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Vestida com uma blusa sem mangas, cabelos desalinhados e sem maquiagem, a estudante de Jornalismo Karine Maximiano enfrenta as câmeras saudando os telespectadores para em seguida lhes anunciar o início do programa “Conexão Saúde”, da TV UNISA. Ainda na abertura da atração televisiva, Karina passa a ler o currículo do entrevistado a quem vai fazer algumas perguntas dentro de instantes.

Quem está com ela no estúdio, do outro lado da bancada que compõe o cenário, é o médico José Manoel Ferreira, cuidadosamente penteado e envergando um jaleco branco impecável, característica peça de vestuário componente da imagem criada em torno dos profissionais ligados às ciências. Ferreira é apresentado à audiência portando os seus títulos acadêmicos: especialista em Gerontologia pela Sociedade Brasileira de Geriatria, mestre pela Escola Paulista de Medicina e professor adjunto do curso de Medicina da Universidade de Santo Amaro.

“A arte de envelhecer” é o tema a ser tratado pelos dois durante os 28 minutos de duração do programa. No decorrer do encontro a entrevistadora segue regiamente as perguntas do roteiro estabelecidas pela equipe de produtores, sem se arriscar a fazer qualquer comentário de improviso que complemente ou contradiga o conteúdo da fala do especialista à sua frente. Ali a sua condição de aprendiz fica nítida, dentre outras razões, pela falta de astúcia em “recorrer à pesquisa, à consulta de fontes especializadas que podem auxiliar tanto na

elaboração de perguntas mais pontuais, como no esclarecimento sobre o tema” (EMERIN, 2012 p.34).

Se o processo de produção de conteúdos em televisões universitárias envolve a participação de profissionais jornalistas e de Rádio e Televisão, além de técnicos, professores e estudantes, como quer o professor Cláudio Magalhães (2002), ex-presidente da Associação Brasileira das Televisões Universitárias, dentre as televisões pesquisadas a TV UNISA é a que mais depende dos estagiários para elaborar os produtos que exibe através do Canal Universitário de São Paulo. Não que eles sejam muitos. Na verdade, são apenas cinco estudantes bolsistas lotados no ambiente de produção televisiva. O problema é que, além deles, a televisão só dispõe de mais um diretor, um jornalista assistente, um cinegrafista e um editor de imagens para elaborar quatro programas inéditos por semana.

Percebendo, portanto, as limitações técnicas da entrevistadora, o professor José Ferreira utiliza o espaço televisivo com desenvoltura para comprovar a auto-competência profissional e as especificidades do seu saber. Nesse sentido, fornece ao público informações elaboradas sob o seu ponto de vista sobre o tipo de alimentação que considera ideal para os idosos, de quais vícios devem abrir mão e que hábitos precisam cultivar para preservar a saúde e envelhecer com dignidade. No estúdio da TV UNISA, Ferreira demonstra ter a noção de que “aquele processo comunicativo particular não é privado, mas está sendo assistido por milhares de telespectadores” (EMERIN, 2012 p.43).

Na perspectiva do jornalismo científico, o mestre em Gerontologia e professor adjunto da Universidade de Santo Amaro, José Manoel Ferreira, é voz habilitada para opinar sobre o tema da entrevista, “A arte de envelhecer”, que embora não apresente o avanço da ciência como objeto principal, leva em si o discurso do especialista acadêmico (GOMES, 2009). Ao mencionar benefícios da Medicina e prescrever condutas que possibilitem qualidade de vida para os idosos, o geriatra presta serviço aos telespectadores numa área da saúde em que o telespectador pode estabelecer uma relação direta com os seus familiares ou com a sua condição pessoal de sobrevivência. Num país como o Brasil, onde a precariedade dos sistemas de saúde e educação é de conhecimento público, o programa da TV UNISA se mostra como “um espaço privilegiado para informar os cidadãos sobre novas doenças e formas de prevenção e tratamento” (RAMALHO, POLINO& MASSARANI, 2012 p 25).

A principal marca do “Conexão Saúde” é justamente essa: prestar serviços aos telespectadores com informações na área da

Medicina. Para tanto, os médicos que são professores da casa recebem convites semanais para gravar entrevistas. A estratégia atende também ao planejamento de marketing da reitoria, qual seja, de divulgar pela TV universitária a qualidade dos profissionais de saúde que ministram aulas na Universidade de Santo Amaro.

A auto-referência profissional dos jornalistas também é outro atributo marcante que influencia a elaboração de pautas na TV UNISA. De acordo com diretor da televisão, o jornalista Cláudio Lemos, “produzimos os programas usando o nosso tino jornalístico para selecionar os temas e agradar o público”. Na TV as respostas negativas ou positivas dos telespectadores são intermediadas pelos próprios médicos que participam das entrevistas. O acesso a essa avaliação se dá nos encontros esporádicos dos quais eles participam com os membros da equipe de produção do programa, quando dizem que foram reconhecidos em determinado ambiente ou parados na rua por pessoas em busca de mais informações depois que se apresentaram no “Conexão Saúde”. Para Lemos, o assédio do público aos médicos que participam das entrevistas é um dos melhores indicativos de audiência comprovada.

Dos quatro programas analisados pelo presente pesquisador, o “Conexão Saúde”, da TV UNISA, é o único dividido em três blocos de oito minutos. No exemplar em análise, durante a passagem de um bloco para o outro, exibiu-se um “clipe” institucional que mostra o trote solidário de boas-vindas aos calouros e veteranos. O trote é uma iniciativa promovida pelas pró-reitorias da Universidade de Santo Amaro, com o propósito de arrecadar e distribuir alimentos para associações filantrópicas e pessoas carentes de São Paulo. A exibição do clipe poupa o conteúdo editorial das entrevistas de uma possível invasão explícita da propaganda da Universidade.

A garantia de preservação editorial permite a inclusão de algumas reportagens no meio das entrevistas do “Conexão Saúde”. Esse foi o caso, por exemplo, do programa onde se tratou da “Arte de envelhecer”. Nele, a apresentadora Karine Maximiano chama uma reportagem de autoria da também estagiária Rosângela Ciancci, a respeito de um grupo de mulheres paulistas da terceira idade. O grupo constantemente promove viagens, pratica hidroginástica e se distrai em conjunto, como forma de se manter saudável e em convívio social.

A inclusão de falas das integrantes do grupo da terceira idade possibilita ao professor José Manoel Ferreira robustecer seus argumentos de especialista, indicando a prática moderada de esportes, a vida sexual sem culpas e a convivência social como atividades cada vez

mais ao alcance dos idosos que buscam ter uma vida plena. As imagens e os relatos de experiências pessoais contidos na reportagem servem não só para comprovar os resultados das recomendações médicas, como ajudam a dinamizar e a humanizar a entrevista da edição do “Conexão Saúde” em análise.

Quanto ao fato de produzir um produto de jornalismo científico onde se identifica a insegurança da entrevistadora e da repórter na condução de suas atividades, além da perceptível falta de infra-estrutura básica proveniente dos camarins, como falta de figurino, cabeleireiro e maquiagem para os apresentadores e repórteres da televisão, o jornalista Cláudio Lemos tem algumas ponderações a fazer. Conforme a sua avaliação, se por um lado a TV UNISA funciona com recursos de custeio extremamente limitados, por outro a televisão serve como uma espécie de laboratório de ciências aplicadas, cujos atropelos de produção ensinam a todos como superar situações adversas no set de filmagens. Na opinião do jornalista, na televisão universitária os estudantes vivenciam na prática a teoria ministrada em sala de aula e se aprimoram para enfrentar o mercado das TVs públicas e comerciais.

Se do jornalista que cobre o mundo das ciências se espera a predisposição crítica para analisar a própria atividade que desenvolve, Lemos pondera que as televisões mantidas pelas universidades se mostram como uma oportunidade rara para o estudante em formação manusear dissertações, teses e relatórios de pesquisa gerados pelo mundo acadêmico, ao longo das diversas etapas de construção do noticiário científico. Este aprendizado pode se estender do nascimento da pauta à reportagem, à condução de entrevistas, à edição e, posteriormente, na apresentação de telejornais.

Uma experiência que talvez permita ao estagiário adquirir visão global dos processos produtivos nos quais os assuntos que envolvem Ciência e Tecnologia podem ser contextualizados e levados ao público leigo com a liberdade contestadora de vozes plurais; com a necessária clareza para expor as contradições e os acertos das descobertas científicas; e com a destreza de saber articular os recursos de linguagem televisiva para informar os telespectadores com o máximo de precisão.