• Nenhum resultado encontrado

4 DINÂMICA HABITACIONAL, MERCADO IMOBILIÁRIO E PRODUÇÃO

4.4 Área central tradicional: nova fronteira para a promoção imobiliária?

4.4.2 Potencialidade de atuação do setor imobiliário residencial

Na área central do Recife se faz marcante a presença de terrenos e de lotes com estruturas edificadas de fácil substituição, que poderiam ser considerados, em primeira instância, a partir de uma abstração analítica201, como lotes com grande potencial de

transformação de uso e de padrão construtivo. Tais lotes estariam relativamente aptos a dar suporte a novos ciclos de produção capitalista de espaços – inclusive de espaços residenciais. Quando considerados os terrenos e aqueles lotes ocupados por galpões, galpões desativados e postos de gasolina, somam-se 107,97 hectares de lotes com relativa potencialidade de atuação imobiliária na área central do Recife, espacializados conforme ilustra o mapa a seguir.

200 A não aplicabilidade de instrumentos urbanísticos que poderiam mitigar as “perdas econômicas” dos proprietário de imóveis mais antigos também é um fato relevante na composição dessas tensões.

201 Trata-se de uma abstração analítica porque foram analisados os dados de lotes disponibilizados pela prefeitura do Recife com ano base de 2014, sem considerar a situação fundiária, a legalidade das propriedades e sem analisar a veracidade das informações.

Figura 39 - Mapa da área central com lotes com potencial de transformação imobiliária: terrenos, galpões e postos de gasolina.

Fonte: Dados do Shape (PCR, 2014). Elaboração própria.

Comparativamente às demais regiões, é grande a proporção de áreas com grande potencial de transformação na RPA1, conforme demonstram o mapa e a tabela a seguir.

Figura 40 - Mapa do Recife com lotes com potencial de transformação imobiliária: terrenos, galpões e postos de gasolina.

Fonte: Dados do Shape (PCR, 2014). Elaboração própria.

RPA 1 RPA 2 RPA 3 RPA 4 RPA 5 RPA 6

Tabela 8 -Área total, área continental, área com lotes ocupados por galpões, postos de abastecimento e terrenos e percentual da área de lotes com potencial de transformação construtiva em relação à área continental de cada umas das RPAs e do Recife

Região RPA 1 RPA 2 RPA 3 RPA 4 RPA 5 RPA 6 RECIFE

Área Total * 1.525,07 1.480,69 7.867,54 4.208,54 2.990,96 4.219,90 22.292,71

Área continental * 1.166,41 1.471,63 7.792,19 4.069,29 2.959,44 3.732,42 21.191,39

Área de lotes com uso de Galpão * 45,95 6,65 52,08 333,89 41,95 92,6 638,08

Área de lotes com uso de Postos de

Abastecimento * 0,87 0,1 0,78 1,05 0,38 2,02 5,2

Área de Terrenos * 61,14 0 0 0 0 0 0

Área de lotes com potencial de

transformação * 107,97 6,75 52,86 334,93 42,33 94,62 433,85

Percentual da área de lotes com potencial de transformação construtiva em relação à área continental da RPA

9,26% 0,46% 0,68% 8,23% 1,43% 2,54% 2,05%

Fonte: Dados do shape (PCR,2014). Classificação e tabulação própria.

Em se tratando do Recife como um todo, com base nessas aproximações, é possível afirmar que a RPA1 possui cerca de 17% dos lotes com grande potencial de reconversão de uso e transformação imobiliária da cidade, como demonstra a tabela abaixo.

Tabela 9 - Área de lotes de uso com grande potencial de transformação de cada uma das RPAs e Percentual de participação da RPA nos lotes com grande potencial de transformação do Recife

Localidade RPA 1 RPA 2 RPA 3 RPA 4 RPA 5 RPA 6 RECIFE

Área de lotes de uso com grande potencial de transformação

107,97 6,75 52,86 334,93 42,33 94,62 639,45

Percentual de participação da RPA nos lotes com grande potencial de transformação do Recife

16,88% 1,06% 8,27% 52,38% 6,62% 14,80% 100,00%

Fonte: Dados do shape (PCR,2014). Classificação e tabulação própria.

Tais lotes com grande potencial de transformação imobiliária na RPA1 estão concentrados nos bairros de São José, Santo Amaro e Bairro do Recife. Sendo o Bairro do Recife alvo de maior rigor preservacionista, é possível afirmar que, hoje, os bairros de São José – excluídas as ZEPHs nele inseridas – e de Santo Amaro são aqueles que teriam o maior potencial de transformação, seja para produção de novos imóveis residenciais, seja para produção de espaços com outras finalidades. Não sem razão, são nesses dois bairros que estão localizados os empreendimentos de maior área contínua anunciados para o centro expandido do Recife – o Novo Recife (São José, frente d’água) e a Vila Naval (Santo Amaro, também frente d’água) – além de uma variada gama de novos empreendimentos residenciais (concluídos a partir de 2009 ou em construção) que se caracterizam pela tipologia edilícia contemporânea, verticalizada, semelhante àquela que se produz em outros bairros fora do centro do Recife.

Figura 41 - Mapa da área central com as áreas com grande potencial de transformação imobiliária

Fonte: Dados do shape de lotes da Prefeitura do Recife classificados a partir da identificação de lotes com terrenos, galpões, galpões desativados e postos de gasolina. 2014. Formatação própria.

Essa singular conjunção de fatores na escala local – fragmentação das áreas de preservação histórica, grande disponibilidade de terrenos e de lotes ocupados por edificações de fácil substituição e favorecimento da legislação urbanística para a produção de edifícios verticalizados (alto coeficiente de utilização, sobretudo nas áreas de ZEDE) – torna o centro do Recife uma área fértil para a implantação de novos empreendimentos imobiliários.

Quando analisados os dados referentes aos novos imóveis residenciais no Recife, é digna de nota a crescente participação relativa desse centro (RPA1) nas transações de compra e venda nos lançamentos imobiliários da cidade. Conforme demonstram os gráficos a seguir, até meados da década de 2000, era inexpressiva a participação da área central recifense no total das transações e dos lançamentos na cidade, situação que se alterou ao ponto de, em 2014, ser a RPA1 responsável por 24% dos imóveis transacionados na cidade.

São José Santo Amaro

* Novo Recife

Gráfico 12 -Unidades habitacionais vendidas por Região no Recife de 2000 a 2014

Gráfico 13 - Unidades habitacionais lançadas por Região no Recife de 2000 a 2014

Fonte: Dados dos relatórios mensais do Índice de Velocidade de Vendas 2000 – 2014. Ademi. Fiepe. Tabulação própria.

Como foi ilustrado em uma linha do tempo no capítulo anterior, o Recife promulgou uma lei restritiva ao adensamento construtivo na área nobre da Região Noroeste-RPA3 (Lei dos 12 bairros) no ano de 2001202, e aprovou uma elevação do coeficiente construtivo em alguns

setores do seu Centro Expandido no ano de 2008 (de 3 para 5,5 na frente d’água e quarteirões lindeiros do bairro de Santo Amaro203). Paralelamente, no contexto nacional, em 2009, o

programa Minha Casa Minha Vida anunciou novas alternativas de crédito para os promotores imobiliários e para os que almejavam se tornar consumidores de habitações. Não se pode, portanto, deixar de relacionar o número crescente de lançamentos imobiliários na RPA1 e a crescente participação dessa região no quantitativo de imóveis transacionados no Recife a esses fatores conjunturais, que podem ter condicionado a produção dessas novas espacialidades residenciais.

Como mencionado, Lacerda, em estudo sobre o mercado imobiliário do Recife concluído em 1993, afirma que, no período de atuação do BNH, não havia uma produção relevante de novas unidades habitacionais naquela região que hoje se denomina de centro expandido da cidade. Diante do quadro que então se apresentava, a área chegou a ser caracterizada pela autora como um submercado, que não mereceu, à conta da sua falta de dinamicidade, uma análise mais pormenorizada. Como ressalta Lacerda ainda nesse estudo,

202 fato que direcionou a atuação imobiliária para os bairros circunvizinhos onde permaneciam altos os coeficientes construtivos

203 Outra “vantagem” para o setor imobiliário residencial é que a área do estacionamento no pavimento semi- enterrado não é computada como área construída dentro desse coeficiente de aproveitamento. Ela pode ser construída como somatório ao já alto coeficiente de aproveitamento.

eram as habitações localizadas nos bairros das Graças, Espinheiro e Derby204, todos abarcados

pelas novas restrições da Lei dos 12 bairros, aquelas que naquele momento mais se apropriavam de uma condição de “localização central”205 no âmbito da percepção e da valorização dos

atributos habitacionais por parte de um segmento de consumidores residenciais. No caso, segundo a autora, embora os referidos bairros não estivessem localizados na área central institucionalizada, e sim no seu entorno, a sua valorização habitacional por parte de consumidores de renda média estava relacionada a sua localização estratégica em relação ao centro206. É possível pressupor, portanto, que a crescente restrição ao adensamento construtivo

e à verticalização nos 12 bairros seja um fator de direcionamento da promoção imobiliária para outros bairros, antes preteridos pelos grandes promotores da cidade, incluindo aqueles da área central.

É possível afirmar ainda que a retomada do interesse pela a área central tradicional do Recife para a produção de novas espacialidades residenciais se delineava desde meados da década de 2000. Na época, já se expressava, por meio de alguns projetos de intervenção urbanística e de projetos arquitetônicos, uma intenção de transformação do ambiente construído e da paisagem dessa área central. A aprovação, na frente d’água do Cais José Estelita, do polêmico projeto das torres de apartamentos denominadas Pier Duarte Coelho e Pier Maurício de Nassau, que viriam a alterar de forma marcante a paisagem do bairro de São José, abriram um precedente de produção de novas espacialidades residenciais para uma demanda de rendimento notadamente mais alto do que aquele dos residentes do bairro. Posteriormente, ainda no ano de 2006, o Governo de Pernambuco lança o Projeto Complexo Turístico-cultural Recife-Olinda – um plano multitemático de “regeneração urbana” que pretendia “transformar completamente a frente atlântica entre os centros históricos das duas cidades pernambucanas”, atuando em um trecho de 8 Km da orla, desde a “Colina Histórica de Olinda até o Parque da

204 Distam, respectivamente, 1,8 km, 1,6 km 1,7km da Universidade Católica de Pernambuco, localizada na Rua do Príncipe no bairro da Boa Vista, no centro do Recife.

205 Devido à proximidade desses a área central em si

206 Outras áreas da cidade, como é o caso daquele que a autora denomina como Conjunto urbano Casa Forte, muito mais distante da área central, passam por uma valorização habitacional motivada pela atribuição de valores simbólicos. Segundo a autora, o caráter bucólico dos bairros de Casa Forte, Monteiro e Apipucos, os quais distam, respectivamente, 5 km, 6,5 km e 7,5 km da Universidade Católica de Pernambuco, associado à presença de áreas arborizadas, remeteria a uma ritmo de vida mais calmo e semelhante àquele das cidades do interior, permitindo aos seus moradores um distanciamento do ritmo frenético e agitado, do consumismo e dos “vícios da cidade grande”. Embora distantes do centro, o Conjunto urbano Casa Forte está precisamente bem localizado em relação ao Campus da Universidade Federal de Pernambuco e à alguns outros postos de trabalho fora do centro, como é o caso da Fundação Joaquim Nabuco. Alguns dos entrevistados pela autora ainda exercem a sua atividade da sua própria “casa-ateliê”, o que indica que a relação de proximidade casa-centro não deva ser prioritária no âmbito das necessidades habitacionais dos indivíduos entrevistados.

ex-Estação Rádio Pina, no Recife”207. Segundo Rolnik, à época Secretária Nacional de

Programas Urbanos do Ministério das Cidades, "o plano é inovador por superar a forma setorial e burocrática de se fazer projetos urbanísticos".

A área, diagnosticada como degradada ou ocupada de forma rarefeita, passará por uma requalificação urbana que prevê a articulação das frentes de água com pontos estratégicos e o fortalecimento da rede cultural e turística da região. A inclusão sócio-territorial das populações carentes também é contemplada pelo plano, que pretende requalificar assentamentos informais (Fonte: http://au17.pini.com.br/arquitetura-urbanismo/149/projeto-urbanistico- recife-olinda-26571-1.aspx acesso em 01/12/2017).

Outra grande inovação esboçada pelo projeto foi a prerrogativa de buscar parcerias privadas para a promoção dos novos empreendimentos. Naquele momento, apesar de inconclusas, as “torres gêmeas do cais de Santa Rita” já são incorporadas como parte da paisagem nas simulações volumétricas para as intervenções propostas para o Cais José Estelita. Tais simulações, diga-se de passagem, despertaram fortes críticas no meio acadêmico local e na sociedade civil, que enxergaram no projeto uma ameaça à paisagem histórica da área. Por diversos motivos que não cabe aqui investigar, o projeto que teria início de implantação em 2007, não foi viabilizado.

Ao final de 2008, a aprovação do Projeto Novo Recife, às vésperas da aprovação do novo Plano Diretor do Recife, deixa clara a intenção de alguns agentes produtores do espaço de promover a construção de novos imóveis residenciais na área central tradicional do Recife. Esse projeto, do Consórcio Novo Recife, composto pelas empresas Ara Empreendimentos, GL Empreendimentos, Moura Dubeux Engenharia e Queiroz Galvão, por ter sido submetido à aprovação antes da promulgação da revisão do Plano Diretor de 2008, está submetido aos coeficientes de utilização e às diretrizes de ocupação do solo da Lei de Uso e Ocupação do Solo de 1996. Diferentemente da proposta anterior – Complexo Turístico-Cultural Recife-Olinda – esse é um projeto privado de intervenção a partir da construção de torres de apartamento e comércio/serviços e qualificação de espaços públicos em uma área restrita, de aproximadamente 10,1 hectares, sem abrangência urbanística para além do bairro de São José.

207 As diretrizes urbanísticas e as estratégias de implementação do projeto foram elaboradas em conjunto pelos governos federal e estadual e pelas prefeituras de Recife e Olinda, além de contar com a participação e com a consultoria da Organização Social Núcleo de Gestão do Porto Digital e da empresa pública portuguesa Parque Expo

Figura 42 - Simulação para a frente d'água do Bairro de São José pelo Projeto Complexo Turístico-Cultural Recife-Olinda

Fonte: Encartes sobre o Projeto Recife-Olinda com destaque para a simulação das torres para o Cais José Estelita. 2006

Figura 43 - Simulação para a frente d'água do Bairro de São José pelo Projeto Novo Recife pelo Consórcio Novo Recife. Fonte: Encarte publicitário do Consórcio Novo Recife com simulação das torres para o Cais José Estelita. 2008

Menos polêmicos mas, muitas vezes, não menos destoantes da tipologia edilícia do entorno imediato, outros empreendimentos de edifícios residenciais começam a surgir na área central tradicional recifense, no entorno imediato das zonas de preservação ou, como já foi ressaltado, incrustados nas zonas de preservação ambiental. Alguns dos muitos empreendimentos residenciais que surgiram e foram anunciados para a área central nos últimos dez anos estão ilustrados e espacializados na imagem a seguir.

Figura 44 - Localização dos empreendimentos imobiliários residenciais construídos a partir de 2009 e anunciados na área central do Recife.

Fonte: encartes publicitários e acervo próprio. Formatação própria.

Os novos empreendimentos residenciais finalizados208, lançados e em obras representam

um acréscimo de 2.845 novas unidades habitacionais. Considerando que a Região apresentava, em 2010 (IBGE, 2010), 29.256 domicílios, as novas unidades habitacionais representariam um crescimento relativo de 9,72% no número de domicílios no período de uma década. As novas unidades habitacionais poderiam abrigar, aproximadamente, 7.600 novos residentes209 nessa

região que, entre 2000 e 2010, não teve praticamente nenhum crescimento na sua população residente210.

208 Três dos empreendimentos finalizados tem Habite-se de 2009 e um tem Habite-se de 2017.

209 Considerando a densidade de habitantes por domicílio da RPA1 de 2,67 (IBGE, 2010), multiplicou-se o número de unidades habitacionais novas pela densidade de moradores por domicílio, chegando-se a 7.596,15 novos habitantes.

210 A RPA1, como foi dito, apresentava 78.098 habitantes em 2000 e 78.114 habitantes em 2010, o que significa um crescimento populacional de 16 habitantes em 10 anos.

Diante desses dados, seria possível afirmar que a promoção habitacional de novas espacialidades residenciais na área central tradicional do Recife é, em certa medida, uma aposta que não está isenta de riscos. Resta analisar se poderá existir, a partir da nova dinâmica habitacional que se delineia para essa área, o seu reposicionamento na divisão social, econômica e simbólica dos espaços residenciais da cidade. E, caso a área central venha a se viabilizar enquanto “localização residencial privilegiada”, cabe ponderar como se dará a relação entre as dinâmicas de consumo dos imóveis novos e dos imóveis usados, estejam eles inseridos ou não nos setores de preservação.

Caberia questionar se existe, de fato, a demanda para mais de 2.500 novas unidades habitacionais nessa área central mantendo-se a ocupação de todos os imóveis que hoje tem uso residencial na área, o que significaria a chegada de novos residentes à área central provenientes de outras localidades, ou se parte desses imóveis seriam ocupados por indivíduos que já residem nessa área, os quais se sentem impelidos, diante das novas alternativas ofertadas, a consumir um novo imóvel. Nesse segundo caso, qual seria a lógica sucessória de moradores para o estoque edificado mais antigo já que, como bem ressalta Jacobs, “o tempo transforma os prédios de alto custo para uma geração em pechinchas na geração seguinte”? (JACOBS, 2000, p. 209). Todos esses questionamentos subsidiam a compreensão dos mecanismos de definição dos submercados residenciais na área central tradicional, reconhecendo a heterogeneidade do seu estoque edificado e as múltiplas espacialidades habitacionais ali presentes, e apresentam as bases para a compreensão da lógica exposta pelos principais agentes que, efetivamente, participam da sua dinâmica imobiliária – os ofertantes e consumidores de imóveis residenciais. Esse é o tema do próximo capítulo.