 192. Durante esse período podem repousar ver televisão, ler ou realizar outras atividades. Mas, segundo o M2:

“Tem poucos locais de repouso e geralmente esses repousos são mistos, não são separados” (M2).

O fato das salas de repousos disponíveis serem usadas por trabalhadores do sexo feminino e masculino parece gerar um desconforto para os que frequentam as mesmas.

Outra questão destacada foi o acesso aos banheiros. Sobre eles, M1 explica:

“Poucos ficam vazios [...] um é pra homem e outro pra mulher [...] chegando da ocorrência todo mundo tem que tentar fazer o máximo de higiene pessoal possível que conseguir [...] fazer suas necessidades para ficar disponível já para outras situações” (M1).

A fala do M1 indica que o número de banheiros é insuficiente para atender a demanda dos usuários e aponta para a necessidade de aumentá-los para garantir que todos possam frequentá-los.

Para o desenvolvimento das atividades de trabalho no SAMU 192 os profissionais precisam de recursos materiais, equipamentos e veículos. Mas alguns depoimentos afirmaram que nem sempre eles estão à disposição:

“Às vezes falta máscaras, óculos, capacetes, lanterna, capa de chuva para você atender em determinados locais e determinadas ocorrências. É comum [...] chegar em casa [...] molhado seja de suor ou seja pela chuva, sujo de sangue, de barro e areia [...]” (M1).

“Os equipamentos [...] são muitas vezes sucateado, ambulância estragada, ambulância com pneu careca e sem freio” (M2).

Tais falas indicam que os profissionais têm realizado as atividades de trabalho mesmo não possuindo todos os recursos necessários. Essa forma de exercer a profissão pode acarretar em prejuízos à saúde dos mesmos por não oferecer segurança ao processo de atendimento. Além disso, pode interferir na qualidade da assistência prestada ao usuário ou até mesmo inviabilizá-la.

As equipes do SAMU 192 precisam de veículos seguros e em bom estado de conservação para darem o devido socorro à vítima. Contudo, a realidade revelada na escuta clínica não vai ao encontro da segurança e das adequações básicas. Os relatos das enfermeiras e do médico atestam tal compreensão:

“Nós já fizemos viagens à noite [...] chovendo com pneus carecas” (E3).

“Às vezes dizem assim: você é doida [...] entrar dentro da viatura com pneu tudo careca [...] e correndo daquele tanto” (E1).

“USA bateu com a equipe até com paciente. O paciente até viscerou” (M3).

Ao rodarem em veículos com pneus carecas, principalmente em dias chuvosos, a equipe corre risco mecânico/acidente, porque o carro pode deslizar com maior facilidade e o motorista pode perder o controle do veículo e causar um acidente. O pneu careca não possui os sulcos ou gomos para escoamento da água em dias chuvosos e isso reduz a capacidade de travagem, de deslocamento em curvas e risco de aquaplanagem.

A frota de veículos em atividade dificilmente tem um momento reservado para receber manutenção. Isso tem ocasionado situações de insegurança nos trajetos percorridos. A não manutenção também vem acompanhada da falta de recursos financeiros para consertos emergenciais, como pode ser lido nos trechos a seguir:

“Já chegou cair roda, porta da ambulância [...] Já chegamos a remendar pneu também com dinheiro nosso” (CS2).

“Eu mesmo já comprei óleo para motor do meu bolso [...]. Nós já arrumamos ambulância batida, tiramos farol de uma colocamos na outra, batemos com o ferro para o para-lamas voltar, trocamos as frentes, trocamos tudo para a viatura rodar e está rodando até hoje [...] já aconteceu da gente se reunir e arrumar ambulância para ela rodar [...] para não ficar três viaturas rodando e uma parada [...] remendar pneus, eles da moto leva ali e arruma pneu do dinheiros deles” (CS1).

“Para não ficar parada” (ML3).

Tomando por base que o atendimento é móvel, pressupõe-se que o mesmo só pode ser realizado se houver o veículo adequado para deslocar a equipe até ao local e depois seguir com a vítima para o apoio/unidade de atendimento mais próximo possível. Isso significa que o veículo é um recurso estrutural e fundamental para a prestação dos serviços.

de recursos financeiros compatíveis com os custos incorridos, como água, luz, pagamento de salários e despesas com alimentação, transporte, manutenção de máquinas e equipamentos e outras. Nesse sentido, é impossível que o SAMU 192 consiga prestar serviços à população sem recursos financeiros. A falta desses recursos, principalmente para manter em boas condições de uso as ambulâncias, conduz os trabalhadores a situações desgastantes, como a paralisação por impossibilidade de uso dos veículos ou por transitarem em veículos em condições precárias.

Além da falta de segurança pelo estado do veículo, o conforto térmico em certas situações de trabalho não existe. Nas falas do M2 é possível notar a insatisfação com as condições de trabalho:

“As ambulâncias [...] andam muito sucateadas, não tem ar condicionado [...] quebrou tudo e a gente anda no calor. Pensa isso meio-dia, às 13 h você andando, entendeu? Aí tem essa roupa que é uma lona no calor sem ar condicionado e sem nada” (M2).

O excesso de calor pode influenciar no rendimento e velocidade do trabalho, provocar fadiga, diminuir a concentração na execução das atividades, deixando os trabalhadores propensos a acidentes, além de impactar no estado de humor e bem-estar dos mesmos.

No SAMU 192 todos os profissionais que fazem o atendimento móvel devem usar o EPI obrigatório, constituído por “uniforme completo, apresentável com faixas refletivas e mangas longas, calçado fechado impermeável obrigatório, luvas de procedimento, óculos de proteção, máscara facial, capacete – para o caso de condutores de motolância” (BRASIL, 2016b, p. 223). O uniforme protege o corpo dos trabalhadores de possíveis agentes. No entanto, em algumas estações climáticas, por exemplo no verão, há ocorrência de muitas chuvas e o atendimento precisa ser realizado da mesma forma.

Ocorreu com um condutor de Motolância o adoecimento, ocasionado por longas horas de trabalho com a roupa molhada no corpo. Essa situação está evidenciada nas verbalizações dos participantes:

“Eu já adoeci, mas foi devido pegar chuva [...] a farda [...] seca em você [...]” (ML3).

“Não tem roupa reserva. Se a gente tiver voltando pra base e pegar chuva fica molhado” (ML1).

O fato é que, não tendo a roupa reserva duas situações, centrais poderão ocorrer: uma é que o trabalhador vai se manter molhado no trabalho, expondo-se a riscos físicos. A outra seria o trabalhador parar de trabalhar caso tenha se molhado nas primeiras horas de trabalho.

A consequência dessa segunda ação, parar de trabalhar, afeta diretamente o atendimento e pode ocasionar a morte de uma vítima, visto que os procedimentos iniciais para garantir a sua sobrevida deixarão de ser realizados. A não efetivação do trabalho, por parte do trabalhador, vem acompanhada do sentimento da improdutividade.

A principal ferramenta tecnológica de comunicação entre a central e a equipe de intervenção é o rádio. No caso específico dos motolantes, eles fazem os primeiros procedimentos referentes à sua função em relação à vítima até que a viatura chegue e o médico e a enfermeira estabilizem-na. Durante esses primeiros atendimentos, feitos pelo motolante, existe a necessidade de comunicação direta e de qualidade com o médico. No entanto, as falas do ML2 e ML1 mostram outra realidade:

“Deveria ter uma comunicação mais direta [...] a comunicação ela é falha [...] via rádio não tem. Eles vão ligar no celular tem hora que seu celular está desligado. Você não tem uma comunicação direta com o SAMU” (ML2). “O celular é nosso inclusive” (ML1).

De acordo com esses relatos, a ausência do rádio comunicador dificulta a comunicação direta e rápida com a central de regulação. O aparelho celular, ao que parece, não é um instrumento de comunicação ideal para auxiliar no processo de atendimento. Diversas informações são passadas pelas equipes à central de regulação. Algumas estão relacionadas à situação encontrada no local da cena, estado do paciente, condutas tomadas. A central de regulação precisa orientar sobre o local de destino do paciente e outras questões relativas à ocorrência.

O rádio e o GPS são duas ferramentas essenciais para os condutores das ambulâncias e mais ainda para os condutores de motolância. A equipe do socorro, ao ser acionada, precisa rapidamente se deslocar até o local de atendimento. A ausência do GPS atrasa a saída da equipe em alguns atendimentos, pois nem sempre o condutor conhece todos os trajetos. Não sabendo do percurso os condutores se reportam a um mapa fixado numa parede no pátio de estacionamento dos veículos de urgência e tentam gravar na mente ou fazem uma anotação do percurso num papel ou até mesmo no motor da moto. As consultas de endereços ao mapa do município, feitas pelos motoristas, provavelmente levam mais tempo que acioná-las no aplicativo GPS. Com efeito, o tempo de atendimento é influenciado.

Proporcionar o máximo de conforto, segurança e desempenho eficiente para o trabalhador é requisito mínimo para que o mesmo possa desenvolver bem as suas atividades. No entanto, quando se trata de questões ergonômicas, a escuta clínica também sinalizou a existência de fatores de riscos na área da ergonomia, como relatou o ML2:

“Manter compressão torácica naquela vítima até a unidade chegar [...] demora uns 15, 20 minutos [...] na mesma hora que a gente está fazendo um trabalho de parto, dez minutos depois estamos numa Parada Cardiorrespiratória (PCR) [...] você sai da PCR e vai para um tiroteio uma vítima com ferimento por arma de fogo... a gente saiu de uma queda em cisterna e foi num enforcamento [...] foi o que dez minutos de uma para outra (ML2)”.

O tempo é fundamental para a sobrevida da vítima. Nesse caso, o ML precisa ter condicionamento físico compatível com a necessidade de compressão, sob pena de se lesionar ou até mesmo não ter condições de salvar o indivíduo em atendimento. Essa situação gera tensões, emoções negativas e medo de não conseguir realizar o trabalho, afetando diretamente a saúde mental e física desse trabalhador. Assim sendo, essa categoria de trabalhadores pode ser vítima da LER/DORT.

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