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4 DINÂMICA HABITACIONAL, MERCADO IMOBILIÁRIO E PRODUÇÃO

4.1 Conformação da dinâmica imobiliária

No princípio da colonização, o território brasileiro foi parcelado na forma de capitanias hereditárias cedidas aos donatários, os quais possuíam o monopólio das plantações e o direito de ofertar as terras àqueles escolhidos dentre os colonos portugueses. No meio rural, como ressalta Martins (1990), os colonos foram os primeiros a obter a terra mediante concessão, no regime de sesmarias126, enquanto os pequenos lavradores ocupavam terras presumidamente

devolutas, caracterizando uma situação em que apenas alguns privilegiados tinham o direito à terra. Como expressa Lacerda,

A terra como dom - recebida sem nenhuma contrapartida monetária pelos colonos - traduzia o prestígio dos colonos face aos donatários e, também, a urgência da conquista de novas terras. A terra encobria e ordenava um feixe de relações para cima e para baixo. Para cima, ela era o símbolo da submissão aos donatários e, por extensão, à coroa portuguesa. Para baixo, ela forjava uma série de relações cuja evolução determinaria seu inevitável poder (LACERDA, 1993, p.44).

Lacerda (op.cit.) ressalta que logo no início da colonização “não existia troca econômica. Se ela era um dom, não havia um preço calculável em termos monetários, mas um

com acréscimo de área de construção igual ou maior que 500,00m² (quinhentos metros quadrados) e remembramentos de terrenos, e dá outras providências.

125 Assim como em outras cidades, como ressalta Villaça (1996)

126 O regime de sesmarias só seria extinto no ano de 1822 sem que houvesse a criação de um sistema específico que viesse a substituí-lo.

caráter subjetivo que, na sua essência, traduzia uma troca de ordem simbólica”. Ademais, não existia a transferência da titularidade.

A concessão de porções de terreno127 era realizada tanto por um ato da Coroa, o poder

da Metrópole, quanto pela Câmara, a instância de poder local. Em ambos os casos, a concessão poderia ser para fins de moradia ou para outras finalidades, mediante uma cobrança de foro ou de forma gratuita. A ocupação do chão de terra ou da data de terra não era necessariamente vinculada a uma mudança na titularidade da propriedade do terreno ou da edificação, podendo essa ser uma condição de ocupação comparável, hoje, a uma concessão do direito de uso.

Durante o referido período foram sobretudo as ordens religiosas as primeiras a se apropriarem da terra e da renda que esta poderia proporcionar, iniciando no Brasil um regime de concessões e arrendamentos. Em cidades como Rio de Janeiro, São Paulo e Recife, as ordens religiosas dominavam o embrionário mercado de terras e de habitações “não nobres”, sendo essa uma atividade relativamente bem remunerada, tanto por meio da obtenção de uma renda fundiária quanto pelo pagamento pelos aluguéis. No caso, as casas de aluguel eram o único meio de obtenção de um lugar para morar por parte da população “comum”, sendo a ocupação viabilizada de modo a deixar intacto o patrimônio territorial.

No Recife, cidade cujo desenvolvimento durante o período colonial esteve estreitamente ligado à monocultura da cana-de-açúcar, segundo ressalta Lacerda (op.cit), havia claros limites de ordem social e político decorrentes da projeção, no espaço urbano, de uma estrutura agrícola profundamente hierarquizada socialmente. Segundo essa autora, no contexto recifense, a produção rentista de habitações não respondia às necessidades das camadas de mais baixa renda, formadas por homens livres. Nessa cidade, “para que a produção imobiliária rentista aparecesse, foi necessário que surgisse uma classe remunerada, vivendo de pequenos negócios” (LACERDA, 1993, p.47). Enquanto isso, "no Recife colonial e holandês, os mocambos já penetravam as áreas alagáveis".

O surgimento de uma demanda solvável para justificar uma produção rentista de habitações, nessa cidade, deu-se apenas a partir da emergência de uma camada de funcionários ligados ao controle fiscal. “A cidade tornou-se o lugar do capital comercial mas também dos aparelhos de Estado, conjunto burocrático de troca das mercadorias. As camadas assalariadas ou aquelas que viviam de pequenos negócios tornaram-se os primeiros locatários das habitações”. Segundo Lacerda (op.cit, p.47), no contexto do Recife colonial, a composição das

fortunas era baseada não somente sobre a propriedade de terras para fins agrícolas ou de criação de animais, mas também sobre os “investimentos na construção de habitações, de entrepostos e de imóveis para fins administrativos. Estes investimentos criavam a oportunidade de ganhos fundiários e imobiliários que se realizavam a partir do aluguel”, enquanto a escravidão e as baixas remunerações ainda se impusessem como obstáculos ao desenvolvimento da produção imobiliária rentista.

Durante o período colonial recifense, a cidade obedecia a um princípio de estruturação espacial monocêntrico, com crescimento expansivo gradativo do “centro” – núcleo fundacional da cidade – em direção à periferia. O Recife, que dada a sua condição litorânea e à implantação do seu núcleo original de ocupação em uma frente d’água teve a sua ocupação consolidada em um ângulo de 180 graus128, experimentou a sua primeira fase de urbanização se mantendo em

uma condição de cidade compacta, para recuperar os termos de Borsdorf (2003). O núcleo original de ocupação da cidade, marcado pela co-presença de edificações dos mais variados usos, era ladeado por zonas habitacionais, estando as classes de mais alta renda situadas no entorno imediato do centro e as classes de menores rendimentos progressivamente afastadas. A condição de “monopólio de localização residencial” do entorno do núcleo original de ocupação, definida pela inexistência de meios de transporte que permitissem a consolidação habitacional dos “arrabaldes”, corroboraram para essa conformação espacial durante a primeira fase da urbanização.

A configuração espacial da cidade colonial, o regime de concessão de terras urbanas e rurais e o embrionário mercado de aluguel por parte das ordens religiosas e dos proprietários fundiários permaneceram relativamente estáveis até a promulgação da Lei de Terras, em 1850, que surgiu como um marco do mercado fundiário e imobiliário no Brasil.

Os regimes de concessão de dons, datas de terra e aforamentos de terras públicas, até então predominantes, segundo Lacerda (1993, p.47) tinham exigido a “instauração de uma burocracia para a regulamentação de numerosos processos correspondentes ao parcelamento de todas as terras livres”. No entanto, a insuficiência técnica das administrações locais havia permitido um processo de ocupação sem nenhuma legalidade. O Império, face a essa desordem, com a promulgação da referida Lei de Terras, regularizou a situação das ocupações existentes, ordenando o reconhecimento do pleno direito aos antigos donos e a regularização das terras ocupadas pacificamente, ao passo que impediu as novas concessões de terra.

128 Conforme Villaça (1998), e não de 360 graus como esboça o modelo de Borsdorf(2003) apresentado em capítulo anterior.

A regulamentação, com plenos direitos, das ocupações então existentes reiterou a concentração da propriedade nas mãos de poucos privilegiados. Como demonstra a Declaração do Estado de 1842, a Lei de Terras, enquanto marco legal para instituir a mercantilização formal de terras no Brasil, foi uma maneira de atender às necessidades dos grandes proprietários que, naquele momento, encontravam dificuldades de angariar trabalhadores livres. Na declaração, a elevação dos preços e a imposição de dificuldades aos imigrantes e trabalhadores médios de acessar, enquanto proprietários, o solo urbano ou rural, apresentava-se como um meio de disponibilizar trabalhadores livres que serviriam aos interesses dos produtores.

Com a profusão de datas de terras tem, mais que outras causas, contribuído para a dificuldade que hoje se sente de obter trabalhadores livres, é seu parecer que d‘ora em diante sejam as terras vendidas sem exceção alguma. Aumentando-se, assim, o valor das terras e dificultando-se, consequentemente, a sua aquisição, é de esperar que o imigrante pobre alugue o seu trabalho efetivamente por algum tempo, antes de obter meios de se fazer proprietário (Declaração do Estado, 1842 apud MARTINS, 1990, p.124).

Diante desse quadro, as dificuldades enfrentadas pelo trabalhador médio para o acesso a propriedade consolidaram a moradia de aluguel como a primeira forma de acesso dos indivíduos médios e trabalhadores em geral à moradia no meio urbano no Brasil. Após a abolição da escravatura, também parte dos os homens e das mulheres livres se tornaram inquilinos em potencial. De fato, da promulgação da Lei de Terras de 1850 até a década de 1920, não houve nenhuma política pública que buscasse assegurar aos trabalhadores o acesso à moradia ou à terra, urbana ou rural. Diante dessa conjuntura, houve uma considerável produção, durante as décadas de 1920 e 1930, de casas de aluguel por parte da iniciativa privada, as quais surgiram como um investimento seguro para aplicar os excedentes do capital industrial e mercantil nas grandes cidades, sobretudo nos mais avançados núcleos urbanos: Rio de Janeiro e São Paulo. Até o início da década de 1930 foi mantida a prerrogativa governamental de não produzir moradias para as camadas de mais baixa renda sob a pena de interferir negativamente sobre o interesse da iniciativa privada de produzir tais habitações de aluguel.

No caso do Recife, o processo de industrialização, que se efetuava sob a influência da indústria do açúcar, levou à formação de um mercado de consumo restrito com uma exígua demanda solvável por habitações de aluguel. Segundo Lacerda (1993), apenas uma pequena fração da população participava da economia de mercado e o poder de compra dos habitantes era relativamente baixo, tendo o limite imposto pela restrição da demanda marcado os processos de expansão urbana recifense nesse período. Essa mesma autora afirma que nessa cidade, ainda

nas primeiras décadas do século XX, “uma fração de capital de origem agrícola e comercial realizava operações imobiliárias graças aos loteamentos de antigos domínios produtores de cana de açúcar”. Assim, alguns engenhos nas margens do Rio Capibaribe deram lugar a novos loteamentos – como é o caso dos engenhos Madalena, Torre, Monteiro, Casa Forte e Apipucos – os quais se transformaram em “subúrbios” habitados pela demanda solvável de rendimentos médios que então existia no Recife. Assim, ao final da década de 1930, a configuração espacial do Recife corresponde a um núcleo original de ocupação, consolidado em um ângulo de 180 graus, e deixa clara a presença daquele que foi o primeiro vetor de expansão urbana da cidade: o Rio Capibaribe, conforme se pode verificar pela sequência de imagens a seguir.

Figura 5 - Esquema de Borsdorf para a primeira fase de urbanização das cidades latino- americanas. Fonte: Borsdorf (2003)

Figura 6 - Mapa do Recife com lotes edificados até 1939 e demarcação do núcleo original de ocupação e primeiro vetor de expansão. Fonte: Dados do shape (PCR, 2014). Edição da autora.

Figura 7 - Mapa do Recife e seus arredores em 1932. Demarcação do núcleo original de ocupação consolidado e do Rio Capibaribe.

Fonte: Acervo Pessoal Amélia Reynaldo (apud Lacerda, 2018). Imagem tratada pela autora.

Figura 8 - Mapa do Recife e seus arredores em 1932. Demarcação do centro expandido (atual RPA1)

Fonte: Acervo Pessoal Amélia Reynaldo (apud Lacerda, 2018). Imagem tratada pela autora.

Durante a primeira metade do século XX, no contexto nacional, as poucas iniciativas públicas de incentivo à produção habitacional estiveram voltadas para setores sociais e profissionais muito específicos, como foi o caso durante a atuação do IAP (Instituto de Aposentadoria e Pensões) na década de 1930. Paralelamente, as parcas legislações que regulamentavam o regime de inquilinato tinham um cunho extremamente patrimonialista,

CENTRO EXPANDIDO RIO CAPIBARIBE

defendendo, via de regra, os interesses dos proprietários enquanto os locatários continuavam vulneráveis, submetidos a aumentos abusivos nos preços dos aluguéis e a despejos violentos. É só a partir da década de 1940 que começam a ser percebidas as primeiras iniciativas de promoção habitacional e defesa do “direito à moradia” de mais largo espectro. É em 1942, por exemplo, durante o Estado Novo, a partir do Decreto-Lei n° 4.598, que se inicia uma “nova fase da Legislação do Inquilinato”. Segundo Mello (2007), essa fase é marcada por uma sequência de leis aprovadas que objetivava uma aparente defesa dos inquilinos e que culminou, no mesmo ano, no congelamento provisório dos preços dos aluguéis. Segundo a autora, o congelamento por tempo indefinido dos preços dos aluguéis, como era de se esperar, tornou a atividade pouco rentável e redirecionou os investimentos dos antigos rentistas urbanos.

Pode-se afirmar que uma legislação que venha a interferir na rentabilidade do mercado imobiliário de aluguel e, consequentemente, nos mecanismos de oferta desse mercado, poderá desencadear outros efeitos em cascata em outros segmentos do mercado imobiliário residencial. É presumível, portanto, que o congelamento de preços do aluguel podem interferir sobre a dinâmica de funcionamento do mercado imobiliário residencial em áreas centrais tradicionais, onde tal regime de ocupação, historicamente, faz-se tão presente.

Segundo Bates (2006), dentre as justificativas empíricas para o aprofundamento dos estudos sobre os submercados residenciais está o fato de que todos esses submercados estariam interconectados e inter-relacionados, tanto do ponto de vista da oferta quanto do ponto de vista da demanda. Diante da interpretação dos escritos de Bates, entende-se que qualquer legislação, política pública ou iniciativa privada que venha a interferir sobre a qualidade ou a quantidade da oferta de um segmento do mercado específico poderá desencadear reações em todos os outros segmentos. Em igual medida, uma política de crédito que venha a interferir na capacidade de pagamento de indivíduos de um determinado estrato de renda, na medida em que altera o poder de compra da demanda, poderá também definir o modo como a oferta é recebida pelos consumidores de espaços residenciais, tanto por aquele estrato de renda específico a que se destina a política de crédito, quanto por outros estratos de renda que compõem a demanda habitacional como um todo.

Para expor a interconectividade entre os submercados residenciais129, assim como os

efeitos em cadeia quando se interfere em cada um deles, a autora apresenta um exemplo a partir das reflexões sobre o que poderia acontecer no caso da erradicação de casas em estado próximo

129 nesse ponto delimitados apenas segundo a substitutibilidade de unidades habitacionais com características semelhantes

à ruína130. No caso, segundo Bates, as políticas públicas de erradicação ou de melhoramentos

das moradias muito precárias, destinadas às classes de baixíssimo rendimento, levam à erradicação momentânea desse segmento de oferta de moradias. Em reação a essa intervenção, as edificações de um nível de qualidade imediatamente superior àquelas que acabaram de ser “suprimidas do mercado” podem ser, deliberadamente, “pioradas” – subdivididas ou ter a sua manutenção negligenciada – por parte dos seus proprietários, para atender essa demanda com limitada capacidade de pagamento131.

Esse exemplo que, com certa contextualização, pode ser “transposto” para a realidade brasileira, leva a inferir que congelar os preços dos aluguéis das habitações de baixa qualidade, levando os rentistas urbanos a redirecionarem a sua atuação, ou diminuir a oferta de habitações de baixa qualidade (com a demolição de imóveis em ruína ou com a erradicação de assentamentos informais, por exemplo) enquanto a demanda por essas permanece constante, excluiria uma “camada” da oferta habitacional: aquela do mais baixo “nível de qualidade” ocupada pelos trabalhadores urbanos132.

A exclusão dessa camada mais baixa poderá criar novas “pressões” sobre os imóveis que antes se configuravam como a camada do nível de qualidade imediatamente superior àquela que foi suprimida. Diante dessa supressão, esses imóveis passam a compor a camada de oferta residencial de mais baixa qualidade – aquela voltada para os segmentos de mais baixa renda – e os seus proprietários, que tenderiam a buscar minimizar os custos de manutenção, podem passar a negligenciar a manutenção daqueles imóveis destinados a aluguel ou, ainda, percebendo a alta na demanda por unidades baratas, subdividir uma unidade maior em múltiplas unidades.

Dessa maneira, imóveis de qualidade moderada, destinados a consumidores de renda um pouco mais elevada, poderão ter uma diminuição de qualidade proposital desencadeada pela interferência na oferta – no estoque de imóveis destinados a um outro segmento do mercado –, transitando para a destinação de consumo por outras faixas de renda. Por outro lado, entretanto, pode ainda haver um encarecimento nos preços praticados nesse mercado remanescente de

130 Dilapidated houses, do original em inglês.

131 O exemplo a seguir não se trata de uma tradução. Embora baseado essencialmente no exemplo de Bates, foi necessário fazer algumas adaptações para que o exemplo fornecido tivesse alguma adesão à realidade conhecida brasileira. O texto original da autora é “Decreasing the supply of low quality housing while demand for it stays constant creates pressures on prices at the low end of the market; these higher prices induce downward conversions of properties by owners seeking to minimize maintenance costs while capturing the now relatively higher prices for low quality housing. Some areas of moderate quality housing will decline in quality, an effect likely not sought by planners”.

132 O termo “nível de qualidade” cunhado por (1973) pode encontrar equivalências, nesse caso, na “camada da oferta habitacional”.

habitações de baixa qualidade, dada a maior escassez na oferta.

Essa dinâmica pode contribuir para elucidar as bases dos processos de encortiçamento133

das edificações que, hoje, tem reconhecido valor histórico nas áreas centrais. Esse encortiçamento é aqui entendido como a subdivisão de uma antiga unidade habitacional, geralmente ocupada por uma família de renda média, em múltiplas unidades – sejam elas voltadas para o aluguel sob a administração de um senhorio, sejam elas ocupadas de maneira mais desordenada. O encortiçamento e o surgimento de pensões naquelas edificações construídas, originalmente, para abrigar o uso residencial unifamiliar estão relacionados, presumivelmente, à localização privilegiada que representam as áreas centrais tradicionais para diversas modalidades de trabalhadores e à “pressão” exercida sobre esses imóveis, os quais antes se configuravam como uma camada de oferta nível de qualidade imediatamente superior àquela camada de imóveis que foi, por uma política pública ou por uma dinâmica de mercado específica, suprimida.

A escassez de alternativas habitacionais para as camadas de baixa e baixíssima renda nas áreas centrais134 poderia estar relacionada a legislações de veto às moradias coletivas nas

áreas centrais ou mesmo à supracitada Lei do Inquilinato, que culminou com o congelamento de preços e com o redirecionamento dos interesses dos rentistas urbanos. Também às políticas de erradicação de mocambos e de moradias precárias nessas áreas, como aquelas que existiram no Recife, sem políticas habitacionais consistentes que pudessem prover a habitação para as populações deslocadas, poderia estar relacionada ao encortiçamento de edificações históricas.

No contexto brasileiro e, mais especificamente, no Recife, as políticas de erradicação das habitações precárias, embora possam ter sido apresentadas como políticas de atendimento a demandas sociais, raramente foram acompanhadas de uma política de provisão habitacional que viesse a compensar o número de moradias demolidas. A exemplo disso, a primeira iniciativa para a erradicação dos mocambos no Recife, a Liga Social Contra o Mocambo, que posteriormente assumiu a denominação de Serviço Social Contra o Mocambo, foi responsável pela demolição de 14.597 mocambos, entre 1939 e 1945, e pela construção de apenas 6.173 novas unidades habitacionais. Grande parte desses mocambos estavam situados na área central, próximos aos postos de trabalho.

Estima-se que ¼ da população total da cidade do Recife fora deslocada durante as ações do programa. Não é difícil perceber a enorme disparidade entre os despejos e as construções: para cada três mocambos demolidos, construía-se

133 aqui entendido como a subdivisão de uma antiga unidade habitacional em múltiplas unidades voltadas para o aluguel.

apenas uma casa. Assim, restaram cerca de 42.120 pessoas sem casa depois destas ações de cunho "social". De qualquer forma, a Liga representou uma iniciativa inédita de política habitacional e contribuiu decisivamente para a transformação da paisagem da Cidade do Recife (Revista SSCM.Arquivo Público Estadual Jordão Emereciano -Pernambuco. Disponível em http://www.urbanismobr.org/bd/documentos.php?id=156)

Às mais de 40 mil pessoas que se viram desalojadas ante a demolição de suas antigas