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FUNDAMENTOS TEÓRICOS

2.3 Confronto com a prática

Tardif (2002) afirma que os saberes são constituídos individualmente, com histórias e aprendizados provenientes de diversas fontes. O caminho para a formação pessoal e profissional e as convivências no exercício da profissão caracterizam os saberes e o exercício de cada um deles.

O estudo sobre a formação docente de Tardif (2002) aponta para o desenvolvimento das atividades enquanto docentes provêm da formação inicial, porém os saberes dos professores não se referem somente ao que aprenderam durante os anos da graduação. O docente recém-formado se torna professor por meio do aprendizado de saberes integrados às disciplinas da graduação e saberes pré-existentes, constituídos na sua formação pessoal, com interações familiares e com outros sujeitos. São saberes marcados pelas vivências do professor ao longo da vida.

O autor indica, ainda, que o professor constitui saberes de diferentes naturezas, por meio de práticas e na associação dos saberes pré-existentes ao contexto de trabalho. Esses saberes são reunidos na complexidade do indivíduo mas também estão relacionados às condições de trabalho. O autor afirma que o primeiro fio condutor da compreensão do saber docente é que esse saber está intimamente comprometido com o exercício profissional nas

instituições e, especificamente, nas salas de aula. Nessa compreensão, Tardif (2002) elabora um quadro, abaixo demonstrado, que busca identificar e classificar os saberes dos professores.

Quadro 5: Os saberes dos professores

Saberes dos professores Fontes da aquisição Modos de integração no trabalho docente

Saberes pessoais dos professores A família, o ambiente de vida, a educação no sentido lato, etc.

Pela história de vida e pela socialização primária.

Saberes provenientes da formação escolar anterior

A escola primária e secundária, os estudos pós-secundários não especializados, etc.

Pela formação e pela socialização pré-profissionais.

Saberes provenientes da formação profissional para o Magistério

Os estabelecimentos de formação de professores, os estágios, os cursos de reciclagem, etc.

Pela formação e pela socialização profissionais nas instituições de formação de professores.

Saberes provenientes dos programas e livros didáticos usados no trabalho

A utilização das “ferramentas” dos professores: programas, livros didáticos, cadernos de exercícios, fichas, etc..

Pela utilização das “ferramentas” de trabalho, sua adaptação às tarefas.

Saberes provenientes de sua própria experiência na profissão, na sala de aula e na escola.

A prática do oficio na escola e na sala de aula, a experiência dos pares, etc.

Pela prática do trabalho e pela socialização profissional.

Fonte: Saberes docentes e formação profissional (TARDIF, 2002, p.215).

O quadro 5 aponta que os saberes docentes habitam na confluência de vários saberes oriundos da sociedade, da instituição escolar, dos outros atores educacionais, das universidades, etc. Em virtude dessa multiplicidade, é válido afirmar que os elementos que constituem o trabalho docente e as fontes de origem do saber-fazer fazem do saber dos professores um saber social.

Nessa mesma perspectiva, o autor salienta que é no início da carreira que a estruturação do saber experiencial é mais forte e importante, pois está ligada à experiência de trabalho. A experiência inicial vai dando progressivamente aos professores certezas em relação ao contexto de trabalho, possibilitando, assim, a sua integração ao ambiente de trabalho, ou seja, à escola e à sala de aula. Ela vem também confirmar a sua capacidade de ensinar; revelando que os saberes dos professores têm ligação com as condições sociais e históricas nas quais ele exerce sua profissão e, precisamente, as condições que estruturam seu próprio trabalho. Essa afirmação nos permite refletir sobre os contextos de atuação dos

professores iniciantes e suas condições de trabalho nas instituições, em que a vivência em cada contexto e situação implica diferentes processos de mobilização de saberes.

Segundo André, Calil, Martins, Pereira (2017, p.509):

Cabe-nos refletir, mesmo que brevemente, sobre o papel desses atores escolares, que chamaremos de “outros”, na constituição da profissionalidade docente dos professores, pois a constituição social e profissional do sujeito professor não se dá no vazio, pelo contrário, é um processo permeado por relações com o outro.

As autoras nos instigam a refletir sobre as ações que são realizadas nas unidades escolares, onde é necessário que esse professor tenha acolhimento, planejamento e monitoramento, para que sua inserção seja realizada de forma harmoniosa e tranquila com os pares. As autoras nos revelam que existem alguns aspectos que afetam a profissionalidade de professores iniciantes, a saber:

A relação com os pais dos alunos nem sempre se dá de forma harmoniosa, existindo muitos conflitos, principalmente quando se fala na expectativa das partes e não é atingida, abordando fatos de contexto cultural e envolvimento dos familiares. Os professores iniciantes, nesse contexto, possuem grande dificuldade ao lidar com os pais dos alunos, por eles não acreditarem na competência desses profissionais

para educar seus filhos. Essa necessidade de aprovação de seu trabalho gera uma cobrança recíproca entre eles.

A relação com coordenadores, gestores e com as normas da instituição escolar revela aspectos em que o professor atua na constituição de sua profissionalidade e também a sua participação na estrutura escolar, currículos, horários, normas disciplinares, rotinas, elementos esses que configuram a sua relação cotidiana. O apoio da equipe gestora se faz muito importante para os professores iniciantes, com devolutivas pedagógicas sobre o trabalho realizado em sala de aula e avaliações sobre o seu desenvolvimento profissional em contexto escolar.

Por fim, as autoras descreveram um último aspecto, a relação com o aluno, um forte

estruturante da ação docente. Nesse, o contato com o aluno em sala é o que garante a

interação com a realidade escolar e com as questões que a envolvem, permitindo a reflexão de suas práticas, revendo suas formas de atuação.

Conforme define Marcelo Garcia (2009, p.5), [...] ‘poucas profissões se caracterizam por maior solidão e isolamento”. Essa confirmação é dada por diversos professores iniciantes, quando dizem que a solidão se faz presente na realização de seu trabalho docente.

Sob esse aspecto André, Calil, Martins e Pereira (2017. p.517), ressaltam que:

Ao interagir com o aluno, os professores se deparam com os desafios que o cercam o processo de apropriação de conhecimentos e com as formas e estratégias próprias de cada um para aprender. As necessidades de aprendizagem dos alunos mobilizam a reflexão, por parte dos professores, acerca dos ritmos diferentes, das características e da história de cada aluno e os levam a buscar formas próprias de ensinar, de modo a conseguir êxito na aprendizagem.

Poucas as profissões necessitam se adaptar ao contexto para a realização de seu trabalho, todavia o professor tem que se adequar a cada dificuldade de aprendizagem, a cada necessidade e ritmo diferente, desafiando-se a cada momento em suas formas de ensinar.

As relações descritas pelas autoras vieram sintetizar que os desafios enfrentados pelos professores iniciantes são constantes e postos no dia a dia da sala de aula e da escola. Em função disso, além do conhecimento já obtido em sua formação inicial, outros saberes e aprendizagens são adquiridos no início da carreira, os quais muitas vezes não são explorados tampouco discutidos ao longo de sua trajetória profissional.