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No ambiente interno do estúdio de televisão um dos dois cinegrafistas designados para o registro audiovisual focaliza a câmera no professor José Luis Goldfarb, enquadrando-o em Plano Médio. Com o poder de autoridade habitualmente conferido aos apresentadores televisivos, Goldfarb pronuncia o bordão característico de abertura da série sob o seu comando ininterrupto há quase sete anos: “Nova Stella, ciência em debate. Um programa da TV PUC, que conta com o apoio dos estudos pós-graduados em História das Ciências”.

Em seguida, o professor discorre sobre os principais atributos do currículo e cita o nome do convidado da entrevista, que só então é exibido aos telespectadores pelo segundo cinegrafista posicionado no estúdio conforme a técnica da câmera cruzada. Enquadrados em Plano Geral, os dois personagens aparecem lado a lado sentados em cadeiras de alumínio dispostas no formato de sala de visita, delimitados ao fundo por um painel azul-marinho no qual estrelas, planetas e cometas estão harmonicamente desenhados com tinta branca.

No exemplar em análise do “Nova Stella”, o entrevistado do programa é o professor da Universidade Paulista, UNIP, Otávio Pineda, mestre em História das Ciências e profissional atuante na área de Tecnologia da Informação. O executivo é “um dos tipos que atraem a atenção da mídia televisão (...) por ser um especialista cuja opinião interessa para conhecimento e interpretação dos fatos” (EMERIN, 2012 p.30). Com o especialista o professor Goldfarb conversa de igual para igual a respeito da evolução histórica da pesquisa em informática digital nos Estados Unidos da América e os seus reflexos para o mundo.

O critério de seleção dos entrevistados do “Nova Stella” flutua de acordo com a agenda de atividades do professor Goldfarb. Os pesquisadores ou especialistas convidados para o programa são escolhidos nos congressos acadêmicos, em bancas de avaliação de programas de mestrados e doutorados e nas viagens de pesquisa científica do professor ou quando desenvolvem atividades acadêmicas na pós-graduação em História das Ciências, da PUC-São Paulo, da qual Goldfarb é vice-coordenador. O contato com os possíveis entrevistados é feito diretamente pelo apresentador do programa, que confirma a data de gravação das entrevistas através de endereço eletrônico ou de twitter. O estúdio da TV PUC está disponível uma vez por mês para o “Nova Stella”. A rotina de gravação é nítida para Goldfarb:

o estúdio é meu de duas às seis horas da tarde. São duas câmeras, duas cadeiras, meu cenário e os dois meninos da cinegrafia. Para cada jornada convido de três a quatro especialistas e com cada um deles gravo duas entrevistas. Uma sobre generalidades das ciências e a outra aborda especificidades de sua área de atuação. Eu procuro fazer com que o enfoque do tema seja útil à vida dos telespectadores. Portanto, eu viro para o entrevistado e digo: vamos identificar os cientistas sobre os quais estamos falando, vamos dar mais detalhes práticos a respeito dos assuntos tratados.

Uma das marcas do programa “Nova Stella” recai na possibilidade de extrair os temas das entrevistas dos mais variados ramos do conhecimento científico. Eles são escolhidos dentre os acontecimentos da pré-ciência ou pseudociência, como alquimia, astrologia e magia; nas ciências Exatas, por exemplo, Química, Física, Matemática e Astronomia; ou nas ciências mais recentes como Sociologia, História, Economia ou Comunicação. Além disso, segundo

Goldfarb, por mais que se mergulhe na teoria, no conceito e na idéia do cientista, é indispensável explicar ao público de forma educativa que a ciência sempre está inserida num certo momento histórico e num determinado ambiente cultural, que a moldam a fim de atender a diversos interesses.

Para a equipe de produção do programa a princípio não existem temas proscritos e nem censura na seleção dos entrevistados. Quem garante a liberdade de expressão é o próprio diretor da TV PUC, o professor Júlio Wainer, quando afirma: “a gente preza a fama que a TV PUC tem de espaço livre para o debate qualificado. Tem algum assunto aqui que incomoda? Então vamos discutir com profundidade, cabeça fria e argumentos”.

Trabalhar com liberdade foi uma condição conquistada pelo comando do programa desde a criação da atração televisiva, em 2006, quando da posse do professor Júlio Wainer na direção da TV PUC. À época, o diretor enviou circular a todos os professores da Universidade ressaltando a disponibilidade da televisão universitária em receber projetos para a realização de novos produtos televisivos. Goldfarb aceitou o desafio e propôs um programa de estúdio com entrevistas sobre ciências. Depois de alguns pilotos obteve aprovação para levar o projeto adiante, denominando-o de “Nova Stella” em homenagem a uma editora de revistas que possuiu em São Paulo nos anos de 1980. A homenagem também se estende ao astrônomo Tycho Brahe, que na Dinamarca de 1572 descobriu uma estrela nova próxima à constelação de Cassiopéia, onde anteriormente nada havia no firmamento.

Quase sete anos depois da estréia do “Nova Stella”, ao tentar identificar marcas dos processos produtivos presentes no exemplar em análise para essa dissertação, observa-se que o professor Goldfarb se vale de perguntas pontuais e do uso de metáforas em pequenos comentários com os quais leva o seu convidado a falar sobre a história da informática nos Estados Unidos da América. O entrevistador se interessa principalmente pelas colaborações que aquele país forneceu ao mundo científico no espaço de tempo entre as duas grandes guerras mundiais do século XX. Em busca das informações desejadas, Goldfarb apóia-se num roteiro previamente elaborado, considerando a trajetória do entrevistado, o contexto da entrevista e o tema do debate (EMERIN, 2012).

Sem se referir a autores, trabalhos acadêmicos ou relatórios de pesquisa, o professor Otávio Pineda lança mão dos seus próprios conhecimentos para contextualizar a evolução dos computadores, desde

o ábaco aos aparelhos analógicos e, daí, aos artefatos digitais. O professor da UNIP destaca também a atuação científica do engenheiro Claude Shanon nas experiências de aperfeiçoamento da informática no entre-guerras, realizadas nos Estados Unidos da América. Ele explica que, baseado na teoria binária do cientista inglês Charles Burle, do século XVIII, Shanon desenvolveu a fórmula matemática da Teoria da Comunicação, possibilitando a montagem de arquivos com informações científicas e tecnológicas privilegiadas, que posteriormente permitiram, por exemplo, a convergência de várias mídias para uma mesma plataforma digital.

Pelo fato do professor Otávio Pineda tratar-se de um mestre em História das Ciências e um expert em Tecnologia da Informação, considera-se que no campo jornalístico opera a convenção da “credibilidade da autoridade”, ou seja, “algumas pessoas, pela posição que ocupam, sabem mais do que as outras pessoas; daí, devem ter acesso a mais fatos e, então, a sua informação deve ser, em princípio, mais correta” (TRAQUINA, 1999 p.172). Ainda de acordo com alguns princípios que balizam o jornalismo científico, Pineda pode ser considerado, segundo tipologia desenvolvida pela professora Isaltina Gomes, como um “especialista-opinador” (GOMES, 2009), que surge investido do papel de voz da ciência interpretando fatos do cotidiano, oferecendo soluções aos problemas estruturais da sociedade ou enfocando o contexto histórico-cultural em que determinada pesquisa foi desenvolvida.

Ao retornar os olhos para a entrevista do “Nova Stella”, percebe-se finalmente que entre o apresentador e o seu convidado não há enfrentamento ríspido e nem confronto de opiniões contraditórias sobre as circunstâncias do desenvolvimento da pesquisa em informática nas décadas de 1930 e 1940, nos Estados Unidos da América. Tanto Goldfarb como Pineda sustentam a cordialidade diante das câmeras para enaltecer a imagem dos cientistas, o resultado dos seus experimentos e as aplicações potenciais dos trabalhos que desenvolvem. A atitude se consubstancia quando pinçam da história episódios de sucesso da informática e atribuem a Claude Shanon o mérito de ter contribuído no passado para que as sociedades contemporâneas gozem os benefícios da tecnologia que hoje move as redes sociais.

Em contrapartida, o entrevistador e o entrevistado não desdobram as informações sobre o ganho econômico, o poderio militar e a influência política que os Estados Unidos exercem sobre o planeta, decorrentes em parte das experiências científicas de Shanon na área da informática. Durante o programa a esses assuntos não se dá a devida

“explicação de forma educativa” para os telespectadores, como previsto anteriormente em uma das marcas de produção da atração televisiva.

No exemplar do “Nova Stella” em análise fica nítido que a equipe de produtores preferiu enfatizar a aplicabilidade do conhecimento gerado pela ciência como resultante de uma evolução linear definitiva, quase natural (ANDRADE, 2004). Portanto, neste modelo adotado por eles não cabem as dúvidas, os possíveis desencontros e muito menos as inesperadas conseqüências desastrosas corriqueiras às pequenas iniciativas ou aos projetos de ampla magnitude empreendidos pelo ser humano na área de Ciência e Tecnologia, dos quais o jornalismo científico praticado com responsabilidade se empenha em investigar.