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Vivências de sofrimento nas situações de trabalho

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CAPÍTULO IV APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS

4.1 Apresentação e análise dos dados coletados na 2ª Etapa: A pesquisa

4.1.2 Categoria II: Mobilização subjetiva do trabalhador

4.1.2.2 Vivências de sofrimento nas situações de trabalho

As análises clínicas indicam que as vivências de sofrimento no trabalho dos profissionais em estudo decorrem da sobrecarga de trabalho e de papéis; das situações laborais em que não podem usufruir da flexibilidade, autonomia e liberdade; da intensidade de atendimentos e jornada de trabalho; da falta de vagas nas unidades de pronto atendimento e hospitais; dos óbitos; do tempo ocioso; da frustração; do turno de trabalho; da pressão no trabalho; das exigências emocionais; da falta de ética e do bom senso dos usuários; das exigências de cuidados com a vítima; do não encontro do endereço; do sofrimento das vítimas; da forma de tratamento do solicitante; da atividade de regulação; do choque com a realidade de trabalho; das cobranças e pressão psicológica; das situações de trabalho; dos riscos inerentes à profissão.

Sobrecarga de trabalho

Pela fala dos condutores socorristas das ambulâncias de suporte avançado compreende-se que eles sentem-se sobrecarregados. Além de lidarem com muitas ocorrências diárias, ainda têm a função de checar a viatura, conferir equipamentos dela pertencentes e fazer o seu abastecimento:

“Tem muitas ocorrências (CS2)”. “A gente tem que fazer várias coisas ao longo do dia e não é só ocorrência. Tem que checar viatura, conferir e levar para abastecer” (CS1).

Essa sobrecarga advém justamente pelo número de ambulâncias em funcionamento. Atualmente a demanda pelo serviço é maior que a oferta. Como a população precisa ser assistida pelo SAMU 192, ocorre a sobrecarga de trabalho. As ambulâncias ficam ocupadas o tempo todo, sobrando pouco tempo para pausas de descanso da equipe e para a manutenção dos veículos.

A fala da E2, a seguir, sinaliza que o número de USAs e suas equipes é insuficiente para atender a demanda da região em que a central de regulação médica é responsável. Isso impacta diretamente na qualidade de vida desses profissionais, na própria execução das atividades laborais e na continuidade ou não das vidas das vítimas. Decorre dessa situação a imposição de que as ambulâncias em atividade, e suas respectivas equipes, acelerem o atendimento.

“Tem noite [...] que não para. Você chega na unidade e repõe ou mal dá tempo de repor já tem outra ocorrência e você sai. Há poucos dias [...] nós passamos quase a noite toda na rua. Isso com duas unidades USA, uma chega e sai, a outra chega e sai. Tem vez que você nem chega, de onde você está [...] vai para outra ocorrência” (E2).

“Dois plantões atrás a USB pegou um trauma gravíssimo porque as duas USAs estavam na rua” (E3).

“Além das pessoas que fazem ligações das ruas, de casa [...] as unidades de saúde ligam aqui para pegar um paciente [...] para levar para o hospital de urgência da capital ou hospital de urgência do município [...]” (M4).

A disposição de material no veículo de socorro é extremamente importante para o atendimento das vítimas. A falta de uma cânula para traqueostomia, do material para cricotiroidostomia e/ou do conjunto de drenagem torácica podem inviabilizar os procedimentos necessários em uma vítima que precise de uma intervenção com esses ou outros materiais que, se presume, devem estar disponíveis para a equipe socorrista. Atender a diversas ocorrências, uma seguida da outra, sem intervalo para refeição, higienização,

descanso físico e mental faz com que esses trabalhadores se ancorem na zona do sofrimento.

Sobrecarga de papéis

O sofrimento também emerge em decorrência da sobrecarga de papéis. Para o M1 e a E2, o pertencimento a grupos diferentes exige papéis diferentes. A mais do número de funções que exercem no SAMU 192, os trabalhadores têm aquelas ligadas à família, aos estudos e a outros ambientes de trabalho:

“Geralmente você divide o horário de folga com os estudos e família” (M1). “Tem [...] carga de serviço doméstico em casa [...] carga horária a cumprir no outro local e vai agravando [...] (E2)”.

Cada função (trabalhador, estudante, pai, mãe) solicita um comportamento típico dos participantes desta pesquisa. O papel de trabalhador difere do papel de estudante. A colisão dos dois pode originar situações de conflito. Conciliar de forma saudável essas situações parece não ser fácil. O M1, nos seus intervalos de folga, que são poucos, pois atua em 4 empregos, intercala estudos e família. A E2 tem que desempenhar o papel de dona de casa e trabalhadora extra SAMU 192.

Situações que não permitem flexibilidade, autonomia e liberdade

A flexibilidade, a autonomia e liberdade, embora presentes, não imperam em todas as situações de trabalho no SAMU 192. Uma delas, causadora de sofrimento ao participante CS1, é quando ao final do seu turno de trabalho, minutos antes, surge uma ocorrência e o mesmo precisa ir:

“Eu fico chateado quando toca a ocorrência perto de ir embora” (CS1).

Pode-se dizer que o trabalho tem horário para começar, mas nem sempre tem horário para encerrar. Um turno que se encerra, por exemplo, às 19h00min, pode ser prolongado por várias outras horas. Supondo-se que faltem 5 minutos para encerrar o turno e o colega que irá ocupar o posto de trabalho do turno seguinte ainda não chegou, o profissional que encerraria seu trabalho às 19h00min, terá que ir nessa ocorrência. A mesma poderá ser rápida ou demorada, isso vai depender da situação da vítima. Caso seja demorada, esse trabalhador terá menos tempo de folga, já que trabalha em sistema de escalas no SAMU 192 e em outros

empregos. Isso poderá ocasionar sobrecarga de trabalho, exaustão e culminar em acidentes de trabalho.

Estar de prontidão na central de regulação médica para atender as ocorrências que surgirem faz parte da atribuição dos cargos que exercem os condutores, motolantes, médicos e enfermeiras. Se acontecerem duas ocorrências, as duas únicas equipes de USAs que atendem uma região de 600.000.00 mil habitantes devem se deslocar até os locais das cenas e se, por acaso forem acontecendo outras ocorrências em seguida, a equipe não terá tempo para sua alimentação:

“Se der tempo e não tiver ocorrência você janta” (E2).

Isso significa que esses trabalhadores ficam à mercê da sorte, pois não podem decidir “vamos parar tudo e jantar”.

Uma situação relatada pelo M1, que provoca sofrimento, é quando a equipe está com uma vítima estabilizada dentro do veículo de socorro e não há um local disponível para deixá- la:

“Um problema [...] comum nosso aqui é você estar na cena com uma pessoa que está muito grave e corre risco de morrer a qualquer momento e precisa de um atendimento no local adequado. Muitas vezes esse local adequado não existe” (M1).

Ficar com a vítima até que apareça uma vaga em uma unidade de saúde habilitada é angustiante pelo risco de morte que o paciente corre. A equipe precisa aguardar junto com a vítima por uma vaga em local adequado ao estado da mesma, visto que não podem simplesmente deixá-la em qualquer unidade de saúde.

Outra fonte de sofrimento está associada ao exercício da autonomia e da liberdade via comunicação. Esta abrange e alcança somente pares e colegas:

“A gente não é ouvido. A gente conversa entre os colegas, mas a nossa opinião isso não tem valor nenhum [...]” (M5).

No relato mencionado existem sinais de que a hierarquia não ouve as opiniões e as ideias dos trabalhadores. O fato de não serem ouvidos implica em sentimento de frustração, impotência e desvalorização dos mesmos. A comunicação efetiva no ambiente de trabalho pode ser capaz de evitar problemas operacionais, de gestão e conflitos interpessoais. É provável que uma relação hierárquica menos burocratizada e mais dialogada seja fundamental para o relacionamento saudável entre os trabalhadores, para a motivação e envolvimento no

trabalho. Pode ainda ser um dado determinante para o trabalho coletivo.

Outro fator desencadeante de sofrimento psíquico no trabalho, especialmente aos médicos, é o controle por meio de gravações, em áudio, das conversas que acontecem durante o atendimento telefônico na central de regulação médica. Isso porque os médicos reguladores podem fazer prescrições (dependendo do estado da vítima) e a gravação resguarda-os de transtornos que possam ocorrer.

“Toda ligação é gravada. [...] O Secretario exige a gravação e você tem que mostrar o que você falou e o que a pessoa falou [...] você está atendendo muita gente e está de madrugada uma fala que está com dispneia e você não entende [...] eles pegam [...] mínimos detalhes que tá gravado [...]. Se morrer a culpa é sua” (M2).

Pela fala do M2 nota-se que as gravações das ligações se tornam ameaçadoras, um instrumento de punição e pressão. O monitoramento das ligações acaba se transformando numa ferramenta de controle, trazendo sofrimento e medo.

O fato de mencionarem este tipo de controle do trabalho indica certo receio e descontentamento por parte dos participantes. Mesmo sendo uma medida preventiva de segurança, a falta de confidencialidade dos conteúdos das conversas entre os solicitantes do serviço e os médicos atendentes parece incomodá-los.

Pelas verbalizações pode-se afirmar que existem vários fatores que dificultam o agir dos trabalhadores de acordo com suas próprias vontades. Um deles é que o número de veículos de suporte avançado é insuficiente para atender a população. Isso sobrecarrega as equipes, que acabam se submetendo à dependência de ocorrências para solucionarem suas necessidades básicas, como a alimentação. Ademais, dependem de vagas disponíveis para conseguirem encerrar o processo de atendimento e também não compartilham pensamentos e opiniões no âmbito da gestão pública.

Intensidade de atendimentos e jornada de trabalho

A diversidade de atendimentos em intervalos curtos de tempo sinaliza uma rotina de trabalho intenso. O resultado dessa intensificação de atividade é, sobretudo, o cansaço físico:

“Dependendo da quantidade de ocorrência [...] no dia você vai embora baqueado, cansado. Porque você usa muito a força, braço, perna” (ML3).

Essa situação deve repercutir no grau de satisfação, no desempenho das atividades profissionais e pessoais. Com o tempo poderá ocorrer desgaste físico e mental dos

trabalhadores.

Uma vez que a recompensa financeira pelo trabalho no SAMU 192 é insuficiente para os condutores de ambulância e motolância, esses profissionais possuem outros empregos:

“O pessoal que está conduzindo a viatura passa quase 36 horas direto. [...] por isso acontece acidentes é devido essa escala [...] financeiramente eu não consigo me manter” (ML2).

Ao trabalharem 36 horas seguidas ocorre a privação do sono. Essa condição pode comprometer a saúde e a qualidade de vida desses trabalhadores. Caso tivessem vínculo empregatício somente no SAMU 192, essa sobrecarga horária não ocorreria. Além de terem o descanso comprometido, ainda se deparam com o intenso número de atendimentos que precisam realizar na unidade. Os atendimentos são constantes, porque o número de veículos em funcionamento não é suficiente para atender a demanda da população dos municípios que prestam essa assistência.

A duração normal do trabalho, para os empregados em qualquer atividade privada, não excederá de 8 (oito) horas diárias, desde que não seja fixado expressamente outro limite (BRASIL, 1943, Art. 58). No SAMU 192 há médicos que trabalham 24 horas ininterruptas. Essa carga horária incide em privações de sono e prejudica o convívio social e quando é acompanhada de muitos atendimentos incorre em sobrecarga e pressão, que podem ocasionar desgaste corporal, emocional ou cognitivo em proporções variáveis.

“Faço 24 horas seguidas no SAMU [...] você pode fazer até cinco plantões por semana” (M5).

“Dificilmente eu consigo dedicar final de semana a minha família” (M1).

“Eu tenho dois empregos [...] são escalas noturnas de 12/60. Às vezes você está dormindo tranquilo de repente te acorda: ocorrência, ocorrência. Você acorda até confuso, desorientado [...]. [...] Tem noite também que não para” (E2).

“Já tem um ano que não funciona a terceira USA” (E3).

“Terça-feira agora teve um baleado [...] a gente chegou o pessoal tinha pegado ele e mandado lá para o hospital de urgência do município e aí virou pra gente: vocês demoraram demais” (M2).

Trabalhar 24 horas seguidas é uma escolha dos médicos e não uma imposição da organização do trabalho. Eles enfrentam longas horas de trabalho no SAMU 192 e ainda trabalham em outros empregos. Isso gera uma sobrecarga de trabalho que é agravada pela pressão da população, que fica impaciente, por vezes, diante da demora ocasionada principalmente pela insuficiência de veículos, de equipes e pela dificuldade de mobilidade no trânsito.

Falta de vagas nas unidades de Pronto Atendimento e Hospitais

As dificuldades dos trabalhadores de finalizar o processo de atendimento geram vivências de sofrimento porque as unidades de saúde, na maioria das vezes, não possuem vagas para receber a vítima estabilizada:

“Não é incomum, às vezes, a gente chegar num local e não querer ser recebido com o paciente, até a própria equipe de saúde ser hostil da sobrecarga que eles já estão tendo. Muitas vezes eles estão com números de pacientes maior do que eles podem atender, com um número de equipamentos deles já esgotados [...] mas eles têm que te receber. Então, esse é um momento sem dúvida mais estressante de todos, é esse” (M1).

“A gente, às vezes tem as unidades de saúde, as UPAS, que tem uma salinha de estabilização que tem mais suportezinho às vezes. Então, um paciente não tão grave pode estar indo para esses locais. Quando a gente pensa em alguma coisa neurológica aí nosso escape é o hospital de urgências da capital [...] a gente tem muito mais facilidade [...] a gente fica feliz porque [...] vai receber. Uma parada cardíaca [...] e ter que ir para o hospital de urgência do município, a gente sabe que vai dar problema. Então a gente tem esse estresse de não ter esse apoio” (M2). “Quem deveria receber nem sempre recebe ou faz corpo mole e demora a receber para tentar te forçar a sair dali e nem sempre é por preguiça e incompetência, porque eles também estão sobrecarregados, então é uma cadeia dominó de sobrecarga” (M1).

“Alguns problemas a gente não tem muito que fazer só com a ambulância, por exemplo, se for trauma abdominal que está sangrando você não tem como operar e não tem como fazer nada. Cabeça, então assim a gente tem certo limite de ajudar o paciente” (M2).

Finalizar o atendimento não tem sido fácil, excetuando os casos em que as vítimas tiveram problemas de natureza neurológica. Essa dificuldade de entrega do paciente gera alguns transtornos e as poucas ambulâncias em funcionamento perdem tempo nas unidades de saúde devido à dificuldade de aceitação da vítima. Com isso a população fica prejudicada, o que gera um incômodo para o médico regulador, que tem que dizer ao solicitante que não há viaturas disponíveis, expondo-o a possíveis violências verbais. Pode também ocorrer demora nos atendimentos e a população ficar nervosa e agitada por não ter o serviço disponível quando precisa, o que se reflete em agressões verbais e até físicas às equipes.

Ademais, as relações sócio profissionais poderão ficar extremamente enfraquecidas, pois ambos os lados (SAMU e unidade hospitalar de atendimento em urgência e emergência) precisam prestar o atendimento ao cidadão necessitado. Para o M2, existem entraves que ocupam as USAs. Às vezes, as ocorrências acontecem todas ao mesmo tempo e sobrecarregam os recursos materiais e humanos:

“É um baleado ali e de repente é outro, vem outro tem o terceiro e tem acidente. É difícil” (M2).

sobrecarrega muito as unidades” (M1).

Essas falas revelam a necessidade de um dimensionamento adequado de recursos que seja compatível com a demanda. A desproporção entre o número de viaturas/equipes e a demanda da população pode aumentar, sobretudo, o risco de morte da vítima, a sobrecarga de trabalho para os profissionais e possíveis adoecimentos.

As ambulâncias de suporte avançado são preparadas para deslocar uma única vítima de cada vez. Nas situações em que a ocorrência envolve múltiplas vítimas e os recursos são insuficientes para o atendimento de todas as vítimas a equipe passa pelo transtorno da escolha. Decisão que esses profissionais não gostariam de tomar.

“Ocorrência de desmoronamento numa indústria [...]. Eram três vítimas graves [...] precisaria de três USAs [...] não tinha condições de liberar três unidades, primeiro porque não tem três unidades, só tem duas” (M1).

“Múltiplas vítimas infelizmente [...] a gente só pode carregar uma de cada vez. Aí você meio que escolhe a vítima, mas é ruim nesse ponto. Mas direto a gente tem” (M5).

“Quatro ou cinco baleados. Aí vai as duas USAs para dois pacientes e os outros três que estão baleados? Vai ter que ficar de USB. Mas chega lá tem um morto. Então a gente acaba escolhendo os dois mais graves para ficar na USA e os outros vão ter que ficar de USB senão tiver USB aí a gente pede bombeiro, a gente vê o que faz” (M2).

Estar diante de vítimas em situações graves com capacidade de atendimento limitada provoca vivências de sofrimento nos profissionais que estão atuando na ocorrência. Uma delas é a frustração diante da expectativa criada sobre o trabalho de salvar vidas. Impossibilitados de atender a todos os necessitados, se sentem também impotentes diante da situação. O corpo de bombeiros é um parceiro importante do SAMU. Mas não realiza certos procedimentos específicos da saúde como o SAMU 192. O bombeiro faz resgate, primeiros socorros e atendimento às vítimas com traumas. Em caso de acidente com vítima presa em ferragem, por exemplo, aciona-se o Corpo de Bombeiros para tirá-la e o SAMU 192 faz o atendimento.

Diante da insuficiência de recursos disponíveis, os médicos reguladores têm sofrido ofensas dos requerentes do serviço:

“O pior pra nós é quando a gente sabe que precisa de ambulância e não tem. Aí é canseira, porque a gente sabe que a pessoa está realmente grave, mas não tem. Aí simplesmente fala: infelizmente não tem. O pessoal do outro lado não entende liga duas, três vezes em sequência e a gente tenta falar que não tem e orienta falar no bombeiro, o bombeiro fala que não tem também. Realmente é muito desgastante e a gente é muito ofendido” (M2).

Neste relato depreende-se que os sentimentos de impotência e frustração ligados à negação do atendimento e as ofensas levam os médicos, no serviço de regulação, a um desgaste mental, vivências de mal-estar e sofrimento no trabalho, podendo afetar sua saúde física, psíquica e social.

As USAs ficam concentradas na central de regulação médica18 do SAMU 192 que é foco desta pesquisa. Dependendo do local da ocorrência, a probabilidade de atendimento dentro do tempo resposta previsto, de 15 minutos, é mínimo:

“Poucas ambulâncias para atender uma área muito grande. Têm determinados bairros, setores que a ambulância não consegue chegar antes de 15 minutos. Isso para um paciente que o coração parou de bater 15 minutos são determinantes para a morte” (M1).

O tempo do atendimento e o estado em que se encontra a vítima são determinantes para a sua sobrevida. Sabendo disso os médicos reguladores e a equipe de socorristas, quando atendem solicitações de casos graves, cujo paciente está numa região distante da base, vivenciam o sofrimento psíquico. Primeiro porque o médico regulador ao tomar conhecimento do estado da vítima e do local onde a mesma se encontra, distante da base, poderá ter sensações de tensão e apreensão, resultantes da percepção de que o meio de transporte terrestre tem dificuldade de mobilidade na cidade. O segundo sofrimento surge quando a equipe se mobiliza para chegar o mais rápido possível, mas nem sempre consegue por causa da distância a ser percorrida da base até o local da cena. Se a vítima for a óbito no intervalo entre solicitação e chegada da equipe a população poderá não compreender a demora e agredir verbalmente ou até fisicamente os socorristas.

O número de trabalhadores sugerido pelo Ministério da Saúde para atendimento pré- hospitalar móvel com USA é três: um enfermeiro(a), um médico(a) e um condutor socorrista. Para o M1, esse número de profissionais não é suficiente, mas consegue realizar o trabalho:

“Na avançada é difícil, mas você consegue atender com três” (M1).

A verbalização do M1 indica a existência de uma sobrecarga de atividades nas ocorrências. Os procedimentos poderiam ser menos desgastantes para a equipe, caso houvesse outro profissional para ajudar. O número de trabalhadores que constituem as equipes de USAs não oferece, pode-se dizer, qualidade de vida no trabalho.

A percepção dos trabalhadores de que a gestão pública (esferas federal, estadual e

18

Na validação dos dados em 27/04/2017, as participantes E2 e M6 relataram que uma USA foi descentralizada permitindo maior agilidade nos atendimentos.

municipal) se preocupa mais com o dinheiro do que com a vida das pessoas promove sentimentos de desilusão, desgosto, angústia aos profissionais envolvidos no SAMU 192:

“Infelizmente preocupam muito com dinheiro e não com a população” (M5).

Para o M5, o sistema de alocação de recursos financeiros, materiais e humanos destinados aos serviços do SAMU 192 não tem sido suficiente para atender a demanda por atendimento. Para ele, o motivo do desequilíbrio oferta versus demanda está relacionado à preocupação da gestão pública em maior grau com os recursos financeiros ao invés das pessoas.

Óbitos

Lidar com a morte traz sofrimento a esses trabalhadores e o sentimento de perda os chateia. Mesmo sabendo que a vida da vítima não depende somente da equipe de socorro, mas também do estado em que se encontra a mesma, eles sentem que o papel deles não foi cumprido:

“Fico chateado quando eu chego numa ocorrência que poderia ter sido acionada

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