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O periódico científico é concebido como um dos veículos formais de comunicação científica. Essa fonte de informação possui a dupla função de comunicar informação entre os pares dentro dos limites da comunidade científica e para o público em geral. Até hoje o periódico é considerado uma das mais importantes fontes de informação do Arquivo da Ciência e da comunidade científica como um todo. Nessa perspectiva, Ziman (1980) aponta que o periódico científico cumpre funções que permitem a ascensão do cientista para efeito de promoção, reconhecimento e conquista de poder no meio acadêmico.

Os primeiros periódicos foram frutos das academias mencionadas anteriormente, como, por exemplo, os da Royal Society of London e os da Académie Royale des Sciences. Ambas criaram periódicos, como os Philosophical Transactions (Phil. Trans, como é conhecido), organizado por Henry Oldenburg, e o Journal des Sçavans, por iniciativa de Denis de Sallo. Esses periódicos existiam como forma de registrar e sistematizar as discussões realizadas.

No entanto, tanto o Journal de Sçavans quanto o Philosophical Transactions não eram apenas produtos das Academias e/ou sociedades, mas também tratavam de discussões independentes, denominados “learned journals” (Barnes, 1936). No Phil.

16 As conferências e os congressos nesse período tiveram grande aceitação dos cientistas, em que o conhecimento passou a ser mais amplamente debatido com maior valorização das atas de conferência, conforme aponta Fjällbrant (2012).

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Trans, o pioneiro entre os periódicos científicos, havia uma quantidade maior de

cientistas, sendo considerado um grupo coeso e com a produção científica mais expressiva. O grupo tinha ainda o poder de conferir autoridade e colocar “rótulos” no que era visto como científico ou não, constituindo “estrutura de autoridade que transforma a simples impressão do trabalho científico em sua publicação” (Zuckerman & Merton, 1973, p.460). A esse periódico, são atribuídas a iniciativa de se agrupar informação em série e a criação de outros produtos documentários, tais como resenhas de livros, notícias gerais, observações sobre experimentos, até mesmo obituários (Brown, 1972). Já o

Journal de Sçavans é considerado “o precursor do periódico moderno de humanidades”

(Meadows, 1999, p.23). Seu objetivo era:

[...] o catalogar e dar informações úteis sobre livros publicados na Europa e resumir seus conteúdos, divulgar experiências em física, química e anatomia que possam servir para explicar os fenômenos naturais, descrever invenções ou máquinas úteis e curiosas, registrar dados meteorológicos, citar as principais decisões das cortes civis e religiosas e censuras das universidades, e transmitir aos leitores todos os acontecimentos dignos da curiosidade dos homens (Houghton, 1975, p.13-14).

Além desses dois notórios periódicos, podemos mencionar o Miscellanae curiosa

medico-physica (1670-1706), cuja publicação era de responsabilidade do físico de origem

alemã, Johann Laurentius Bausch17. Guédon (2001, p.5) menciona que “[...] os periódicos o Phil. Trans e o Journal de Sçavans influenciaram a formação de inúmeras outras publicações na Europa”.

Desde seu início, esses veículos de comunicação representam um passo importante para a comunicação de ciência, uma vez que substituem a troca informal de informação por um registro formal (Manten, 1980). A ciência, que já se encontrava dividida em categorias muito globais na Idade Média, passa a se subdividir ainda mais a partir da

17 Em relação a outros periódicos: Na Itália, foram fundados o Giornale de letterati di Roma e o Saggi di naturali esperienze, publicado pela Academia Del Cimento. Conforme McKie (1979) naNa Alemanha, apareceu o Acta Eruditorum (Leipzig, 1682), o primeiro periódico alemão, que trazia também artigos sobre Medicina, Matemática, Direito e Teologia, tendo Otto Mencke como seu primeiro editor. Na Holanda, aparece o Nouvelles de la république des lettres, no estilo do Journal des Sçavans, publicado em Amsterdam de 1684 a 1687. A Academia de Paris publica, no estilo de Philosophical, a série Histoire et Mémoires. [...] No século XVIII ocorre a grande expansão das publicações em ciência. Na Europa, de 1725 a 1800, são criados setenta e quatro periódicos, sendo que apenas cinco desses são fundados antes de 1750. São eles: Raccolta d’opuscoli scientifici e Filologici (Veneza, 1728-1757) e continuado por Nuova raccolta..., Ferrara, de 1755 a 1787), Le Pour et Contre (Paris, 1733-1740), Bibliotheque Britannique ou Histoire des ouvrages des savans de la Grande Bretagne (La Haye, de 1750 a 1757), Göttingische Zeitung von Gelehrten Sachen (Göttingen, de 1739 a 1752, e continuado até 1801 em associação com a Göttingen Academy, com título modificado) e Hamburgisches Magazin (Hamburg e Leipzig, de 1767 a 1781) conforme indica Guedón (2001).

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denominada Ciência moderna, conforme Kronick (1985), em trivium (Gramática, Retórica e Lógica) e em quadrivium (Aritmética, Música, Geometria e Astronomia).

Nesse ínterim, os tipos móveis anteriormente inventados por Gutenberg passam a ser fundidos, fazendo surgir o linotipo, no qual cada linha de caracteres tipográficos era agrupada em blocos, e o monotipo, totalmente mecânico, em que havia a conversão do texto, perfurado numa bobina de papel (Vickery, 2000). Essa tecnologia acelerou ainda mais a impressão de livros e dos periódicos científicos. Salientamos que essa época é também marcada pelo surgimento das Bibliotecas Especializadas, que faziam parte das Sociedades Científicas. As publicações se especializam e dedicam-se a nichos específicos do conhecimento. Paralelamente, desenvolvem-se as bibliografias especializadas, sendo a primeira atribuída ao médico suíço Conrad Gesner, ainda no século XVI. As bibliografias têm um papel fundamental na organização da informação, sobretudo, no seu acesso, configurando-se um importante instrumento de acesso à informação científica até o aparecimento de outros sistemas de informação (tais como os catálogos online e hoje com a Internet). Para Tanselle (1988), a Inglaterra destaca-se como o país com maior desenvolvimento de bibliografias científicas, liderada especialmente pela Bibliographical

Society de Londres. Ressaltamos que a especialização do conhecimento também produziu

inovações no modo de realizar o tratamento documental, aumentando a quantidade de publicações em forma de índices e resumos (a partir dos avanços na área de indexação), assim, surgem mais enciclopédias temáticas e obras de referência em resposta a novas formas de sistematizar o conhecimento produzido. São feitas importantes modificações na formatação do texto científico, com predomínio da categorização de referências bibliográficas e índices remissivos. Nesse contexto, o fenômeno do excesso de informação fica mais evidente, não sendo possível manter-se totalmente informado a respeito de uma área do saber. Essa tendência, como veremos mais adiante, agravou-se bastante nos séculos subsequentes. No entanto, os artigos de periódicos prevalecem como um recurso muito importante de comunicação de ciência, entendidos como artefatos. Diante dessa perspectiva, Fjällbrant (2012, p.8) coloca:

Para entender a escolha em relação ao artefato final, o artigo científico, devemos observar os vários grupos socioculturais preocupados com a difusão da informação científica e técnica, devemos examinar as necessidades e problemas destes vários grupos bem como as interações realizadas entre eles. A predominância de um artefato ou um grupo de artefatos com as mesmas funções encontra-se estabelecida num processo de seleção baseado nas necessidades dos vários grupos de pessoas interessados e preocupados com o uso dado aos vários

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artefatos. No caso da comunicação de ciência as necessidades dos vários grupos diferem. Uma aceitação ocorre quando a maioria das necessidades pode ser atendida e envolve o mesmo artefato.

Até a atualidade, o artigo científico é aceito como um importante mediador de comunicação de ciência para variados grupos sociais epistêmicos, pois, apesar de toda a evolução, a estabilidade desse artefato ainda é preponderante, havendo mudança apenas nos meios (do impresso para o digital) pelos quais se expressa a informação. No espaço de tempo acima mencionado, mostra-se relevante perceber que o periódico científico agora é considerado não apenas um transmissor de informações, mas também um importante repositório de conhecimento (Kronick, 1985). Um dos elementos que conferem crédito e preferência dos acadêmicos pelos periódicos refere-se ao aspecto em que este é aceito como uma forma de comunicação oficial formal. Outro fato é que é submetido a um sistema, engendrado desde o momento em que chega a informação em forma de input até a sua externalização ou output como publicação. A formalidade das etapas e o sistema formal de editoração atribuem um status necessário para a comunicação de ciência, que perdura na contemporaneidade. As relações presentes nesse sistema são complexas e dependentes de fatores externos. Um desses fatores relaciona-se diretamente com a dimensão humana do processo, como a do processo de arbitragem científica.

O conhecimento científico, para ser assim considerado, precisa antes ser aceito e aplicado, testado e/ou refutado. A esse respeito, Popper (2005) afirma que “a ciência evolui a partir de um processo de corroboração ou refutação de hipóteses e teorias, após análise criteriosa pela comunidade científica”. Portanto, essa aceitação será possibilitada por meio de um processo de revisão por pares (peer review), também denominada de arbitragem científica. O processo inicia-se quando os autores submetem seus trabalhos à análise de especialistas, para que possam ser revisados, aceitos ou refutados. De um modo geral, o objetivo desse processo é entender como “especialistas em determinado domínio avaliam a performance dos autores em termos de criatividade, ou qualidade do seu trabalho científico, dentre outros aspectos” (Lee et al. 2013, p.2). Ou seja, visa, acima de tudo, uma imparcialidade de julgamento do trabalho científico produzido. Esse processo pode ser realizado às cegas (single blind peer review), quando a identidade do especialista é anônima. Outra forma é o double blind review, sendo a identidade do autor desconhecida pelo especialista e vice-versa, isto é, essa estratégia busca suprimir qualquer tipo de julgamento de valor por parte do examinador. Esse processo tornou-se obrigatório

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devido, por um lado, à grande quantidade de artigos científicos publicados e, por outro, à necessidade de se certificar e aceitar como oficial o conhecimento proposto.

[...] o aumento da actividade científica em cada disciplina levou ao aumento de artigos científicos propostos para publicação. As revistas científicas viram-se assim na necessidade de impor um mecanismo (eliminando os artigos que não fossem interessantes, ou suficientemente inovadores ou contivessem erros de procedimento) que simultaneamente garantisse a qualidade do conhecimento tornado público, certificando-o, e permitisse uma seleção dos originais submetidos para publicação (Caraça, 2001, p.88).

No entanto, Lawrence et al. (2011, p.17) sugerem que esse sistema de arbitragem não se limita apenas à revisão de artigos científicos, sendo relacionado também a outras atividades avaliativas de cunho científico, tais como:

[...] observação das práticas educativas em sala de aula, práticas clínicas, avaliação para atribuição de bolsas, para agências de fomento, atribuição de nota para pôsteres, avaliação de livros para publicação, avaliação da aplicabilidade e capacidade de interpretação de conjuntos de dados, dentre outros elementos.

Observa-se claramente que a avaliação de trabalhos científicos é apenas uma parte do espectro total de atividades desempenhadas pela avaliação científica feita por pares. Além dos fatores relacionados à manutenção da qualidade do trabalho científico, esse processo é responsável por manter o controle e a uniformização do discurso acadêmico praticado pelas instituições. Para Merton (1973), o processo de arbitragem científica configura-se como um “sistema de vigilância institucionalizada”, através do qual é possível que se atenda a critérios de qualidade predeterminados e que os outputs finais fiquem afinados com o discurso acadêmico vigente. A esse respeito, há um consenso entre Meadows (1999) e Ziman (1980) onde1968), os quais indicam que o processo de peer

review essencialmente fundamenta quatro elementos que são significativos para a

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Quadro 2-Elementos do processo de arbitragem científica Disseminação da informação e conhecimento atual

Arquivamento dos produtos de conhecimento Atribuição de prioridade para autores Crédito para o trabalho dos autores Fonte: Adaptado de Meadows (1999).

Existem muitas vantagens e algumas desvantagens ou limitações relacionadas a essa atividade. O uso de critérios sólidos para a avaliação de outputs de ciência poderá garantir uma maior qualidade do material publicado e promover o avanço da ciência. Além disso, pode conferir aos pesquisadores um “selo” de qualidade, uma possibilidade de melhor aceitação de seu trabalho, de concorrer para que este possa ser citado pelos seus pares e, ainda, de haver avanços na carreira, dentre outros aspectos.

Entre as desvantagens ou limitações, destacamos que esse sistema é um processo elaborado, meticuloso e, acima de tudo, demorado, enquanto a ciência, a informação e o conhecimento científico surgem com uma rapidez muito grande. Fjällbrant (2012) faz menção a outras desvantagens, dentre elas, a morosidade18 do processo, uma vez que, para ser publicado, o artigo deve cumprir todas as etapas editoriais, ser submetido à revisão dos pares, muitas vezes mais de um. As informações, para serem divulgadas, comumente, dependem de financiamento externo ou de autorização de patentes. Além desses aspectos, há um jogo de interesses presente, na medida em que existe preferência por artigos de centros de investigação prestigiados, colocando em xeque a imparcialidade do processo de revisão por pares. Outra característica do processo diz respeito aos seus custos elevados, tendo em vista que fora do âmbito acadêmico a assinatura de periódicos é muito cara. Nesse contexto, o autor destaca a importância das bibliotecas como promotoras do acesso à informação científica.

Como em toda atividade científica, esse processo passa por modificações ao longo do tempo. O processo de arbitragem científica não é recente e antecede até mesmo a criação dos próprios periódicos. A maioria dos autores já mencionados aponta que a origem do sistema de revisão por pares está no âmbito das já citadas Sociedades

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Científicas. Para Fitzpatrick, (2010), as primeiras ações em torno da revisão de pares surgem com a necessidade de seleção de manuscritos e a aplicação de regras de censura do que seria publicado. O aparecimento do que entendemos hoje por sistema de arbitragem científica dá-se, de início, de maneira informal. Como vimos, os estudiosos e especialistas trocavam correspondências entre si a fim de relatar suas recentes descobertas, ler e opinar a respeito dos trabalhos uns dos outros. O modus operandi desse sistema tem sido basicamente o mesmo, assim como na editoração, mudam-se a tecnologia e os meios, mas a essência do processo permanece a mesma.

Diante desse contexto, começam a se debruçar em análises mais detalhadas na tentativa de isolar o fenômeno por meio de abordagens sistêmico-relacionais. A seguir, para se perceber melhor como a comunicação de ciência se divide, enfatizaremos seus fluxos e principais modelos.

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