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1 A expansão econômica e social na Amazônia: migração e sociabilidade da força de

3.4 Condições sociais de fronteira, migração e trocas entre Pará e Maranhã

O território do Sul e Sudeste do Pará desde seu princípio foi uma construção de seres humanos por meio do imaginário dos mitos fundadores. Também o é também no século XIX e XX a invenção avassaladora da modernidade, capaz de criar “pretensões” de fundar e legitimar “começos”, como Silva (2010) afirma em sua pesquisa de doutorado. As trocas entre Pará e Maranhão são inspiradoras por se tratarem de uma dinâmica social que desde a problemática das desigualdades regionais às trocas simbólicas, o intercâmbios entre fronteiras, e de toda sorte

53É uma forma usada para os sindicalista identificarem carteiras “frias” sem registros que confirme que o traba-

lhador verdadeiramente trabalhou na função especificada na carteira. As empresa carimbam e assinam as carteira as “esquentando-AS”.

de bens materiais, as redes sociais que se expandem para além do entre fronteiras dos estados, são frenéticas e acirradas. Segundo Souza (2012, p. 01):

A existência e manutenção da povoação de Turiaçu expressa bem o que foi a fronteira entre Pará e Maranhão em fins do século XVIII e início do XIX. Uma região cujo ir e vir era constante e onde as dificuldades e diversidades acom- panhavam o cotidiano dos sujeitos. De acordo com Flávio Gomes e Rosa Ace- vedo, as fronteiras em geral, e a Amazônica particularmente, são e foram cam- pos de relações renovadas, plena de movimento dos atores com amplas expe- riências históricas, adquiridas, principalmente, a partir do contrabando e for- mação de comunidades de fugitivos.

Metaforicamente, os cidadãos do Pará e Maranhão, já deveríamos ter começado a se tratar como “primos”. Seria uma transladação de sentidos que rompe a barreira da mera troca econômica, para repor a invenção colonial da pan-amazônia, que nos ligava a uma única terri- torialidade física para agora ser uma territorialidade de sociabilidades.

Os Tupi e Tupinambá caminharam sobre o que hoje são as linhas que separam o Pará e Maranhão. Quando o território era definido no susto do encontro de tribos diferentes, poderiam até se enfrentar no corpo a corpo para definir o marco territorial. Eram os nossos primeiros migrantes que não pensavam que ensaiavam os primeiros passos da construção de uma civili- dade. Os Carajá talvez tenham se encontrado para guerrear ou para comemorar. Esse possível encontro romantizado já não tem lugar no cotidiano. Os imigrantes e migrantes já são outros, já nem mais constituídos ou com lembranças recentes da colonização portuguesa, ou da rápida colonização francesa no Maranhão que deixaram marcas indeléveis na cor, nos ritmos músicas, na erudição54.

A migração, as trocas entre Pará e Maranhão, formou um povo diferente, com represen- tações construídas na refrega do cotidiano, mimetizado pela falsa promessa que do lado de cá é melhor que o lado de lá, e que nem a força da necessidade pode mudar o histórico de pobreza senão no simulacro do capital. Esta imagética realidade entorpece as possibilidades por mudan- ças, porque o migrante já não confia nas promessas; ou deixa-se apenas arrastar-se para dentro do turbilhão de promessas para cotizar-se com outros migrantes de vários outros estados um espaço no território paraense. Para o maranhense, em sua maioria, e para os mais pobres no geral, ficou o “pedaço” já “mordido” das riquezas. Como vemos, os limites de fronteiras nunca foram problemas para a intensa relação entre Para e Maranhão, como afirma Souza (Ibid., p. 03):

Na fronteira entre Pará e Maranhão por mais que limites fossem estabelecidos o que regia a ocupação e área de circulação dos sujeitos eram seus interesses,

necessidades, suas redes de sociabilidade e conflitos. Nesse sentido, a fron- teira entre as duas Capitanias não pode ser restringida ao limite físico estabe- lecido no rio Turiaçu, pois a fronteira se constituiu ou era constituída pela área de circulação dos sujeitos que ao movimentarem-se construíam e demarcavam um novo território a partir de suas ações cotidianas. Essa área de circulação envolvia relações contraditórias características dessa área de fronteira que ora era marcada por conflitos ora pela integração dos sujeitos. Tudo isso permitia aos sujeitos delimitarem seus espaços, estabelecerem suas fronteiras e se iden- tificarem com suas ações, sem a necessidade obrigatória de “reconhecer”, ou respeitar claramente as divisões administrativas ou forças políticas.

Porém esta relação não pode ser considerada perfeita, que formou uma cultura única, como querem aqueles interessados em confundir para angariarem adesão política. Não se sabe como os “achistas” encontraram perfeita homogeneidade55 nas migrações, e na constituição de uma “nova cultura” no Sul e Sudeste do Pará, tão somente porque a população paraense cons- tituía apenas 10% dos migrantes. Como afirma Silva, esta era uma propaganda panfletária que visava induzir os migrantes com a ideia de um futuro novo, com uma gente nova, “eliminando as desigualdades e diferenças internas entre grupos de migrantes” (ibid. p, 49). Mas na verdade o que sempre houve foram lutas intensas de reprodução de identidades e de luta de classes, abertamente, até mesmo violenta, ou tão somente como rivalidade no campo da representação social. É verdadeiro que se a população maranhense, apenas de Parauapebas, constituísse um município, ele seria o 30º município mais populoso do Estado do Pará (SOUZA e EID, 2013) Realidades diferentes entre Pará e Maranhão, mas na essência padecem da mesma fra- tura exposta das desigualdades sociais, promovidas por desigualdades regionais, impostas pela divisão do trabalho e riquezas definidas pelas elites econômicas do sul e sudeste brasileiro, com aporte histórico substancial de governantes que por muito tempo revessavam a ocupação do poder no governo federal.

A fronteira do Pará e Maranhão é um artificialismo que embota a possibilidade dos ci- dadãos e dos estados constituírem saídas juntos para problemas idênticos. E quanto mais as elites dividem entre si espaço de poder político, mais se aprofunda a pobreza que é exportada e estimulada pelos muitos governantes de estado e municípios do Maranhão. Nos últimos anos recentes de 2014-2015, a escolha eleitoral trouxe uma mudança de mentalidade que deslocou a oligarquia que detinha o poder às custas de uma ideologização do “rouba mais faz”, replicado por longos anos na nas décadas de 1980 a 1990 também no estado do Pará.

55 “O sul do Pará, hoje, tem pouco mais de 10% de pessoas nascidas no estado. O restante é originário de uma

corrente migratória que formou uma cultura de perfeita homogeneidade, resultado de muita luta, trabalho incan- sável e crença na região para onde vieram como dadeiros bandeirantes” (MALHEIRO apud SILVA, 2010, p. 61)

No Sul do Maranhão, assim como no Sudeste do Pará encorpou uma máxima de desen- volvimentismo baseada na “na autonomia territorial”, um simulacro que tinha interesses tão somente da partilha e rearranjos de poder entre as velhas oligarquias com as novas oligarquias insatisfeitas com exíguo pedaço de poder reservada às recentes elites econômicas do Sul do Maranhão. Para isso, foram elaborados e colocados em prática discursos que exaltavam as po- tencialidades econômicas retidas pela elite do norte do estado do Maranhão. Igual discursos eram reproduzidos com a mesma fortidão de falácia do desenvolvimentismo econômico no es- tado do Pará.

Na compreensão de Silva (2010), o que estava em jogo era um recorte espacial esmae- cido por forte discurso feitichizado, motivado pelo abandono também histórico dessas regiões. De olhos atentos a essa disputa regional, não estavam desatentas as elites do sul e sudeste bra- sileiro, as grandes empresas da soja, mineradoras e grandes conglomerados do agronegócio que entrariam como investidores do progresso contido.

A contenda entre as elites, no sul maranhense e no sul e sudeste paraense, se desenvol- veu tentando identificar as rasuras do discurso do opoente. No sul do Maranhão tentou-se res- gatar a velha aporia entre sertão e litoral e a discriminação política e administrativa. A política era aumentar a rivalidade e propor a reinvenção do espaço. Para isso, instituíram ao longo da disputa uma enviesada alteridade sintetizada na exaltação de superioridade com o emprego do termo sulista (Ibid.), local de riqueza abundante que é carreada para sustentar o norte, no caso do Pará, e para sustentar o litoral, no Maranhão, e ideia ufanista de projeto de futuro. Daí para a provocação e hostilidades aos migrantes e aos autóctones contrários à ideia de repartição ter- ritorial foi um pequeno salto. No final pesou a decisão do Norte do Pará e do litoral do Maranhã com a maior densidade de eleitores e convencidos de que a intenção era, grosso modo, “despa- triar” o povo maranhense e paraense.

A migração maranhense não é um contexto a parte do que já foi dito. Migrantes mara- nhenses podem ser encontrados para além das fronteiras do Pará. A pobreza que se instalou no sul maranhense é resultado das desigualdades sociais, assim como o é das disputas políticas entre as elites. Isso tem provocado um grande fluxo de emigração do Maranhão para toda a Amazônia. Atualmente a maior corrente de migração tem sido para o Sudeste do Pará.

As narrativas sobre a emigração maranhense tem sido alvo de jornalistas e pesquisado- res, como também aqueles que emitem de imediato juízo de valor sem a profundidade necessá- ria. De todo modo, são estes que buscam tentar compreender e interpretar a realidade da emi- gração pelo lado maranhense e a migração pelo ângulo paraense. Porém, a tragédia da migração em massa precisa ser vista em ângulos compartilhados, para inversamente encontrar soluções

diferentes para territorialidades diferentes. Isso para evitar o caminho que estava sendo trilhado pela elite econômica dos dois estados, desejosas de ter seu próprio território e poder político. E talvez isso coloque em segundo plano a xenofobia praticada em ambos estados. Deixando, com isso, poucos espaços para os tons espalhafatosos dos noticiários e comentários.

Esse sensacionalismo é narrado por Silva por meio das reportagens dos jornais no Ma- ranhão, sobre os que vivem na pobreza e emigrantes que vão em busca de melhores condições: “...uma boa pedida é conhecer uma filial do inferno em terras maranhenses”; ou “Os escravos do fim do século” (SILVA, 2010, p. 105). Se não usam a metodologia adequada para as abor- dagens, entretanto, demostra a crueldade da realidade entre fronteiras da abundância que con- vivem com a miséria é real.

Para o migrante maranhense que chega em terras paraenses o estranhamento do receptor é: “o que essa gente veio fazer aqui?”; para o maranhense que sai de seu estado os que ficam questionam-se: “para onde esse povo vai?”. Coincidências de escolhas de enfoque com ângulos invertidos, poderiam ser resumidos numa frase também coletada por Silva em suas pesquisas: “Maranhão exporta tensões sociais” (p.110). Uma verdade indesejada, mas que retrata a grave situação de migrantes maranhenses no sul e sudeste do Pará, em particular em Parauapebas. Parte significativa de migrantes maranhenses constitui a força de trabalho que exercem as fun- ções degradantes de trabalho, seja nas terceirizadas da Vale, na Serra dos Carajás; ou seja na cadeia produtiva de siderurgias, especificamente na coleta da madeira para a produção do car- vão, e trabalhando nas funções mais precarizadas, vivendo nas periferias da cidade.

3.4 A sociabilidade afetada da força de trabalho migrante do Maranhão: preconceito e