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Novas associações e cooperativas foram criadas por volta do ano de 2000 e buscaram o apoio da SLU no ano de 2001 para se estruturarem na atividade da coleta seletiva. Essas organizações apresentavam um público diferente da Asmare, em vez de catadores, eram desempregados e pessoas ligadas às associações comunitárias (Pereira, 2011).

Na ocasião, os membros dessas organizações também buscaram o apoio da Asmare e lá aprenderam, na prática, como se faz a triagem dos materiais recicláveis.

Para atender à demanda desses novos grupos, em 2002, a SLU iniciou a coleta seletiva porta a porta, possibilitando que os materiais recicláveis fossem recolhidos em alguns bairros da capital com carrinhos motorizados. Todavia, no ano de 2003, os carrinhos foram desativados por motivo de constantes manutenções. Dessa forma, a coleta seletiva foi ampliada para outros bairros com os próprios caminhões da SLU e os materiais recicláveis

passaram a ser destinados para a Asmare e as outras associações e cooperativas (Pereira, 2011).

A partir do ano de 2005, novos conflitos marcaram a relação entre a Asmare e a prefeitura, conforme destacou a autora:

a interdição do galpão [Contorno] da Asmare, a terceirização do serviço de coleta seletiva e a criação de um decreto que regulamentava a atividade de catação com o estabelecimento de regras, tais como o horário que os catadores poderiam sair nas ruas com os carrinhos de tração humana. (Pereira, 2011, p.90).

Assim, a prefeitura interditou a Asmare em julho de 2006, juntamente com a polícia militar, alegando a ausência de equipamentos de combate e prevenção a incêndio. Pereira (2011) assinalou que “tanto antes da interdição da Asmare quanto depois, ocorreram incêndios nos dois galpões da associação” (p.92). Com o apoio de diversos parceiros, a Asmare regularizou a sua situação e retomou suas atividades.

Em relação à terceirização dos serviços de coleta seletiva, os associados da Asmare, apoiados pelo movimento que os representava, o MNCR e outros parceiros, novamente recorreram à realização de passeatas e manifestações contra essa iniciativa, temendo a extinção do trabalho dos catadores com os seus carrinhos nas ruas. Apesar dos protestos, a terceirização da coleta seletiva foi concretizada em 2007. Para Pereira (2011), isto “ocorreu em função tanto da incapacidade operacional da SLU, quanto da incapacidade das organizações de catadores de realizarem o serviço de coleta porta a porta” (p.92).

Outro fato que fez aflorar os conflitos foi a concepção de um decreto que regulamentava os horários para a atividade dos catadores nos espaços públicos. “Dentre as regras, estabelecia que a catação nas ruas seria permitida somente entre às 19:30 e 7:00, argumentando que a presença dos catadores nas ruas atrapalhava o trânsito” (Pereira, 2011, p.93). Novos protestos ocorreram e, o Ministério Público de Minas Gerais exigiu que

a prefeitura refizesse o decreto por meio de um grupo de trabalho com participação de catadores, organizações de apoio, MP-MG e prefeitura. Desse modo, o decreto foi todo reconstruído e publicado em 2008 no final da gestão Pimentel (Decreto nº 13.378, de 12/11/2008). (Pereira, 2011, p.94).

A autora destacou ainda a retomada de operações da prefeitura que, embora mais sutis, impedia o trabalho dos catadores e da população em situação de rua.

Neste contexto, até o ano de 2008, vários fatores acirraram os conflitos entre a Asmare, a prefeitura e as novas organizações de trabalhadores da coleta seletiva de Belo Horizonte. Sobre esta questão, Oliveira (2016) advertiu:

Tais cooperativas acusavam a ASMARE de concentrar poder na articulação de projetos e apoio financeiro; a ASMARE criticava os demais empreendimentos de serem “pelegos”, ou atrelados à prefeitura, sendo pouco críticos em relação à terceirização dos serviços de coleta seletiva e à proibição da circulação dos catadores no centro da cidade, uma vez que o modelo defendido por eles era do transporte mecanizado, sem necessariamente manter a participação de catadores na coleta. (Oliveira, 2016, p.51).

A partir de 2010, a prefeitura sinalizou que iria encerrar os convênios de repasse de recursos para as organizações de catadores da capital e iniciou pelas outras associações e cooperativas. O convênio que subsidiava a Asmare foi encerrado no início de 2014.

3.10 27 anos de Asmare: as questões da pesquisa

A conjuntura atual do setor é muito diferente daquela vivida há 27 anos, quando a Asmare foi criada. É por esse motivo que, no início de 2014, a diretoria antiga da associação solicitou apoio ao Insea. Naquele momento, os principais problemas apontados, foram:

 o encerramento do convênio de repasse de recursos pela prefeitura, acarretando a dispensa de todos os funcionários que cuidavam da gestão e vigilância, além da suspensão do repasse de vale transporte para os catadores e a necessidade de elaborar um novo planejamento financeiro para arcar com as despesas dos caminhões que fazem a coleta nos grandes doadores, dentre outras consequências;

 a queda na renda dos catadores em função da diminuição de empresas doadoras de recicláveis e desvalorização dos recicláveis;

 desentendimentos e desconfianças presentes nas relações entre os associados, provocados pela fragilidade das regras e por não priorizarem as assembleias nas tomadas de decisões;

 ameaça de fechamento da associação devido a uma dívida antiga que acumulava;  documentação desatualizada;

 fim do mandato da diretoria e dificuldade em conduzir o processo eleitoral;

 dificuldades para compreender o controle da produção, das receitas e despesas e realizarem a prestação de contas em reuniões ou assembleias;

 gestão deficitária.

De modo geral, foi solicitado o acompanhamento técnico do trabalho da associação. A diretoria se mostrou disposta a rever seus valores, buscar a modernização da sua gestão, dos seus regulamentos e prospectar novas oportunidades, sendo que todos esses aspectos foram considerados na pesquisa realizada junto à Asmare.

Embora ao longo de toda a sua trajetória, os associados tenham participado de diversas ações de formação, a Asmare sempre esteve atrelada à presença de técnicos da prefeitura, entidades parceiras e profissionais contratados que, mesmo de forma indireta, ditavam seus rumos. Esses agentes externos assumiam o controle administrativo, financeiro e detinham conhecimento dos procedimentos de escritório, comprometendo a participação efetiva dos associados.

Nesse sentido, nos perguntamos se a Asmare já se constituiu efetivamente como uma associação autogestionária, uma vez que, desde a sua fundação, contou com a presença diária de técnicos na suagestão administrativa e financeira.

Neste capítulo, nos ancoramos em uma literatura que permitiu compreender as tensões vividas pela população de rua a partir da década de 80 e o intenso processo mobilizatório que marcou a existência da Asmare desde a sua fundação.

4 AS EXPERIÊNCIAS DE GESTÃO

“Asmare representa tudo. É meu campo de trabalho. É daqui que eu tiro meu sustenho. Além disso, me abre portas a ir aos locais que muitas pessoas têm vontade de ir, mas não tem condição de ir. E foi através da Asmare que eu consegui ir nestes locais, ela me proporciona tudo isso: ir conversar com vereador, deputado, dar palestras pra 100, 200 pessoas, isso tudo”. (associado da Contorno).

Neste capítulo, faremos uma discussão sobre as experiências de gestão vivenciadas pela Asmare desde a sua fundação.