• Nenhum resultado encontrado

5 A GESTÃO DOS CONFLITOS AMBIENTAIS NO PARQUE ESTADUAL

5.1 Conflitos Apontados na Implantação do Parque Estadual da Serra do

5.1.1 Fundiários

Como se viu no item 2, a questão fundiária sempre constituiu um problema na implantação de parques. Com o Parque Estadual da Serra do Tabuleiro não foi diferente. Embora a regularização fundiária seja indicada como ponto de partida para a efetivação das áreas protegidas, essa atitude não foi consolidada no caso em questão, quando foi criado em 1975; só se tem registro de algumas iniciativas em 1980 e, depois, no período compreendido entre 1993 e 1998, quando se fizeram as Discriminatórias e o Cadastramento Fundiário. Da criação aos dias atuais, é expressiva a pressão sobre a área, com a inserção de populações de outras localidades do estado de Santa Catarina e de outros estados da Federação (SCHMITZ, 2003, p. 22-26).

Conforme exposto no item 4, constatou-se211 que um dos obstáculos para a regularização fundiária é a sobreposição de terras declaradas (nas Discriminatórias e Cadastramento Fundiário); conseqüentemente, uma sobreposição da titulação delas. A maior parte dos proprietários declarou ter escritura pública para os imóveis, mas os dados são conflitantes. Segundo o documento “Produto Básico do Zoneamento” – PBZ (SOCIOAMBIENTAL, 2000, Cap. 6, p. 2-27) –, este é e será provavelmente o maior problema que se enfrentará para dar prosseguimento ao processo indenizatório na regularização fundiária do parque.

Na ocasião da realização do cadastramento e das discriminatórias, 1993- 1998, já se registrava que do conjunto dos imóveis de pessoa física declarada, a maioria (56%) se encontrava nos menores estratos de área (até dez hectares). Desses, 29% se enquadram em até um hectare de área. Palhoça, dentre os municípios dos arredores do pólo regional que apresentam maior concentração nesse estrato, é o que ocupa lugar de destaque em número de imóveis e crescimento demográfico, conforme visto no item 4. Entretanto, segundo a SOCIOAMBIENTAL (2002), embora “estes imóveis sejam expressivos em número, eles não chegam a representar 1% da área total declarada de pessoa física”.

211 Pesquisa que fundamentou o PBZ do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, 2002, na qual os

dados se referem ao período 1996-1998, época em que foram realizadas as Discriminatórias realizadas, e no Cadastramento, no período de 1996 a 1998.

O processo de expansão urbana, facilitado pelo loteamento legal ou ilegal de inúmeras áreas, com lotes de tamanhos diversos, tinha por objetivo atender à população migrante como também a turistas/veranistas. Vale lembrar que, de acordo com o item 4 desta tese, a população do município de Palhoça quadruplicou no período de 1970 a 1996, quando chegou a 81.176 habitantes. Em 2003, segundo estimativa do IBGE, a população contava com 113, 312 habitantes.

Ressalta-se também que todo o crescimento da Grande Florianópolis tende a pressionar a unidade de conservação. Registre-se que entre 1991 e 2000 esta região viu sua população saltar de 530 mil para 709 mil habitantes, a uma taxa de crescimento de 3,3% ao ano.

Com isso, a regularização fundiária, especialmente na região nordeste, é complexa, tendo em vista, inclusive, a incidência de restrições à propriedade na área em questão. Ressalta-se, das Discriminatórias e do Cadastramento Fundiário, que 52% das propriedades foram adquiridas após a criação do parque e possuem documentação diferenciada por região212.

Vale lembrar que em 1975, data da criação, 7% de suas terras já estavam ocupadas e as populações que ocupavam a região litorânea eram tipicamente de pescadores. O Plano Diretor (1976, p. 30) chama a atenção para as repercussões sobre os moradores da área interna, da área circunvizinha e da região de influência do parque. Nele se recomenda às autoridades governamentais de se pensar num programa social para minimizar as repercussões negativas entre os pescadores e agricultores. No entanto, as recomendações não são válidas para as atividades de lavra, tendo em vista seus impactos negativos. A prática não pode ser tolerada na área de abrangência do parque por gerar conflitos com os seus objetivos. Diz a recomendação:

“A simples desapropriação das propriedades nem sempre resolve o problema da remoção de famílias já instaladas na área há longo tempo e que, devido à precariedade do nível de educação, poderão encontrar grandes dificuldades ou impossibilidade de adaptação a outras condições de vida num local diverso daquele ao qual (do que) estão habituados. (...) o problema mais difícil será sempre o da região litorânea. Isso se deve, sobretudo, à falta de áreas com características semelhantes, uma vez que a pesca, sendo uma atividade puramente extrativa, necessita de condições peculiares a determinadas partes do litoral e conhecimento detalhado desses locais pelos pescadores”.

Diante disso, os responsáveis pela elaboração do documento (Plano Diretor, p. 31) reconheceram a problemática no tratamento da população de pescadores tradicionais que habitavam a região, bem como a necessidade de se desenvolver um projeto específico para eles, com sugestão de mantê-los na unidade de conservação, mas sem descuidar das ameaças que já se faziam visíveis na região nordeste do parque. Para a permanência da comunidade de pescadores, o documento reza: “(...) o aproveitamento ‘de pescadores’ (grifos meus) deverá ser objeto do Plano de Manejo específico simultâneo à implantação do Parque“, além do “(...) estabelecimento de um programa esclarecedor de toda a população interna, circunvizinha e mesmo da região de influência do Parque, através de todos os meios de comunicação”. A justificativa mais importante para tal programa era a divulgação do parque: “(...) pelo seu poder de reação de cadeia, será a formação de uma mentalidade conservacionista extremamente necessária ao Estado (...)”.

O mesmo documento, na análise das áreas ocupadas ou alteradas pelo homem, alertou para o risco de um projeto imobiliário de transformar a Praia da Pinheira em balneário, como pode ser observado:

“Constitui o maior núcleo populacional dentro do Parque. Intencionalmente, a área poderá capitalizar o movimento turístico, em torno de uma vila de pescadores a ser preservada em seus aspectos típicos, sem que se permitam adulterações ou crescimento além de um limite controlado. A área deverá ser objeto de um Plano de Manejo Setorial, baseado no inventário cadastral de todas as suas atuais características, aliado ao desenvolvimento de uma área vizinha de alta densidade de recreação, inclusive com instalações de centro de visitantes”.

Porém, não há registro de programas dessa natureza na história da criação do parque e a desanexação da Praia da Pinheira em 1979 já ocorreu devido às pressões do processo de expansão turística. Mais tarde, em 1998, outra área dessa região foi desanexada: a Ponta dos Papagaios. A completa falta de planejamento integrado, resultando em ações pulverizadas e descontroladas, conforme tem sido comprovado pelas pesquisas, não oferece aos moradores tradicionais uma opção capaz de substituir realmente suas atividades. A comunidade, despreparada, passa então a “explorar" o turismo, em conflito com as antigas atividades tradicionais (pecuária domiciliar ou extensiva, agricultura de subsistência, por exemplo) que mantém parcialmente.

5.1.2 Conservação e Preservação da Natureza

Outro fato que vem se somar aos conflitos ainda na área do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro é o uso de agrotóxico. As pesquisas (GUIVANT, 1992; AMARAL, 1998; BITENCOURT, 2001; SOCIOAMBIENTAL, 2002) apontam para o uso indiscriminado deles nas lavouras próximas aos mananciais213, inclusive com descarte das embalagens nos rios, fato que compromete a garantia de água potável para a região e para 70% da Grande Florianópolis e outros ecossistemas - restinga e manguezal -, contrariando um dos principais motivos da preservação do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro.

A biodiversidade encontra-se sob ameaças e riscos. Tendo em vista a fragmentação de habitats (que prejudica o fluxo genético entre as espécies e a exploração direta) e, ou, a competição com outras espécies invasoras, devem-se considerar aqui as particularidades de cada ecossistema: Floresta Ombrófila Densa (Floresta Atlântica), Floresta Ombrófila Mista (Floresta de Araucária), Campos de Altitude, Manguezais e Restingas.

No relatório PBZ sobre o Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, a SOCIAMBIENTAL (2002) afirma que uma das tipologias da Floresta Atlântica mais ameaçadas é a Floresta de Terras Baixas, por localizar-se em áreas planas e úmidas. Esta floresta está sendo profundamente prejudicada pela drenagem das terras, bem como pela fragmentação dos remanescentes e pela atividade pecuarista.

A Floresta Ombrófila Mista (Floresta de Araucária) sofre com os riscos da redução da vegetação, não pelo corte – intensificado no passado -, mas pela presença do gado e pela coleta do pinhão.

Os Campos de Altitude sofrem com queimadas e a presença do gado, que implica pisoteio, pastoreio e introdução de plantas exóticas.

213 Branco, apud SILVA (2002), revela que “apenas 2,3% da água existente no planeta Terra está

disponível para o consumo humano: 95% do manancial disponível é de água salgada e dos 4,5% restantes, a metade se encontra nas calotas polares e geleiras. No entanto, em virtude da poluição provocada pela atividade humana, da fatia de 2,3%, a metade tornou-se imprestável para consumo. A escassez de água potável já atinge 40% da população mundial e, caso não sejam tomadas medidas urgentes, deverá afetar a metade dos 8 bilhões de habitantes do planeta previstos para os próximos 25 anos. A contaminação da água e a poluição do ar provocam, respectivamente, a morte de 2,2 milhões de pessoas a cada ano. Cerca de 70% da água utilizada pelo homem é destinada à agricultura, onde mais da metade “é perdida em sistemas de irrigação ineficiente”. Cerca de 30% das maiores bacias hidrográficas perderam mais da metade de sua cobertura vegetal, reduzindo a qualidade da água e aumentando os riscos de enchente. Nos ecossistemas de água doce, “pelo menos 20% das 10.000 espécies de organismos aquáticos já foram ou estão sob ameaça de extinção” (TEICH, 2002, p. 86).

O principal manguezal do parque está na região da foz dos rios Cubatão e Aririú. Estes rios correm por bacias hidrográficas densamente ocupadas, que recebem pesadas cargas de agrotóxicos, efluentes domésticos e industriais e sedimentos – carreados tanto de solos desprotegidos quanto das barrancas dos rios (erodidas pela ausência de mata ciliar), fenômenos ainda agravados pelas extrações comerciais de areia. Toda esta carga acumula-se nos manguezais e na baía em frente a eles.

Os riscos e ameaças às restingas se devem à expansão da ocupação urbana (diversas vilas e balneários), com a suspensão pontual e a fragmentação dos habitats. Este problema tende a agravar-se progressivamente, associado ao interesse de balnearização e à pavimentação/ampliação de rodovias (SC 433 e BR 101). Também ameaça este ecossistema a proliferação de pinus – Pinus elliotti e

Eucalyptus sp – e gramíneas, tendo em vista o reflorestamento de áreas dentro do

parque e no seu entorno, além da criação extensiva de gado no ecossistema.

5.1.3 População

Das regiões, a nordeste é a mais crítica. Diante da realidade elucidada no documento Proposta de Zoneamento (SOCIOAMBIENTAL, 2002, p. 12-14), há, para as comunidades que moram nessa região, um conjunto de interesses (divergentes e conflitantes) com projeção para o futuro.

A região possui sete comunidades nas dependências do parque e uma expressiva ocupação no entorno, com outras 12 na faixa de 500 m. Segundo o estudo, apenas uma localidade da região nordeste – Caieira da Barra do Sul – não avança sobre o parque ou na área dos 500 metros.

Todas essa população apresenta características (intra e intercomunidades) que impõem desafios aos gestores da unidade e exigem atitudes imediatas. Cita-se, inclusive, a existência no interior e entorno do parque de três aldeias indígenas214.

De acordo com dados e fotos apresentados no item 4 (SOCIOAMBIENTAL, 2002; IBGE, Prefeitura Municipal de Palhoça, FATMA), o crescimento desordenado do turismo – em busca de novas frentes de balnearização, especulação imobiliária,

214 Uma (com cerca de 100 pessoas) situa-se totalmente dentro da área do parque. Ocupa 121

hectares na localidade denominada Morro dos Cavalos-Palhoça. A outra se localiza em Maciambu, mas fora dos limites do parque, porém próxima às outras. Esta conta com cerca de 50 pessoas vivendo em uma área de 4,5 hectares. A terceira aldeia estabeleceu-se mais recentemente em Imaruí, também fora do parque, em área de 79 hectares, e conta com cerca de 30 pessoas.

demanda de infra-estrutura, construções e atividades turísticas irregulares, duplicação da BR 101 (aprovada e em curso), possível asfaltamento da SC 433 que liga as praias do Sonho, Pinheira e Guarda do Embaú à BR 101 – tende a potencializar os conflitos, resultando em perdas irreversíveis para a biodiversidade “preservada” e para a sobrevivência da população que depende dos recursos dessa área para viver.

Já ao norte, há um intenso crescimento populacional na região, que se integra como área-dormitório ao pólo regional de Florianópolis e arredores. Registra-se também tendência a instalação de hotéis215, atraídos pelas fontes de água termal ou pela potencialidade de turismo rural nas proximidades do pólo.

Em direção ao sul e centro-sul da região há extensas áreas de plantio de arroz – em Paulo Lopes há uma localidade na faixa dos 500 metros, – que utilizam grande quantidade de agrotóxicos. Estes acabam sendo drenados para o interior do parque, através do Rio da Madre, afora as conseqüências do lixo depositado por dois anos em um aterro sanitário (implantado em 1989). Embora ele tenha sido desativado em 1991, o lixo não foi retirado e sua presença afeta a área pelas águas do Rio da Madre.