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2. Desenvolvimento profissional de professores: olhando mais de perto os professores

2.1 Formação de professores e o processo de desenvolvimento profissional

2.1.1 Conhecimentos necessários para ensinar

Os professores, quando ensinam, partem de aprendizagens e de saberes próprios que foram/são construídos ao longo de sua vida. Esses saberes servem de base para o ensino.

Para Shulman (1987), a base de conhecimento para o ensino refere-se principalmente ao que um professor precisa saber para ensinar. Diz Mizukami et al. (2004) que “a base de conhecimento para o ensino consiste de um corpo de compreensões,

conhecimentos, habilidades e disposições que são necessários para que o professor possa propiciar processos de ensinar e de aprender, em diferentes áreas de conhecimento, níveis, contextos e modalidades de ensino” (p.04). As autoras acrescentam que

Entre os fundamentos dessa base têm-se os diferentes tipos de conhecimento que apóiam a tomada de decisões dos professores (Shulman, 1986, 1987): conhecimento de conteúdo específico (conceitos básicos de uma área de conhecimento, que implica a compreensão de formas de pensar e entender a

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construção de conhecimentos de uma disciplina específica, assim como sua estrutura); conhecimento pedagógico geral (conhecimentos que transcendem o domínio de uma área específica e que inclui conhecimentos de objetivos, metas e propósitos educacionais; de ensino e aprendizagem; de manejo de classe e interação com os alunos; e de estratégias instrucionais, de como os alunos aprendem; de outros conteúdos; de conhecimento curricular. (p. 67)

Além desses, Shulman (1987) destaca o conhecimento pedagógico do conteúdo, que é um novo conhecimento produzido pelo professor. Para o desenvolvimento desse tipo de conhecimento o professor se apoia nos seus conhecimentos específicos e pedagógicos, tendo em vista os objetivos a atingir com seus alunos e os objetivos da escola.

O processo de transformar esse conhecimento em ensino, tendo como base o conhecimento profissional específico da docência, é denominado de processo de raciocínio pedagógico. Esse processo envolve seis elementos: compreensão,

transformação, instrução, avaliação, reflexão e nova compreensão das idéias, conceitos e

conteúdos a serem ensinados (SHULMAN, 1987, p.14-20). O autor explica que o processo de raciocínio pedagógico é uma ação que os professores desenvolvem partindo dos conhecimentos que têm, transformando o que sabem em ensino. Mizukami et al. (2004) afirmam que o processo de raciocínio pedagógico retrata “como os conhecimentos são

acionados, relacionados e construídos durante o processo de ensinar e aprender” (p.07).

Tardif (2002) também faz uma discussão sobre os conhecimentos que os professores têm acerca da docência, denominando-os de saberes11. Ele se preocupou em identificar os saberes que o professores possuem, utilizam e produzem durante suas práticas. Diz que não é mais possível considerar os professores como técnicos que aplicam conhecimentos produzidos por outrem e aponta a importância de se levar em conta a subjetividade dos professores, “isto é, (considerá-lo) um sujeito que assume sua prática a

partir dos significados que ele mesmo lhe dá, um sujeito que possui conhecimentos e um saber-fazer provenientes de sua própria atividade e a partir dos quais ele a estrutura e orienta” (TARDIF, 2002, p.230).

Tardif e Raymond (2000) explicam que os saberes ligados à docência são temporais porque se constroem de uma forma progressiva ao longo da carreira. Esses saberes servem de base para o ensino e têm sua origem em diversas fontes: formação

11 Embora ciente dos apoios teóricos de Shulman e Tardif e dos objetivos diferentes de seus estudos

consideramos que seus posicionamentos são mais complementares do que conflituosos. Por isso adotamos os dois como base teórica.

48 inicial e continuada, currículo e socialização escolar, conhecimento das disciplinas, experiência na profissão, cultura pessoal e profissional, aprendizagem com os pares (p. 212). Esses saberes se formam em diferentes tempos e lugares e muitas vezes não são produzidos conscientemente e de forma intencional. Dizem eles que

(...) se pode constatar que os diversos saberes dos professores estão longe de serem todos produzidos diretamente por eles, que vários deles são de certo modo “exteriores” ao ofício de ensinar, pois provêm de lugares sociais anteriores à carreira propriamente dita ou fora do trabalho cotidiano. (p.215)

Para Tardif (2002), é a partir de suas próprias experiências, pessoais e profissionais que os professores vão construindo seus saberes, conhecimentos, competências, práticas e estratégias de ação: aquilo que chamamos de “teoria”, de

“saber” ou de “conhecimentos” só existe através de um sistema de práticas e de atores que as produzem e as assumem” (p.235).

Tardif e Raymond (2000) elaboraram um quadro que associa os saberes dos professores (pessoais; provenientes da formação profissional para o magistério; provenientes da formação escolar anterior; provenientes dos programas e livros didáticos usados no trabalho; provenientes de sua própria experiência na profissão, na sala de aula e na escola) às suas fontes e integração ao trabalho docente.

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Fontes dos saberes dos professores e modos de integração na prática segundo Tardif e Raymond (2000, p.215)

O quadro mostra que parte dos saberes dos professores tem origem nas suas próprias histórias de vida e na sua trajetória como alunos. Nesse período os professores constroem concepções que, segundo Tardif e Raymond (2000), pouco se alteram quando concluem o curso de formação inicial.

Outros autores também consideram a influência e a importância da própria escolaridade na construção dos saberes dos professores, entre eles Marcelo Garcia (1998) e Pacheco e Flores (1999).

Para Marcelo Garcia (1998), a experiência como aluno exerce uma influência muito forte na atuação dos futuros professores. Segundo ele, os futuros professores desenvolvem suas crenças e direcionam suas atitudes tomando como base suas próprias experiências como estudantes, e os estágios realizados durante a formação profissional inicial pouco alteram essas concepções.

Pacheco e Flores (1999), por sua vez, afirmam que:

Saberes dos professores Fontes sociais de aquisição Modos de integração no

trabalho docente

Saberes pessoais dos professores

Família, ambiente de vida, a educação no sentido lato etc.

Pela história de vida e pela socialização primária Saberes provenientes da

formação escolar anterior

A escola primária e secundária, os estudos pós-secundários não

especializados etc.

Pela formação e pela socialização pré-profissionais Saberes provenientes da

formação profissional para o magistério

Os estabelecimentos de formação de professores os

estágios, os cursos de reciclagem etc.

Pela formação e pela socialização profissionais nas

instituições de formação de professores Saberes provenientes dos

programas e livros didáticos usados no trabalho

Na utilização das “ferramentas” dos professores:

programas, livros didáticos, cadernos de exercícios, fichas

etc.

Pela utilização das “ferramentas” de trabalho, sua

adaptação às tarefas Saberes provenientes de sua

própria experiência na profissão, na sala de aula e na

escola

A prática do oficio na escola e na sala de aula, a experiência

dos pares etc.

Pela prática do trabalho e pela socialização profissional

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O longo percurso de aluno permite-lhe [aos futuros professores] o contacto com um elevado número de professores que manifestam um estilo próprio de ensinar, cujos aspectos negativos e/ou positivos do seu comportamento profissional, consciente ou inconscientemente, se manifestam no momento em que o aluno se torna efectivamente professor. (p.53)

Tardif e Raymond (2000) destacam que as crenças, concepções, valores e regras aprendidas e incorporadas durante a trajetória escolar não englobam todo o saber profissional:

(...) eles tornam possível o fato de poder fazer carreira no magistério, mas não bastam para explicar em que a experiência do trabalho é também uma fonte de conhecimentos e de aprendizagem, o que nos leva agora a considerar a construção dos saberes profissionais no próprio decorrer da carreira profissional. (TARDIF e RAYMOND, 2000, p.244)

Os diversos saberes dos professores são também construídos durante o processo de socialização profissional, quando irão incorporar as pessoas, regras e valores da profissão. Nesse aspecto destacam que a carreira docente tem uma dimensão organizacional que se relaciona à especificidade da profissão, ou seja, a um cargo ocupado dentro de um espaço e a determinadas funções, mas também tem uma dimensão subjetiva que põe em destaque o sentido pessoal que os professores dão para sua atuação. Dizem Tardif e Raymond (2000) que “desse ponto de vista, a modelação de uma carreira situa-se

no ponto de encontro entre a ação dos indivíduos e as normas e papéis que decorrem da institucionalização das ocupações” (p.225).

Foram apresentados, até o momento, saberes e conhecimentos que constituem a base para professores ensinarem, o que importa nesta pesquisa visto que as EEAs têm como objetivo justamente influenciá-la, potencializando saberes e conhecimentos que os professores iniciantes têm quando ingressam no magistério e ajudando-os na construção de outros. A seguir, continuo a examinar a área de formação de professores, agora com o foco na carreira docente.

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