O período de transição à redemocratização do Paraguai (1989-1993)

O período da redemocratização do Paraguai tem características um tanto quanto peculiares em relação aos demais processos latino-americanos, pois o ditador Alfredo Stroessner foi deposto do poder por um golpe de Estado, comandando pelo General Andrés Rodríguez, membro do mesmo partido do ditador, o partido colorado.62 O golpe ocorreu na noite do dia 02 para o dia 03 de fevereiro de 1989,

gerando a partida de Stroessner para o exílio no Brasil63 e a posse provisória do General Rodríguez na presidência do Paraguai, ao mesmo tempo em que o Congresso Nacional foi dissolvido e foram convocadas eleições gerais para o dia 01 de maio daquele mesmo ano.

Para Lorena Soler (2014), a derrubada expressou o esgotamento de uma forma de acumulação econômica e de um modo de dominação política, sendo que este último expressou uma crise do bloco dominante, já que, para a pesquisadora, o que ocorreu foi um desprendimento de uma fração da elite política e militar da própria ditadura stronista.

O pleito de maio de 1989 elegeu o novo presidente (e seu vice), e os membros da Câmara de Deputados e do Senado, ele ocorreu sem a realização de alterações na legislação e regulamentos eleitorais praticados durante a ditadura, ainda que o regime provisório tenha autorizado a participação de partidos da oposição, ilegais durante a ditadura.

No debate interno da chamada Junta de Governo Colorada, que é uma espécie

62 Ademais, Rodriguez era sogro do filho de Stroessner. 63 Onde viveu até sua morte em agosto de 2006.

de direção nacional do partido, decidiu-se que o próprio General Andrés Rodríguez seria o candidato. O pleito se realizou na data prevista e o resultado foi a vitória do General Rodríguez, com 74% dos votos, em contraste com 20% de seu opositor Domingo Laíno, do PLRA. No Congresso nacional, a época com 36 senadores e 72 deputados, os colorados da ANR ganharam a maioria absoluta das cadeiras, 74% precisamente.

No mesmo ano que Rodríguez tornou-se presidente, foi elaborado o Consenso de Washington, que aumentou a pressão para que organismos internacionais adotassem as políticas neoliberais. Segundo o economista paraguaio Luis Rojas Villagras,

El general Rodríguez aplicó las primeras políticas neoliberales, con dificultades, por la resistencia de poderosos grupos ligados al viejo “Estado clientelar” de la dictadura, que intentaban preservar sus fuentes de acumulación, como los contratos estatales, el comercio ilegal, la evasión fiscal, entre otros. Pero un nuevo empresariado más independiente del Estado, aunque ciertamente más dependiente del capital internacional, fue surgiendo y fortaleciéndose después de 1989, y empujando la agenda de modernización neoliberal, forzando la apertura y desregulación de la economía nacional. (VILLAGRAS, 2015, p. 89).

Neste sentido, a primeira medida macroeconômica tomada pelo general Rodríguez foi a liberalização do câmbio da moeda Paraguaia, o guarani, que passou de câmbio múltiplo a um único tipo de câmbio flutuante, ou seja, o valor da moeda paraguaia em relação a outras moedas estrangeiras deixou de ser determinado pelo Banco Central Paraguaio, que tinha diversas faixas de câmbio de acordo com as atividades econômicas, e passou a ter um único valor determinado pelas flutuações do mercado internacional. Segundo Grimaldi (2012a), esta ação causou o imediato aumento da dívida pública paraguaia, assim como dos passivos das empresas do Estado que tinham dívidas em dólares.

Outro marco do governo de Rodríguez em relação à economia foi a assinatura do Tratado de Assunção, no dia 23 de março de 1991, no qual o Paraguai, juntamente com o Brasil, a Argentina e o Uruguai fundaram o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), que naquele momento pretendia integrar os mercados dos quatro países, principalmente através da redução de barreiras tarifárias (com a adoção de uma tarifa externa comum) e da coordenação de políticas macroeconômicas.

Rodríguez que se realizou a primeira eleição livre e direta de governadores64 e de

legisladores65 dos departamentos, e prefeitos (intendente) e vereadores (concejales)

dos municípios. Nesta eleição foram permitidos candidatos independentes de partidos, e a capital, e maior cidade do país, elegeu um político independente, Carlos Filizzola. Segundo Diego Abente Brun (2010), as eleições municipais de 1991 foram um marco importante para a oposição, sendo que o governo conseguiu 44% dos votos. Ele também destaca que, com exceção de Assunção, praticamente todos os candidatos que se declararam independentes eram dissidentes colorados.

Ademais, em dezembro de 1991 se realizaram as eleições para a Assembleia Nacional Constituinte, que redigiria uma nova Constituição para o país. Os convencionales (deputados) constituintes foram eleitos para 198 cadeiras, das quais a ampla maioria foi ocupada pelos colorados da ANR (122), os liberais do PLRA ocuparam 55 cadeiras, 19 foram ocupadas pelos setores independentes, 1 pelo Partido Revolucionário Febrerista e 1 pelo Partido Democrata Cristiano. A maioria das cadeiras coloradas demonstra um fato curioso no Paraguai, pois a mesma organização política que deu formato legislativo à ditadura foi a que sustentou a transição à democracia, segundo Magdalena López (2012).

Os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte tiveram início no mês de janeiro de 1992 e se encerraram em junho do mesmo ano, quando a nova Carta magna foi promulgada, sem a presença do então presidente Rodríguez, que se ausentou como forma de protestar pela desatenção dos deputados constituintes ao seu pedido de incluir a reeleição na Carta (BRUN, 2010).

Nos deteremos brevemente a alguns elementos da nova Constituição que dizem respeito ao sistema político paraguaio, pois esta é a Constituição paraguaia que segue vigente até a atualidade.

A constituição de 1992 estabeleceu como sistema de governo o regime presidencialista e dividiu o Estado paraguaio em três poderes: executivo, legislativo e judiciário. O poder executivo é organizado de forma bicameral: com uma Câmara de 45 Senadores eleitos nacionalmente; e uma Câmara de Deputados com 80 membros eleitos regionalmente.66 Os presidentes são eleitos em um só turno, por maioria

64 Pois durante a ditadura, e também no período anterior, estes eram indicados pelo presidente

da República.

65 Durante a ditadura stronista, os legisladores eram indicados pelos governadores.

66 PARAGUAY. Constituição (1992). Constitución Nacional de Paraguay, 20 jun. 1992. Título

simples, para um mandato de cinco anos, e não é permitida a reeleição; os deputados e senadores têm o mesmo tempo de mandato, entretanto podem ser reeleitos. O voto é obrigatório.

Ainda que o sistema fosse presidencialista, Diego Abente Brun (2010) destaca que a mesma Constituição deu amplos poderes para o Congresso Paraguaio, pois continha possibilidades legais para que o poder legislativo inviabilizasse um governo na prática. Por exemplo, no caso de orçamentos dos governos, das assinaturas de tratados internacionais, dentre outros temas estratégicos que têm que ser aprovados pelo Congresso Nacional para tornarem-se realidade.

Além disso, esta Constituição estabeleceu que o Congresso tem o poder de destituir o presidente e outros poderes, através do juicio político. Vejamos como este último tema consta no Artigo 225 da Constituição Paraguaia,

El presidente de la República, el vicepresidente, los ministros del Poder Ejecutivo, los ministros de la Corte Suprema de Justicia, el Fiscal General del Estado, el Defensor del Pueblo, el Contralor General de la República, el Subcontralor y los integrantes del Tribunal Superior de Justicia Electoral, sólo podrán ser sometidos a juicio político por mal desempeño de sus funciones, por delitos cometidos en el ejercicio de sus cargos o por delitos comunes. La acusación será formulada por la Cámara de Diputados, por mayoría de dos tercios. Corresponderá a la Cámara de Senadores, por mayoría absoluta de dos tercios, juzgar en juicio público a los acusados por la Cámara de Diputados y, en caso, declararlos culpables, al sólo efecto de separarlos de sus cargos, En los casos de supuesta comisión de delitos, se pasarán los antecedentes a la justicia ordinaria (PARAGUAY, 1992).

Conforme vimos acima, a Constituição é muito breve sobre o que seria o mal desempenho das funções de um acusado. Até 2012, quando Lugo foi alvo do juicio, não havia nenhuma lei ordinária que regulamentasse a execução do juicio, como por exemplo os detalhes dos tempos para cada parte do processo, por isso, desde então o Congresso nacional teve total liberdade para executá-lo como bem entendesse.67

Outro destaque do sistema político fruto da Constituição de 1992 é que ela garante a liberdade e o pluralismo na organização partidária, no entanto, conforme dados da justiça eleitoral compilados por Magdalena López (2014, p. 163),

67 Desde que a Constituição de 1992 foi promulgada, houve 3 processos de juicio contra

presidentes que foram adiante no Paraguai, no ano de 1998 contra o Presidente Raúl Cubas Grau, no ano de 2002 contra Luiz Gonzáles Macchi, e em 2012 contra Fernando Lugo. Mais adiante, neste mesmo capítulo descrevemos brevemente os dois primeiros casos, já que o caso de Lugo terá uma seção exclusiva.

Las elecciones presidenciales en el Paraguay de la post-dictadura conservan una característica: los dos partidos tradicionales (presentándose solos o en alianzas –como es el caso del PLRA–) siempre conservaron más del 60% de los votos. En algunas elecciones, como la del año 1998, ambos partidos sumaron el 96.3%, mientras que en la del 1993 y la del 2008 más del 71%. [...] El bipartidismo es entonces un factor, junto a otros, para comprender la vida política paraguaya desde1887.

No mesmo ano da última Constituição paraguaia, a ANR e o PLRA decidiram que a escolha de seus candidatos seria feita através de votações internas, geralmente cerca de cinco meses antes da realização das eleições. Nestes processos internos se evidenciam as disputas entre os diversos grupos e facções, e suas lideranças, pelos cargos em disputa. Mencionamos este fato, pois veremos adiante como estas disputas influenciam diretamente o período em questão neste subitem.

Finalmente, após a promulgação da Constituição se convocou a primeira eleição geral, sob as novas regras, para o dia 10 de maio de 1993. Brun (2010, p. 29) afirma que o governo do general Rodríguez foi "la transición a la transición", ou seja, ele considera que somente após as eleições de 1993 teve início a redemocratização do Paraguai, que, acrescentamos, ainda permaneceria mais quinze anos com governos sob o comando dos colorados.