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3. T ESES J URÍDICAS NOS P ROCESSOS A DMINISTRATIVOS D ISCIPLINARES

3.2 Independência e exatidão

LOMAN, Art. 35 - São deveres do magistrado:

I - Cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício;

Esse dever da magistratura corresponde a um dos temas mais recorrentes nas discussões sobre o ofício de um juiz: a atuação com independência e imparcialidade.

No Capítulo 1, descrevemos a utilização do princípio da independência para criticar o controle a ser exercido pelo Conselho Nacional de Justiça, porque o órgão

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controlador poderia ferir essa garantia dos julgadores. Da interpretação dada à norma da LOMAN fica clara outra faceta da independência, que a coloca também como um

dever. Nos casos enquadrados nesse inciso específico, é interessante notar que

justamente a falta da independência gera sanções: “O princípio da independência judicial não constitui manto de proteção absoluta do magistrado, capaz de afastar punição em razão das decisões que profere. A independência judicial é, sobretudo, uma garantia do cidadão para assegurar julgamentos livres de pressões, mas de acordo com a lei e o direito” (Ementa, PAD 0005003-77.2011.2.00.0000, Relator Conselheiro Carlos Alberto, j. 181ª Sessão Ordinária).

Trata-se de um tema delicado porque, como dito, encontra-se num ponto de confluência entre garantias: da magistratura, para julgar conforme sua consciência, e dos jurisdicionados, para terem um julgamento imparcial e livre de pressões. Por essa razão, é interessante identificar o ponto no qual o controle disciplinar passa a ser exercido. Um elemento importante que, quando identificado, caracteriza desvio de conduta é o dolo de favorecer uma determinada parte121, o que contaminaria o processo decisório ordinário. Essa situação se materializa no julgamento unânime do PAD 0004353-64.2010.2.00.0000:

A reiterada violação de deveres funcionais, por meio da prolação de decisões teratológicas, envolvendo a liberação de vultosas quantias, sem garantias consistentes, em desfavor de partes notoriamente solventes, revela a existência de dolo na atuação do magistrado acusado, consubstanciado na deliberada intenção de beneficiar, na solidão de qualquer razão de direito sustentável, um dos pólos da relação processual, o que, evidentemente, ultrapassa os limites da regular atuação judicante e passa ao campo da responsabilização disciplinar, caracterizando contumácia na prática de condutas incompatíveis a merecer punição. (Ementa, Relator Conselheiro Milton Nobre, j. 123ª Sessão Ordinária).

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Caso que apresenta argumentação semelhante sobre o dolo nas decisões, diferenciando-o do error in

judicando ou error in procedendo, é o PAD 0005993-05.2010.2.00.0000, Relator Conselheiro Walter

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Há casos em que o Conselho reconhece que está diante apenas de um erro do magistrado. Ou seja, existem na jurisprudência do Conselho casos em que se reconheceu o erro cometido pelo magistrado, mas, pela sua baixa gravidade e pelo fato de não envolver dolo ou má-fé, não houve sanção. Em julgamento unânime no PAD 0003590-97.2009.2.00.0000, decidiu-se pela improcedência: “O magistrado não está sujeito a punição administrativo-disciplinar pelo cometimento de error in judicando sob pena de sacrifício da independência funcional da magistratura, salvo em caso de dolo ou má-fé, máxime quando a punição mostra-se desproporcional em relação ao equívoco cometido” (Ementa, Relator Conselheiro Paulo Tamburini, j. 119ª Sessão Ordinária).

Um interessante ponto de conflito ocorre com relação ao cumprimento das

normas jurídicas com exatidão. Isso porque pode haver divergências entre o que se

considera como exato em determinado caso, sendo esta uma questão que facilmente pode esbarrar no exame de atos jurisdicionais. O CNJ, do que se pode depreender do material disponível para leitura, tem sido cauteloso nesta matéria e tem considerado como decisões inexatas aquelas manifestamente equivocadas ou teratológicas. Ainda assim, esses julgamentos do CNJ comportam espaço para dissidências internas, como a manifestada num caso recente, julgado na 171ª Sessão Ordinária, no qual, apesar da ampla maioria de 11 conselheiros ter votado pela sanção, 3 conselheiros entenderam que no caso houve exercício interpretativo da magistrada, o que impossibilitaria sua sanção. O caso trata de negligência em plantão judicial. Afirma o divergente Conselheiro José Lucio Munhoz: “A magistrada agiu no exercício regular da função e de acordo com a sua convicção, diante da interpretação da norma. Houve mero exercício interpretativo, que corresponde ao exercício próprio da jurisdição, pelo qual a magistrada nunca poderá ser sancionada administrativamente, nos termos do artigo 41 da LOMAN” (Ementa de voto divergente, PAD 0004931-56.2012.2.00.0000, Relator Conselheiro Jefferson Kravchychyn, j. 171ª Sessão Ordinária).

Parece-nos que o CNJ tem colocado limites ao discurso da independência plena, e que a linha tem sido rígida com relação a magistrados em plantão ou que tomem decisão de caráter liminar. Tanto para decisões que concedam o pedido – notadamente vultosas liberações de dinheiro – quanto que o neguem, como no caso acima mencionado (PAD 0004931-56.2012.2.00.0000), o respeito a normas consideradas

cristalinas tem sido exigido. A liberação de altas quantias efetivamente tem sido uma

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disso ocorreu em caso no qual magistrado decidiu, em liminar e sem ouvir a parte contrária, liberar um valor superior a R$ 1,5 milhão de reais. No trecho abaixo, ficam claras as dificuldades geradas por decisões em tutela antecipada que lidam com vultosas quantias:

Como se nota, conquanto necessário e represente importante avanço na processualística moderna, o instituto da tutela antecipada, caso dolosamente deturpado, pode transformar-se em perigoso instrumento para o exercício indevido da função jurisdicional, notadamente para a prática de irregularidades.

Infelizmente, sem embargo da cautela legislativa, não têm sido raros os casos analisados por este Egrégio Conselho em que magistrados, utilizando como escudo a independência funcional e o poder de conceder tutela antecipada, têm, mediante decisões no mínimo teratológicas, determinado a liberação de altas quantias, com sobradas evidências de atuação dolosa, a partir mesmo da circunstância de o processo chegar a sua pessoa, ainda que não seja o caso, por meio de distribuição por dependência. (Voto do Relator Conselheiro Walter Nunes, PAD 0005993-05.2010.2.00.0000, j. 122ª Sessão Ordinária, p. 56).

Pode-se questionar que em casos como o descrito acima, nos quais o Conselho realmente avalia as condições para a decisão, a técnica e os procedimentos utilizados, a independência poderia ser ferida. Ou que a mera revisão judicial seria suficiente para sanar a situação. Ocorre que a análise de como a questão foi decidida só é feita pelo contexto de dúvida gerado pela decisão judicial. No caso narrado, por exemplo, ficou patente o desejo de beneficiar uma parte pela circunstância de que o processo ficara parado em Cartório por quase um ano e, num determinado momento, sem oportunizar o contraditório, o magistrado decide a matéria, sem preocupação com a reversibilidade da decisão precária.

Em determinados momentos, porém, coloca-se um limite ao controle exercido pelo Conselho Nacional de Justiça. Quando se entende que a demanda por sanção ao magistrado surge de algum tipo de inconformismo com a decisão e que esta é somente a

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manifestação da função judicante, o CNJ tem se posicionado pela improcedência dos processos. Exemplo eloquente ocorreu no PAD 0003752-24.2011.2.00.0000, julgado unanimemente pelos membros do Plenário. Alguns trechos devem ser destacados, por combaterem o que se chamou de crime de hermenêutica e por indicarem qual seria a função do Conselho em processos disciplinares:

Portanto, no espaço constitucional e legalmente delimitado, o magistrado tem ampla autonomia na prestação jurisdicional, não podendo a sua atividade ser limitada ou afetada por seus entendimentos jurídicos, sob pena de se consagrar no país o odioso crime de hermenêutica.

O exercício diuturno das funções correicionais deste CNJ tem desnudado parâmetros seguros para se distinguir os errores in

judicando, que são ínsitos à atividade de julgar, do agir doloso de uma

minoria de maus juízes, que travestem em entendimentos jurídicos convenientemente adotados suas intenções criminosas. (Voto do Relator Bruno Dantas, j. 156ª Sessão Ordinária, pp. 36-37).

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