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3. T ESES J URÍDICAS NOS P ROCESSOS A DMINISTRATIVOS D ISCIPLINARES

3.6. Conduta irrepreensível

LOMAN, Art. 35 - São deveres do magistrado:

VIII - manter conduta irrepreensível na vida pública e particular.

A alta quantidade de casos enquadrados nesta infração específica possivelmente se deva à sua feição aberta. A quantidade de condutas que potencialmente podem integrar este dever da magistratura é grande. Nas linhas abaixo descreveremos as principais formas de conduta que foram julgadas pelo Conselho Nacional de Justiça, que se relacionam com o dever de imparcialidade inerente à função. Em uma frase, poderíamos sintetizar o dever deste inciso no seguinte aforismo: “o juiz deve ser e parecer imparcial” (Voto do Relator, Conselheiro Jorge Hélio, PAD 0005912- 56.2010.2.00.0000, j. 150ª Sessão Ordinária, p. 39).

Pode-se dizer que o CNJ tem coibido o abuso de função por parte do magistrado. A utilização do cargo público de poder para objetivos estranhos à atividade judicante

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tem sido severa e reiteradamente sancionada pelos conselheiros. Essa possivelmente fosse uma demanda histórica de imposição de limites administrativos à autoridade de magistrados, que são revestidos constitucionalmente de autoridade para decidir.

Atuação do magistrado processado mediante a utilização do prestígio do cargo para obter vantagens para outros que tem o condão de exteriorizar ostensivo privilégio a um detentor de poder estatal, concorrendo, dessa maneira, para o desprestígio da instituição do Poder Judiciário. Violação ao dever ético do juiz de “zelar não só pelo seu bom nome e reputação, como também da instituição a que serve, no seu múnus estatal de distribuir a Justiça na realização do bem comum.”. (Ementa do PAD 0005831-39.2012.2.00.0000, Relator Conselheiro Flavio Sirangelo, j. 177ª Sessão Ordinária).

Interessante observar como uma norma que poderia ser interpretada como

datada ainda se aplica com força no Conselho Nacional de Justiça. O que seria uma

conduta irrepreensível? Que imagem a sociedade espera de um magistrado? É de se pensar o papel que a mais alta instância administrativa atribui aos magistrados no país. No caso abaixo, será exposto um posicionamento recente do Plenário sobre a matéria. Para contextualização do caso, vale destacar que o magistrado julgado teve um aumento patrimonial de R$ 60 mil para R$ 1 milhão de reais em apenas cinco anos. De toda forma, a conduta exemplar que se espera (e se exige, jurisprudencial e legalmente) do magistrado é notável:

Como se vê, a irrepreensibilidade da conduta do juiz, tanto em sua vida pública quanto privada, configura um dever e uma necessidade absoluta de sua função, pois, como representante do Poder Judiciário, deve ostentar, perante as partes e a sociedade, um comportamento pessoal e profissional irretocável.

A conduta de um magistrado deve servir de exemplo para todos, não só na forma como decide os conflitos que lhe são submetidos, mas também em sua vida privada. (Voto do Relator Conselheiro Bruno

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Dantas, PAD 0001852-74.2009.2.00.0000, j. 151ª Sessão Ordinária, p. 96).

Parece-nos que esse tipo de exigência, respaldada pela totalidade dos conselheiros em julgamento recente (2012), deve ser questionada. Essa poderia ser considerada uma das normas da LOMAN que deveria ser revista quando da elaboração do Estatuto da Magistratura. Ocorre que não apenas o CNJ a respaldou nesse julgamento como consagrou normativa semelhante no Código de Ética da Magistratura: “Art. 16. O magistrado deve comportar-se na vida privada de modo a dignificar a função, cônscio de que o exercício da atividade jurisdicional impõe restrições e exigências pessoais distintas das acometidas aos cidadãos em geral”. Temos impressão que esse tipo de exigência pode estimular o que visa a coibir, isto é, de um corpo profissional com um ideário de plena e intocável autoridade, para além de suas funções precípuas. Isso é problemático, pois pode gerar abusos123.

Se de um lado esse ideário pode gerar abusos pelos magistrados, de outro pode resultar em exigências excessivas dos magistrados. Em certos casos podemos notar, inclusive, uma exigência que se aproxima da inversão do ônus da prova em face do Processo Administrativo Disciplinar. A ideia de que o magistrado tem o dever de se mostrar íntegro e apto a tomar decisões e, por isso, ter a ele confiado o destino de questões trazidas pelas partes faz com que se exijam dele a demonstração dessa sua condição. No caso abaixo, o Conselho expressamente demandou a prova, por parte dos magistrados, de que estavam aptos a julgar com isenção:

Não basta ao magistrado ter atuação aparentemente escorreita e dedicada. Cabe-lhe, sobretudo, como exigência legal de “conduta

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A função da magistratura sem nenhuma dúvida é de fundamental importância para a sociedade. Ocorre que, por vezes, o ideário da dignidade da função pode gerar certas distorções. Em julgamento do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, foi confirmada a condenação a indenização por danos morais de uma agente de trânsito que teria ofendido um magistrado. Isso porque, após pará-lo em uma blitz, verificar que ele não portava habilitação e que seu carro estava sem identificação, decidiu rebocar o veículo. A agente interpretou o anúncio feito pelo magistrado de que era juiz como uma “carteirada” e, por isso, afirmou que Juiz não é Deus. O acórdão descrito confirmou a condenação por tal “ofensa”. Trata-se, em nossa opinião, de típico caso em que uma garantia profissional é usada para o cometimento de abuso. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/11/1546992-desembargadores-mantem- indenizacao-a-agente-da-lei-seca-a-juiz.shtml. Acesso em: 07/12/2014.

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irrepreensível” manter-se ao largo de qualquer ato ou fato que possa comprometer a independência e a respeitabilidade da função. (...) Fato que desabone a conduta do magistrado e que gera simetricamente presunção de desrespeito ao estatuto respectivo, confere a ele, então, a responsabilidade e iniciativa da prova da lisura e da respeitabilidade de seu procedimento. (Ementa do PAD 0001533-77.2007.2.00.0000, Relatora Conselheira Eliana Calmon, j. 109ª Sessão Ordinária).

No caso concreto, havia outros indícios de que os magistrados atuavam de forma incompatível, ligados a grupos que exploravam jogos de azar. De toda forma, a votação unânime no sentido de exigir essa demonstração de conduta irrepreensível chama a atenção.

Esse dever de integridade não se confunde com a anulação do direito à intimidade do magistrado, como procurou consignar o Conselho. Desde que os aspectos da vida íntima não se exteriorizem, isto é, cruzem a fronteira da vida privada, esse direito permanece inalterado. Em um caso de invasão de vida privada alheia, no qual o magistrado foi à casa de uma parte fora do horário do expediente, alegando oferecer proposta de trabalho para sua filha, essa distinção ficou marcada pelo Conselho: “Eis a diferença entre a hipótese de preservação do direito à intimidade e o que se cuida neste procedimento: os vícios e erros podem ser preservados do conhecimento público na medida em que não causem danos à sociedade e na medida em que não se externe esses vícios em sociedade” (Voto do Relator, Conselheiro Jorge Hélio, PAD 0005912- 56.2010.2.00.0000, j. 150ª Sessão Ordinária, p. 35).

Esse tema, todavia, não está encerrado nos debates do CNJ. Em caso julgado pouco antes do acima mencionado, houve uma considerável divisão no Conselho quanto à culpa de um magistrado que, entre outras condutas, tinha relações íntimas com autoridades locais, o que gerou suspeita sobre suas decisões jurisdicionais. Prevaleceu, nesse caso narrado, o entendimento da Corregedora Nacional de Justiça, relatora para o acórdão, no sentido de não punir o magistrado. Além do fato de 5 conselheiros terem entendido pela sanção, a própria argumentação utilizada no voto pelo arquivamento demonstra certo incômodo por determinadas condutas vindas de um magistrado.

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Poder-se-ia exigir maior discrição por parte do magistrado, preservando assim a magistratura de uma desnecessária exposição de intimidade que possa levar a ilações não condizentes com a equidistância do Judiciário da política. Entretanto, não se pode ignorar o que é verdade sabida: as autoridades se aproximam uma das outras para melhor desempenharem as suas atividades e esta aproximação institucional muitas vezes conduz a uma intimidade pessoal que, nem por isso, pode ser reprovável, senão à vista de algum fato que, concretamente, possa gerar improbidade. (Voto da Relatora para o acórdão, Conselheira Eliana Calmon, PAD 0004057- 42.2010.2.00.0000, j. 141ª Sessão Ordinária, p. 17).

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