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4. O CAMINHO TRILHADO: entre dificuldades e conquistas

4.2. A tomada de decisão

4.2.1. O Conhecimento

O conhecimento é fundamental, pois ninguém pode ensinar o que não sabe. Vários são os autores que tratam da temática do conhecimento, sendo que Grossman (1990) identifica o conhecimento pedagógico geral como ponto integrante do Modelo do Conhecimento do Professor, o qual é constituído pelo conhecimento geral, crenças e competências relacionadas com o ensino (os alunos, o próprio processo de ensino, gestão da aula/turma, instrução, entre outros). Já John Dewey (1859-1952)12, em 1902, defendia que o conhecimento que um professor apresenta tem que ser diferente do conhecimento de um cientista, pois enquanto o cientista pretende criar novos conhecimentos na sua área o professor pretender auxiliar o aluno a aprender a matéria da sua disciplina.

Shulman (1986), por seu lado, distingue três categorias de conhecimento: (1) o conhecimento do conteúdo, (2) conhecimento pedagógico do conteúdo e o (3) conhecimento curricular.

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O conhecimento do conteúdo refere-se à quantidade e organização do conhecimento do professor. Neste quadro, os professores devem ser capazes de definir as verdades para os seus alunos num determinado assunto, bem como explicar a importância de determinada temática, isto é, a razão de valer a pena de ter conhecimento acerca dele, e como esse assunto se relaciona com outras disciplinas. O mesmo autor refere, ainda, que não basta ao professor saber que algo é assim, mas importa também perceber porque é que é assim, em que razões se baseia.

O conhecimento pedagógico do conteúdo vai além do conhecimento do conteúdo pois eleva o objecto de conhecimento para a dimensão do ensino. Segundo Rink (1993), o professor além de necessitar de um bom conhecimento do conteúdo, também necessita de um conhecimento pedagógico do conteúdo. Isto porque não existe uma representação da matéria que seja suficientemente poderosa e imbatível. Assim, o professor deve possuir uma panóplia variada de formas de representação, onde algumas derivam da investigação na área e outras são originadas pela experiência oriunda da prática. Por conseguinte, exige-se que o professor saiba expor a matéria para aos outros, não basta que a saiba apenas para si. Shulman (1986) acresce, referindo que o conhecimento pedagógico do conteúdo é o tipo de conhecimento que distingue o professor de uma disciplina de outro especialista (não professor) dessa mesma disciplina. Neste sentido, Matos (1991, p.231) corrobora a ideia advogando que “o conhecimento do cientista é do ponto de

vista do professor manifestamente insuficiente”.

Grossman (1990) afirma que uma das quatro componentes do conhecimento pedagógico do conteúdo inclui o conhecimento e as crenças acerca dos propósitos de ensinar um conteúdo a diferentes níveis de ensino. Estas concepções globais de ensino de um conteúdo reflectem-se nos objectivos de ensino do professor de uma matéria específica. Por exemplo, um professor pode identificar como objectivo de um jogo de futebol durante uma aula o desenvolvimento do espírito de equipa e cooperação entre os colegas, enquanto que outro utiliza o mesmo exercício para o desenvolvimento das

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habilidades técnico-tácticas dos alunos. Consequentemente, estas duas perspectivas sugerem diferentes concepções do ensino do futebol.

Outra componente reporta-se ao conhecimento da compreensão dos alunos e concepções de temas particulares numa determinada matéria. Para os professores gerarem uma explicação e representação apropriada, estes devem possuir um conhecimento acerca do que os alunos já sabem sobre um determinado assunto e o que lhes será desafiante realizar.

O conhecimento pedagógico do conteúdo também implica um entendimento acerca do que torna o ensino de uma matéria fácil ou difícil, sendo, por isso, importante que o professor seja capaz de delinear estratégias específicas para os seus alunos, pois a idade e o contexto em que estes estão inseridos influenciam a dificuldade da tarefa (Shulman, 1986). Segundo Graça (1997), este tipo de conhecimento faz parte da definição da base do conhecimento para o ensino e tem um grande peso na acção do professor. Este reconhecimento é acompanhado por vários autores, tal como demonstra Graça (1997), através de um sistema de um quadro que designa de “Modelos

de Base de conhecimento para o ensino geral” (p. 48). Neste é possível

constatar que dos sete autores que constam, cinco (Shulman, 1987; Putnam, 1987; Grossman, 1990; Tamir, 1991; Cochram; DeRuiter & King, 1993) referem o conhecimento pedagógico do conteúdo como ponto integrante dos seus modelos de base de conhecimento para o ensino em geral.

Já ao nível da formação de professores, se os programas forem regularmente negligentes em relação ao ensino do conhecimento pedagógico, estão a comprometer o terceiro tipo de conhecimento, o conhecimento

curricular (Shulman, 1986). Este tipo de conhecimento reporta-se ao currículo

e as matérias associadas são a farmacopeia da pedagogia, em que cada professor se baseia para desenhar as suas ferramentas de ensino que apresentam ou exemplificam conteúdos particulares. Tal como se espera que um médico experiente conheça o máximo de tratamentos disponíveis, custos, interacções com outras intervenções, segurança ou conforto para curar determinada doença, também se espera que um professor experiente possua esse conhecimento acerca das alternativas curriculares disponíveis para a

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instrução (Shulman, 1986). Mas além do conhecimento curricular da sua disciplina, o professor também deve ter um conhecimento abrangente das outras disciplinas em que os seus alunos estão inscritos, de modo a que o professor possa relacionar a matéria de ensino que está a leccionar com as de outras disciplinas. Importa também ter o conhecimento do programa curricular da sua disciplina ao longo dos anos, não bastando ser detentor do conhecimento referente ao(s) ano(s) em que lecciona, de modo a que tenha conhecimento do que esses alunos já aprenderam e do que ainda vão aprender. Só assim a articulação vertical pode ocorrer.

O modo como se ensina a matéria aos alunos é moldado na interacção entre o conhecimento que o professor tem da disciplina que lecciona com os conhecimentos, convicções e crenças acerca do ensino e da aprendizagem, acerca dos alunos e dos contextos educativos (Graça, 1997). Assim, o processo de ensino afigura-se como algo bastante complexo, afastando-se do que George Bernard Shaw proferiu: “Aquele que consegue, faz. O que não

consegue, ensina”. Esta frase que tanto atormentou os membros da nobre

profissão de professor durante quase um século, deveria ser alterada para “Aquele que consegue, faz. O que percebe, ensina” (Shulman, 1986), pois já Aristóteles, advogou que o derradeiro teste da compreensão assenta na habilidade de transformar um conhecimento em ensino.

No documento Relatório Final de Estágio Profissional (páginas 69-72)