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4. PARAGUAI, O GOVERNO DA APC E GOLPE DE ESTADO (2008-2012)

4.2. Conflitos políticos na antessala do Golpe

Conforme constatamos, o Governo de Lugo foi fortemente marcado por conflitos políticos tanto com seus adversários, derrotados nas eleições de abril de 2008, quanto dentro do amplo espectro de alianças que o elegeu como presidente. A

ação da posição no Congresso se destacou durante o governo, pois com maioria colorada obstaculizava os poucos projetos progressistas que eram apresentados, além dos já mencionados na subseção anterior, acrescentamos os projetos de imposto de renda e de imposto sobre a exportação da soja, além do impedimento da entrada da Venezuela no Mercosul e da incorporação plena do Paraguai na UNASUL (DURÉ et al, 2012).

No que diz respeito aos conflitos internos ao governo, eles aconteciam sob duas perspectivas. Por um lado, os movimentos populares e forças progressistas que apoiavam a APC pressionavam por mais políticas públicas que tivessem impacto social; por outro, as lideranças do partido liberal pressionavam no sentido oposto.

Essa disputa interna do governo também aparecia na disputa pela direção dos ministérios do poder executivo, já que, como é de costume nos regimes presidencialistas, esteseram repartidos entre as forças políticas que compunham a aliança vitoriosa nas eleições, os liberais eram uma força de peso naquela aliança, logo estiveram à frente de ministérios importantes, como por exemplo o de Agricultura, o de Indústria e Comércio, de Obras Públicas e o de Comunicações.

Segundo Elizabeth Duré et al (2012, p. 22), Lugo

[…] tenía que gobernar conjuntamente con liberales, socialdemócratas y socialistas en su gabinete, lo cual ya indicaba que no se podía contar con un proyecto de país de largo plazo que orientase los cinco años de gestión, dada la diversidad ideológica de la coalición gubernamental.

Além do mais, segundo Gustavo Codas (2019), os liberais estavam fracionados em três grandes grupos internos que também brigavam entre si pelos cargos, com vistas a posicionar candidaturas para as próximas eleições paraguaias. Ademais, o autor destaca que estes grupos internos não atuavam de forma unificada como base de governo no Congresso Nacional, dificultando ainda mais a aprovação de diversas políticas públicas e tornando cada vez mais complexa a resolução do conflitos políticos.

Da mesma forma, as organizações progressistas e de esquerda que compuseram a APC e o governo não tinham posições unitárias, já que não havia um espaço organizativo para debater os temas comuns. Nesse sentido, em 2010 foi fundada a Frente Guasú (que em guarani quer dizer "Frente Grande"), com a participação de diversos partidos, movimentos sociais e grupos políticos que apoiavam Fernando Lugo. Segundo Codas (2019, p. 47), um dos objetivos da Frente

era constituir as bases para a governabilidade com o povo organizado e nas ruas, mas o autor avalia que a frente não alcançou esse objetivo, pois se deu "a frio e sobre um recuo tático".

Outra deficiência do governo que implicava diretamente na sua desestabilização era a ausência de meios de comunicação que dialogassem diretamente com a população do país sobre temas diversos. Apesar de Lugo ter criado a primeira TV pública paraguaia, esta ainda estava dando seus primeiros passos, enquanto isso os principais jornais e rádios paraguaias levavam décadas de construção, como o ABC Color e o La Nación, além de serem dirigidos por empresários que em muitos episódios faziam oposição explícita a Lugo em seus editoriais e também na cobertura cotidiana.

Por isso, muitas vezes o governo ficou à mercê das versões propagadas por estes veículos, que segundo Codas (2019) realizavam uma chantagem pública ao presidente a cada episódio político. Ademais, estes mesmos meios de comunicação e as lideranças da oposição (sobretudo colorados) protagonizavam uma verdadeira cruzada anticomunista e antibolivariana contra o presidente, chegando a acusá-lo diversas vezes de estar vinculado ao Exército do Povo Paraguaio (EPP) e até mesmo com as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), o que nunca foi comprovado.

Fernando Lugo afirma que seu governo

[…] tuvo muchísimas acusaciones, de las [más] variadas. Primero, decían que teníamos relación directa con las FARC y con la guerrilla. Segundo, con los secuestros. Tercero, que éramos como un satélite de los gobiernos bolivarianos del siglo XXI, y golpeando por supuesto en este sentido a la integración, que estábamos promoviendo. (LUGO, 2018).

Nesse contexto, a oposição parlamentar tentou entrar com o pedido de julgamento político do presidente, houve 23 tentativas em menos de quatro anos de governo, ficava cada vez mais evidente que se buscava um episódio que pudesse ser a fagulha para derrubá-lo, mas para alcançar tal objetivo era necessário além de ganhar o apoio dos liberais, que eram a segunda maior força política no Congresso paraguaio, ter um certo apoio de parcelas da sociedade paraguaia.

Nesse sentido, quatro episódios chamam a atenção, dois envolvendo diretamente grandes empresas transnacionais e dois envolvendo conflitos de terras entre latifundiários e sem-terra.

O primeiro foi a polêmica em torno da liberação do cultivo da semente de algodão transgênico Bolgard BT, patenteada e comercializada pela transnacional Monsanto, que tem ampla presença no agronegócio paraguaio. Em outubro de 2011, o Ministério da Agricultura, então dirigido pelo liberal Enzo Cardoso, liberou o cultivo comercial da semente, em seguida o Servicio Nacional de Calidad y Sanidad Vegetal y de Semillas (SENAVE), então dirigido por Miguel Lovera, não inscreveu a semente nos registros de cultivares pois não se adequava às exigências do Ministério da Saúde e da Secretaria de Meio Ambiente, inviabilizando o cultivo. Em seguida, houve mobilizações e declarações imediatas de setores contrários ao cultivo – sobretudo organizações camponesas e ambientalistas – e de setores favoráveis, como entidades de produtores rurais tal com a UGP, que ameaçavam organizar “tratoraços” contra o governo. Meses depois, precisamente no dia 08 de junho de 2012, o periódico ABCColor publica supostos escândalos de corrupção do presidente do SENAVE, protagonizando uma campanha para desmoralizar e destituir Lovera79 (GRIMALDI,

2012b).

O segundo caso tratou-se da relação do governo com a transnacional Río Tinto Alcan, que vinham negociando uma solicitação de fornecimento subsidiado de energia hidroelétrica para a instalação de uma planta fundidora de Alumínio, que utilizaria energia hidroelétrica produzida por Itaipu. Em resposta à tal demanda, o governo organizou audiências públicas, para tratar da proposta a partir de dezembro de 2011, sendo que a última delas realizou-se no dia 01 de junho de 2012, apenas vinte dias antes do golpe de Estado se concretizar (CANESE; CANESE, 2013).

Um terceiro caso foi o que ficou conhecido como Caso Ñacunday, trata-se de um conflito de terras ocorrido na cidade de Ñacunday, localizada próxima à cidade do Leste e Foz do Iguaçu,

onde, no começo de 2012, camponeses sem-terra reivindicavam terras propriedade do estado que foram invadidas pelo latifundiário brasiguaio Tranquilo Favero, o “rei da soja” e maior latifundiário do Paraguai. Estima-se que ele concentre mais de um milhão de hectares em todo o país. Funcionários do governo Lugo detectaram a presença de sicários vinculados ao narcotráfico infiltrados entre os camponeses e atuaram para separar os sem-terra deles, impedindo que o conflito fosse acirrado pela provocação armada que se estava preparando (CODAS, 2019, p. 49).

79 PRESENTAN 12 ARGUMENTOS para destituir a Lovera. ABC COLOR, 2012. Disponível

em:https://www.abc.com.py/edicion-impresa/economia/presentan-12-argumentos-para-- destituir-a--lovera-411495.html. Acesso em: 20 jun 2019.

Nunca se esclareceu quem enviou os pistoleiros e por que estes haviam se infiltrado, por fim, as respostas às questões sobre Ñacunday viriam à tona quando ocorreu o Massacre de Curuguaty, que, segundo os pesquisadores Martinez-Escobar e Sánchez-Gomes (2015), cumpriu o papel de ter sido o gatilho imediato que operou como razão disparadora para que a oposição conseguisse derrubar Fernando Lugo.