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A confusão na utilização de conceitos e denominações das categorias pelos diversos atores, nos diferentes países, às vezes dentro de um mesmo país (como o Brasil, dada sua extensão territorial), dificulta o tratamento das unidades de conservação. Além dessa problemática, tem-se a dificuldade na compreensão do significado e papel que desempenham as instituições e as organizações não- governamentais (ONGs) nas áreas dos parques, tendo em vista as perspectivas que guiam a atuação desses atores, a saber: socioambientalistas, ambientalistas e desenvolvimentistas, conforme destacam DOUROJEANNI e PÁDUA (2001, p. 122- 127).

Segundo os autores, a proliferação dos conflitos entre as populações afetadas e as unidades de conservação está gradualmente se propagando do seu âmbito concreto para o âmbito de outros atores sociais, dedicados, sob diferentes ângulos, à proteção do meio ambiente, que são: organizações não-governamentais (ONGs) e instituições.

As ONGs “dividiram-se em dois grupos que podem ser denominados “ambientalistas”e “socioambientalistas” (grifo do autor). Elas se diferenciam pela ênfase “social” ou “ambiental” de suas ações e reações com relação às unidades de conservação”. Os primeiros defendem as unidades de conservação de proteção integral, que vedam a presença de populações no seu interior, bem como a exploração dos recursos naturais, chegando, às vezes, até a se opor à investigação científica e ao desenvolvimento turístico. Já os socioambientalistas defendem as unidades de conservação de uso sustentável. O resultado destes distintos pontos de vista, presentes quase diariamente na imprensa ou em eventos, é extremamente confuso para a opinião pública e, em última instância, para os tomadores de decisão.

Caracterizar o grupo dos “ambientalistas” (grifos dos autores) é muito difícil, tendo em vista as diferenças existentes dentro do grupo, que se equiparam às diferenças entre eles e os “socioambientais”. No entanto, é importante destacar que existem atitudes entre eles que podem explicar muitas das críticas que fazem às unidades de conservação de uso indireto e aos “ambientalistas” (grifos dos atores) em geral. A sua atuação dominou completamente as políticas do cenário ambiental

até a década de 1970. Era a época em que a IUCN, ou o World Wide Fund to Nature (WWF), só existiam para proteger espécies e ecossistemas, considerando o ser humano essencialmente um inimigo a excluir.

No começo da década de 1980, o “ambientalismo” radical (grifo dos autores) começou a ser questionado por instituições como o WWF, que passaram a desenvolver amplos programas próprios, como conservação para o desenvolvimento, baseados na comunidade local. Assim, essas mesmas tendências ficaram evidenciadas também nos discursos e nas ações da IUCN, que podem ser observados nas declarações dos autores: Ramphal; Mc Neely e M. Soulé57, citados em DOUROJEANNI e PÁDUA (2001, p. 125).

Deve-se ressaltar que entre os dois grupos mais radicais (sociambientalistas e ambientalistas) há diferenças de opinião das mais radicais às mais moderadas, às vezes até diferenças imperceptíveis. No entanto, para a maioria dos “ambientalistas” e muitos “socioambientalistas”, os autores agruparam as principais perspectivas que alimentam as discussões entre os dois grupos.

Estas perspectivas estão classificadas de acordo com a origem científica, político-administrativa e social. As modalidades podem ser conferidas nos Quadros 4, 5 e 6.

Diante dessas posições, é possível perceber o quão conflitante são os processos de planejamento, gestão e gerenciamento das unidades de conservação. Ambas as visões defendem o ambiente. Uma defende exclusivamente o ambiente, excluindo o homem – por considerá-lo predador –; a outra, inclui o ser humano, como elemento de preservação e diversificação.

57 RAMPHAL, S. No poderemos salvar a los parques si no salvamos al pueblo tambien. Caracas: El

Universal 11 fev. 1992.

_____________ .Protected areas and the challengers of the contemporary world. In : Parks for live.

Report on the 4th world Congress on National Parks. IUCN, Caracas:10-21, 1992, p. 58-61.

Estas declarações estão expressas em trabalhos de Mc Neely, como, por exemplo: McNeely, J. A .

Coping with change: people, forests and biodiversity. IUCN focus Serie, IUCN, Gland. 1994, 28p.

SOULÉ, M.E. The social and biological universals of nature protection. In: ANAIS 2o Congresso

Brasileiro de Unidades de Conservação, Rede Nacional de pró-Unidades de Conservação/ Fundação O Boticário (Milano M. S. e Theulen V., orgs), Campo Grande, Mato Groso do Sul, v. 1, p. 85-91.

Quadro 4 – Comparação das Perspectivas Científicas Defendidas por Ambientalistas e Socioambientalistas

Ambientalistas Socioambientalistas

Faltam UCs de proteção integral de maior tamanho para garantir a sobrevivência a longo prazo da diversidade biológica (os cientistas estimam que se deve proteger não menos de 10% e até 30% de cada ecossistema).

• Se as UC de proteção integral são bem desenhadas, elas são a melhor e, para muitos cientistas, a única alternativa

disponível para conservar a biodiversidade.

• As UCs de proteção integral são necessárias para permitir a evolução e são testemunho dos processos evolutivos naturais.

• Em qualquer caso, as UCs de proteção integral são apenas um complemento das categorias de uso direto que devem contribuir para formar corredores ecológicos e zonas de amortecimento.

Existe excesso de UCs de proteção

integral (em número e superfície) ou não se

precisa mais, já que sua viabilidade ecológica é duvidosa a longo prazo.

E possível preservar a biodiversidade com

as UCs de uso sustentável, ou sem UCs.

• O homem é necessário para provocar a diversificação das espécies e porque o desenvolvimento sustentável garante a sobrevivência das espécies e da diversidade genética.

Fonte: adaptado de DOUROJEANNI e PÁDUA (2001, p. 182) pela autora da tese.

Quadro 5 – Comparação das Perspectivas de Origem Político-Administrativa Defendidas por Ambientalistas e Socioambientalistas

Ambientalistas Socioambientalistas

• Ainda que mal implantadas ou manejadas, as UCs de proteção integral têm garantido uma proteção razoável, melhor que outras áreas de uso sustentável.

• Sendo bem adaptadas à realidade, não correspondem a um modelo importado. • As UCs de proteção integral são uma tática

preservacionista dentro de uma estratégia de desenvolvimento sustentável.

• As UCs de proteção integral são indispensáveis para providenciar vários serviços ambientais, muitos deles de alto valor econômico e de grande interesse social.

• As UCs de proteção integral são um seguro para o futuro, em caso de falharem as outras opções de desenvolvimento sustentável.

• As UCs de proteção integral são um transplante de soluções de países desenvolvidos não adaptadas à realidade da região.

• As populações locais têm melhor qualificação para manejar as UCs de proteção integral que os profissionais

• O conceito de desenvolvimento sustentável aplicado nas UCs ou fora delas é suficiente para garantir a sua integridade biológica. • As UCs de proteção integral são áreas

congeladas, sem uso, que freiam o desenvolvimento e obstaculizam as justas aspirações das populações locais.

• As UCs de proteção integral não têm viabilidade, simplesmente porque quase todas elas são “parques de papel” (grifos dos autores), abandonados.

Quadro 6 – Comparação das Perspectivas Ambientalistas e Socioambientalistas de Origem Social

Ambientalistas Socioambientalistas

• As UCs de proteção integral respondem a necessidades e anseios da maioria da população nacional, que devem ser respeitados.

• A reduzida percentagem de cada país, que atualmente é estritamente protegida, não tem significação social (sua eliminação não resolve problemas sociais nacionais e cria outros, mais graves).

• Sempre (ou quase) as UCs de proteção integral são feitas contra a vontade e os interesses e, ou, direitos da população local. • As populações locais são seriamente

prejudicadas pelas UCs de proteção integral e, inclusive, espoliadas.

• As populações indígenas (independente- mente de seu grau de integração à sociedade nacional) têm direito absoluto sobre as áreas das UCs de proteção integral que reclamam. Fonte: adaptado de DOUROJEANNI e PÁDUA (2001, p. 182) pela autora da tese.

Dos conflitos de gestão dos recursos naturais e, conseqüentemente, dos resultados inesperados dos programas de intervenção, GOLDEMAN (2001, p. 44-78) faz uma leitura diferente para o debate que afeta a questão. O autor classifica os grupos de gestores em três escolas, identificadas por ele como: ecólogos humanos, especialistas em desenvolvimento e gerentes de recursos globais – GRGs.

O autor aponta para “uma tensão fundamental entre produção de conhecimento e consciência histórica, uma tensão entre o lançar um olhar cego para as forças destrutivas da expansão capitalista sobre os comuns e um largo sorriso aos ‘subcapacitados’ (grifos do autor) habitantes tradicionais, que, desafiando todas as certezas, protegem seus recursos comuns”.

Os Ecólogos Humanos dedicam-se à complexidade do acesso comum aos recursos naturais, ou recursos comuns58, através de uma perspectiva baseada na cultura e na territorialidade, nas diferenças, nos conflitos e nas atividades locais,

58 Recursos comuns são compreendidos, em FEENY et al. (2001, 17–20), como aqueles que

compartilham de duas características importantes: exclusividade e subtração. Neles estão incluídos os recursos migratórios como peixes, animais de vida selvagem, águas superficiais e subterrâneas, e outras como pastagens e áreas de florestas, corpos d’água, atmosfera global e bandas de freqüência de rádio. Na exclusividade, a natureza física dos recursos é tal que o controle do acesso por potenciais usuários pode ser custoso e, no extremo, virtualmente impossível. Já a

subtração é a capacidade que cada usuário possui de subtrair parte da propriedade do outro;

afeta adversamente a habilidade de exploração de um outro usuário. Exemplo: na medida em que um usuário pesca, a captura por unidade de esforço dos outros diminui, assim como se um usuário bombear mais água de um aqüífero, os demais usuários irão experimentar um aumento no custo de bombeamento, à medida que o uso agregado se aproximar da capacidade de reabastecimento ou a exceder. Neste contexto, o conceito aqui adotado está conforme BERKES58, apud FEENY et

al., 2003, p. 19), que os define como “classe de recursos para a qual a exclusão é difícil e o uso

porém carecem de focalizar as reações dialéticas entre o local e o não-local. Para ele, “o papel de estruturas e instituições extensas, tais como o Estado, as relações capitalistas de produção e as mudanças econômicas somente se tornam relevantes nessa literatura quando existentes no ‘local’, ou próximo a ele.” (grifo do autor) (GOLDMAN 2001, p. 52).

Os Especialistas em Desenvolvimento59 mostram pragmaticamente como

recuperar os comuns degradados, como torná-los mais produtivos, como fortalecer as instituições sociais enfraquecidas dos países do Terceiro Mundo. Este grupo de autores vê o mundo girando em torno do conceito de crescimento e procura identificar problemas e solucioná-los, mas sem a participação efetiva das pessoas que habitam os espaços de utilização comum dos recursos da natureza.

No entanto, é necessário atentar para a intenção, o interesse, o destino e os objetivos desses propósitos e projetos, bem como para o papel dos especialistas.

Por último, têm-se os Gerentes de Recursos Globais – GRGs60.

Os GRGs estão voltados a apontar como os recursos comuns no âmbito local também contribuem para a crise ecológica global. Esses gerentes têm fornecido dados muito contundentes, porém com a atenção desviada do foco dos fenômenos locais para o global; por exemplo, através da exploração da biomassa, a humanidade atualmente se apropria de 40% da produtividade primária da fotossíntese, mudanças climáticas, ar poluído, etc. “Apesar de a atmosfera, os oceanos e os espaços públicos comuns serem freqüentemente considerados como estando sob regimes de livre acesso, na realidade, organizações internacionais formais têm sido constituídas para regular o acesso e monitorar seu mau uso”.

59 Pertencem a esta escola, na maioria dos casos, os empregados do Banco Mundial, de institutos

ocidentais de planejamento ou organizações não-governamentais ambientalistas, que se distinguem dos ecólogos humanos pela sua tarefa auto-explicativa.

60 Os GRGs dedicam-se a um processo de elaboração e quantificação de um novo mapa global dos

riscos e desastres ambientais. Os recursos comuns, ou simplesmente comuns, para este autor, não são nem pastagens isoladas nem a capacidade de um continente em produzir alimento. Suas preocupações estão associadas a uma série de comuns globais (camada de ozônio, oceanos, biomassa, etc.), cuja degradação ameaça toda a vida na Terra.