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Conflito de normas entre a legislação tributária e a legislação penal

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO (páginas 177-180)

Considerando a existência de legislação penal (Código Penal e legislação especial) e a legislação tributária (Código Tributário Nacional e legislação especial) regulando o mesmo fato jurídico, vamos analisar alguns critérios tradicionais de solução de conflito (o hierárquico, o de especialidade e o cronológico).

Pois bem. O critério hierárquico se baseia na superioridade do veículo introdutor de normas, ou seja, será hierarquicamente superior àquele veículo que possuir uma fonte produtora177 que mais se aproxime do órgão maior, que é a Assembleia Constituinte.

Vejamos o que leciona o brilhante professor Tárek Moysés: “O direito positivo estrutura-se em uma hierarquia de veículos introdutores, em virtude da hierarquia do seu órgão produto, em cujo cume encontramos a Assembléia Constituinte, na condição de órgão-fonte superior, descendo verticalmente a „pirâmide‟ do direito positivo até os órgãos encarregados de expedir os derradeiros comandos normativos.”178

O Código Penal assim como o Código Tributário Nacional assumiram status de lei complementar com o advento da Constituição Federal. Assim, podemos concluir que não há que se falar em hierarquia de normas, pois ambas são produtos do mesmo órgão competente, ou seja, elas possuem o mesmo fundamento de validade na Constituição Federal, então, não serão conflitantes no que diz respeito a esse critério.

No que se refere à legislação extravagante, as Leis 4.729/1965, 7.492/1986, 8.137/1990, 9.430/1996, 9.393/1996, 9.983/2000 são leis ordinárias.

Pontue-se que diante da existência de leis ordinárias e complementares, não há que se falar em hierarquia, pois a diferenciação se dá apenas nos aspectos material e

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Aqui entendido como os atos realizados pelos órgãos credenciados pelo ordenamento para introduzir a norma no sistema por meio da enunciação.

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formal de construção da norma, e não na sua fonte produtora que é quem determina a existência de hierarquia entre os veículos introdutores.

É bem verdade que o legislador originário atribuiu uma carga valorativa diferente para esses veículos introdutores, especialmente em seus processos legislativos de constituição, mais precisamente na fase constitutiva. Como bem se sabe, para que as leis complementares sejam aprovadas, faz-se necessário um rigor bem maior no número de votantes, se comparado com aquele estabelecido para as leis ordinárias. Além disso, o campo material daquela é previamente determinado, enquanto na lei ordinária ele é residual. Mas isso não modifica a fonte produtora desses veículos introdutores.

Não restam dúvidas de que essa celeuma surge diante da problemática conceitual que envolve o tema fontes do direito.

Nossos doutrinadores têm apontado para a lei, a doutrina, o costume e a jurisprudência quando se referem a “fontes do direito”, esquecendo-se que esse tema não pode ser estudado de forma tão simplória e que necessita de um estudo mais detalhado e comprometido com os pressupostos do conhecimento científico. Ou seja, esse assunto deve ser abordado com certa precisão linguística, submetida a uma lógica apofântica, somente mediante método científico e partindo de um corte metodológico eficaz.

Na ausência desse comprometimento com as regras científicas de construção da ciência jurídica, é nítida a confusão instaurada na doutrina. Onde o produto (lei), a produção teórica (doutrina), os veículos introdutores de regras (costumes), os resultados de atividade jurisdicional (jurisprudência), se confundem com a Fonte geradora do Direito.

No entanto, convictos da relevância desse estudo para o Direito, alguns juristas vêm se aprofundando seriamente nesse tema e trazendo contribuições interessantes a nossa ciência jurídica, concluindo que fontes do direito são apenas e tão-somente os atos de enunciação realizados pelos agentes competentes, ou seja, os fatos sociais juridicizados, se tomados como enunciação.

O critério da especialidade considera a relevância da precisão com que a matéria tratada pelo legislador foi edificada tomando por base o art. 5º do Texto Maior

que, ao consagrar o princípio da igualdade, afirma que a lei deve tratar de maneira desigual os desiguais, permitindo assim a existência de leis específicas para casos específicos sem que com isso viole o direito de todos.

A legislação tributária extravagante, assim como o Código Tributário Nacional, sem sombra de dúvidas trata de forma específica sobre as sanções tributárias. Quando a lei dispõe sobre determinado tributo ela já estabelece a providência sancionadora para o seu descumprimento, regulando de forma específica as infrações tributárias e as sanções tributárias.

O Código Penal e sua legislação extravagante tratam de diversas matérias, inclusive a tributária, prescrevem um direito tipicamente sancionador, que se propõe a penalizar todas as condutas que ele dita como sendo crime ou contravenção penal.

Diante disso, temos duas legislações tratando de forma especifica sobre a mesma matéria. Assim, o critério da especificidade não ajuda neste conflito de normas.

Já o critério cronológico que considera o tempo em que as normas começaram a ter vigência em nosso ordenamento, apesar de possuir fundamento legal no art. 2º da LICC e estar pautado no brocardo lex posterior derogat legi priori (norma posterior revoga anterior), é o menos forte dos três, haja vista a existência de outros valores claramente mais relevantes e justos para determinar qual norma é mais importante num conflito de normas.

Diante dessa breve análise pautada nos critérios da hierarquia, da especialidade e da cronologia, podemos perceber que não encontramos qualquer solução útil que indique qual legislação deva prevalecer em caso de conflito.

Resta-nos cotejar tais legislações com a Constituição Federal.

Antes, cabe uma reflexão breve. As infrações tributárias e os delitos tributários surgem diante do débito fiscal. O Fisco impõe uma sanção tributária visando punir a inadimplência com a finalidade de arrecadar o que lhe é devido. O Estado-Juiz criminal impõe uma sanção penal visando proteger a ordem tributária da sonegação fiscal, mas tendo como finalidade maior o recolhimento do tributo, tanto que, diante do pagamento do tributo, quase sempre se prevê a exclusão da punibilidade.

Pois bem. A Constituição Federal proíbe expressamente a prisão por dívida (art. 5º, XVII) e estabelece implicitamente através dos princípios fundamentais do Estado

Democrático de Direito que ninguém poderá ser punido pela mesma infração mais de uma vez (non bis in idem), que o Estado, na figura do juiz criminal, deve intervir minimamente, assim como o direito penal só deve ser utilizado de forma subsidiária.

Sabemos que as sanções penais não se limitam às penas privativas de liberdade, elas preveem as restritivas de direitos, as medidas de segurança e as multas penais, e que nem sempre suas sanções são as mais severas. Contudo, isso não é a regra, geralmente as sanções penais são mais rigorosas que as demais.

Reitere-se que a sanção penal pode ser aplicada de forma cumulada à sanção tributária, ao mesmo fato ilícito, se a sanção penal estiver a tutelar bem jurídico diverso daquele tutelado pela sanção tributária, lembrando que a sanção penal precisa também atingir outra finalidade para poder ser exigida ao mesmo tempo que a sanção tributária.

4. Distinção entre o fato jurídico que constitui o ilícito tributário e o fato jurídico

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO (páginas 177-180)