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A comunicação científica é, em sua essência, mutante, sendo um produto de um meio que evolui numa velocidade vertiginosa. Sua evolução se dá em épocas distintas, mas de forma perene. O desenvolvimento da comunicação de ciência segue momentos específicos. A esse respeito, Vickery (2000) divide a evolução da comunicação de ciência em grandes períodos distintos, a saber:

Quadro 1-Evolução da Comunicação de Ciência

Fonte: Adaptado de Vickery (2000).

O Quadro 1 acima indica os importantes marcos que caracterizam a evolução da comunicação de ciência. Na literatura sobre o assunto, são muitos os relatos que detalham como esse processo ocorreu desde seu início (Fjällbrant, 2012, Ziman, 1979, Merton, 1973, Price, 1973, Bernal, 1939, Garvey, 1979, dentre outros).

No entanto, destaca-se um avanço muito significativo na Europa em meados do século XV com a invenção da “prensa” de tipos móveis por Johannes Gensfleish Gutenberg. Essa invenção foi responsável por revolucionar o modo de produzir e disseminar informações, agora em formato de livros impressos14. A informação não somente de forma geral, mas, sobretudo, a informação científica, passa a ter uma circulação mais alargada, causando impactos relevantes e provocando o fenômeno da “explosão informacional”. Esse excesso de informação colocado ao alcance das pessoas

13 Apesar da importância da comunicação científica desde seu início, estudos mais aprofundados e sistematizados surgem em meados dos anos 40 do século passado.

14 No entanto, Chartier aponta que o rompimento entre o manuscrito e o livro impresso não foi brusco, existindo indícios de que tenha havido uso dos livros manuscritos até mesmo nos séculos XVIII e XIX. Chartier, R. (1998). A aventura do livro. Unesp.

Civilizações antigas (cerca de 600 a.C.) Cultura clássica (600 a.C. até 500 d.C.) Época medieval (500-1450)

Período da “revolução científica” (1450-1700) Época de maior desenvolvimento (1800-)

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ajudou a promover a Revolução Científica15, período que vai de meados do século XVI até meados do século XVIII.

Torna-se importante observar que a Revolução Científica ocorre apenas em meados do século XVII, embora no período anterior, ainda na Renascença, é que o debate sobre a ciência e a natureza do conhecimento científico em si tenha sido iniciado. Para Kuhn (1963), esse período intermediário, de hibernação, mostrou-se necessário para o desenvolvimento da ciência. De toda forma, esses avanços causaram um aumento considerável no número de publicações e na circulação de informação científica, uma vez que provocaram o barateamento dos livros e a consequente ampliação de seu acesso. Além disso, inaugura-se uma nova dinâmica no fazer editorial, que agora passa a ser também mais barato e ágil (Hurd, 2004). Os papéis no sistema de comunicação científica são mais definidos. As informações passam a ser publicadas de forma mais sistematizada e com mais regularidade, fazendo o processo tornar-se mais célere, conferindo maior controle no quesito autoridade, colocando a autoria em evidência.

Nesse ínterim, a informação passa a ser organizada, sistematizada e representada em suportes mais fáceis de manusear e, sobretudo, de armazenar. Por outro lado, paralelamente, como consequência desses novos processos, inova-se nas técnicas de recuperação da informação expressas na melhoria do tratamento documental realizado, visando agora à difusão da informação no geral e, posteriormente, à informação de cunho científico.

Um outro marco significativo é evidenciado com o surgimento das primeiras Academias Científicas. Desde que foram criadas, visavam, a priori, à discussão da informação em geral e, posteriormente, da informação científica. Debatiam entre pares a respeito de experimentos e métodos científicos aplicados a soluções de problemas, a fim de se buscar a confirmação de teorias científicas e reafirmar valores, tais como autoria sobre essas mesmas ideias. O conhecimento era discutido em encontros nas casas de eruditos e nobres. Nesses encontros, em forma de saraus e discussões, tratavam de assuntos variados, como, por exemplo, filosofia, medicina, matemática, astrologia, dentre outros (Findlen, 2004). As Academias das Ciências e/ou Sociedades Científicas se reafirmaram, sobretudo na Europa, a partir do século XVII. Para Autran (2015, p.12), os

15 A expressão “revolução científica” foi criada por Alexandre Koyré, em 1939, ver Ronan, Colin A. (1987). História Ilustrada da Ciência: Universidade de Cambridge. São Paulo: Círculo do Livro, 4 vol. vol. III - Da Renascença à Revolução Científica.

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termos Academia e Sociedade são sinônimos, mas se distinguem pelo fato de que, possivelmente, “as Academias eram patrocinadas pelo Estado, sofrendo maior controle do governo. [...] enquanto o Reino Unido, os Estados Unidos e os Países Baixos utilizam a terminologia Sociedade, os demais países europeus adotam o termo Academia”. Essas Academias trouxeram importantes contribuições para a ciência, bem como um amadurecimento do sistema científico como um todo (Burke, 2012).

A primeira Academia foi a de Compagnie du Gai Sçavoir, em Toulouse, na França, em 1323, destacando-se também a Accademia de Lincei, fundada em 1603, que contava com Galileu como membro, sendo esta a primeira considerada meramente científica.

Em 1657, foi fundada em Florença, na Itália, a Accademia del Cimento, considerada a primeira sociedade científica a receber o aval da Igreja Católica. Os debates nela realizados eram fortemente ligados aos interesses e estavam sob a tutoria (inclusive financeira) de seu patrono, nesse caso, o Príncipe Leopoldo de Médici. Embora tenha sido extinta mais adiante pela própria Igreja em virtude das discordâncias com as novas ideias propostas, essa academia produziu importantes resultados, especialmente na área das ciências experimentais. A Itália, que em meados do século XVII havia assumido um papel preponderante no debate científico, passa a ceder lugar a outras nações, tais como a França e Inglaterra. Outras Academias de destaque foram as da Royal Society of London, em 1662, e a Académie Royale des Sciences de Paris, em 1699. Em relação a Royal

Society of London, apesar de contar com membros ilustres e de trocar correspondências

com renomados cientistas do mundo, não evoluiu para um Instituto de Ciências. Vale salientar que o conhecimento debatido não visava apenas à sua aplicação como um todo na academia, mas também gerava inovações para a indústria, a guerra, dentre outras áreas. A grande vantagem dessas sociedades científicas diz respeito justamente ao aspecto de que estas promoviam a reunião entre pares com interesses em comum, na medida em que os cientistas integravam o que se convencionou chamar de colégios invisíveis, conceituados como:

Um colégio invisível é um grupo ou escola de cerca de dez a uma centena de cientistas trabalhando numa tradição de pesquisa. Os seus membros mantêm-se em contacto assíduo, usualmente verbal, e evitam os canais mais lentos de comunicação formal. O grupo pode ser um de muitos que aplicam um programa abrangente de pesquisa a diferentes classes de fenômenos e problemas, como na ciência normal Kuhniana. Ou pode ser uma das várias tradições que competem dentro de uma especialidade, como no caso dos grupos de Bohr, Rutherford e

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Fermi na física nuclear. Ou poderá ser deliberadamente revolucionário, lançando uma nova tradição de pesquisa contra uma já estabelecida (Kneller, 1980, p.183).

Esse tipo de agrupamento permanece até os dias atuais, tendo em vista que a ciência não pode avançar sem um debate entre pares, sem que o assunto possa ser maturado. A tendência da formação das academias manteve-se forte nesse século. Outras academias surgiram na Europa, como a Akademie der Wissenschaften, em Berlim, em 1700, e a Real

Academia das Sciências de Lisboa, em 1779, atualmente Academia das Ciências de Lisboa (Autran, 2015).

Nesses espaços, as discussões eram registradas em suportes variados, inicialmente através dos chamados anagramas, formados por frases que descreviam as descobertas científicas. Tais anagramas eram “depositados” com uma testemunha, formando uma espécie de patente informal de conhecimento. Outra fonte bastante utilizada diz respeito às cartas, as quais eram trocadas entre os cientistas. Nelas, registravam-se informações sobre experimentos em andamento ou novas descobertas, podendo ainda ser trocadas de forma individual ou entre os grupos de cientistas. Vale salientar que com essa prática surgem os primeiros indícios da figura do gatekeeper ou editor científico como aquele responsável por deter e socializar as informações. Além disso, outras formas importantes de socialização eram as reuniões e os encontros científicos, que perduram até os dias atuais, sendo o livro científico um dos suportes mais valorizados.

O desenvolvimento experimentado nos séculos subsequentes, como nos séculos XVIII e XIX, foi muito rápido, especialmente na Inglaterra, Alemanha, França e Estados Unidos, devido a fatores como a crescente industrialização, com a substituição dos processos mecânicos pelos processos industrializados. O crescimento industrial também provocou ecos na academia, assim, na medida em que aumentava o interesse por publicações técnico-científicas, houve a contratação de cientistas pelas indústrias, já que as empresas passaram a financiar pesquisas, a exemplo da Bayer (Vickery, 2000). Nesse contexto, as principais universidades começaram a se beneficiar de recursos da indústria, impulsionando a pesquisa técnica. Nessa linha de raciocínio, vale salientar que as bibliotecas especializam-se ainda mais para atender esse novo público. Os resumos e as

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referências bibliográficas, que anteriormente eram separados do documento (artigo), passam a ser incorporados neste (Meadows, 1999)16.

De modo geral, como consequência desses avanços, houve o aumento da quantidade de patentes, com os Estados Unidos passando à frente da Inglaterra e da Alemanha pela primeira vez. Em relação ao alcance das publicações, a abertura de estradas e a melhoria nos correios vieram a facilitar a distribuição de livros e periódicos. Além dos transportes, a comunicação também se aprimora, fazendo com que tanto a informação no geral quanto a informação científica, em particular, circulassem mais rapidamente. Sem dúvidas, o periódico científico, sobretudo o artigo científico, atua como uma das formas mais reconhecidas, enquanto responsável por registrar as informações e permitir sua perpetuação.

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