• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO I PRINCIPAIS FUNDAMENTOS EM CONTRACEÇÃO

QUADRO 4 MÉTODOS DE BARREIRA Preservativo Feminino

5. CONHECIMENTOS TRADICIONAIS SOBRE CONTRACEÇÃO

De acordo com Leininger, autora da Teoria dos Cuidados Culturais, toda a cultura humana é constituída por conhecimentos (de senso comum, tradicional ou nativo) e práticas relativas à saúde apreendidas, partilhadas e transmitidas, pelo que o conhecimento tradicional faz parte da cultura de cada indivíduo (Lopes, 2007; Silva & Silva, 2009).

As crenças e práticas baseadas no saber popular e em experiências empíricas são adotadas por meio da crença na ação terapêutica dos recursos utilizados, destinados à manutenção da saúde e à cura de doenças ou para ajudar em situação de morte (Leininger & Mcfarland, 2006 apud Silva & Silva, 2009).

Silva e Silva (2009) reforçam a importância do saber tradicional adquirido através de várias gerações e a forma como pode influenciar a prática contracetiva das mulheres. As autoras apresentam os resultados de um estudo numa população da Amazónia, onde um grupo considerável de mulheres, grandes multíparas, que tinham enfrentado gestações imprevistas e precoces (maioritariamente entre os 13 e os 17 anos) sem apoio familiar, desconheciam os aspetos ligados ao período menstrual e ao processo de gravidez, sendo que muitas acreditavam numa ação divina na conceção. Apesar da maior parte das mulheres não querer ter mais filhos usavam chás e remédios caseiros e tabelas sem fundamento científico como contracetivos.

Apresentam-se, seguidamente, os principais mitos e crenças que podem determinar a forma como os indivíduos encaram a contraceção e os métodos contracetivos. Posteriormente, abordar-se-á os aspetos culturais associados à saúde.

5.1. Mitos e crenças

O conceito de “mito” tem tido diversas aceções ao longo da História, de acordo com a sua evolução semântica, dos seus distintos valores e das múltiplas significações que adquiriu ao longo de diferentes usos e interpretações. Resultando da “fusão” entre a mitologia, a filosofia e a ciência, muitos historiadores e filósofos, como o caso de Sócrates, Platão, Comte e Lévi- Strauss, dedicaram-se ao estudo do seu significado para os indivíduos e para as sociedades (Cruz, n.d.; Oliveira, 2005; Furtado, 2011).

43

Por mais lendários que possam parecer, os mitos são as únicas referências que possibilitam conhecer e explicar a origem, a formação e o passado da humanidade, fazendo compreender o presente e projetar o futuro. Desta forma, os mitos servem de modelo e de referência para toda a atividade humana, possuindo uma dimensão de eficácia através do rito, isto é, o modo como o mito é posto em ação pelo indivíduo através de cerimônias, danças, orações e sacrifícios (idem).

Já na sociedade moderna, os especialistas defendem uma abordagem dos mitos muito diversa. Na tentativa de compreender a importância do mito no quotidiano das pessoas, as ciências sociais e mais propriamente a etnologia, passaram a considerar o mito como provedor de modelos para o comportamento humano, conferindo-lhe significado e valor para a existência humana (Eliade, 1986 apud Oliveira, 2005). Neste seguimento, Maciel (2000 apud Hallwass, 2003: 24) considera que “o homem não é o criador dos mitos, mas sim é este que é criado por eles”. Patai (1974: 14) reforça esta ideia afirmando que “o mito não só valida e autoriza costumes, ritos, instituições, crenças, mas também, muitas vezes, é diretamente responsável pela sua criação”.

Por sua vez, é a crença que “dá ao mito o extraordinário poder de influenciar as nossas vidas […]” pois para que “o mito exerça alguma influência sobre as pessoas, estas precisam de acreditar na verdade que o mito afirma.” (ibidem). Também Ortega y Gasset (2010: 5) refere que crenças “no son ideas que tenemos, sino ideas que somos”.

Tal como aconteceu com a palavra “mito”, também a “crença” tem tido variadíssimas interpretações ao longo da história da humanidade, apesar de perpetuar a ideia de que as crenças seriam formas inferiores de conhecimento, pelo que não mereciam reconhecimento científico. Só muito recentemente as ciências sociais, nomeadamente os estudos na área da Etnologia e da Antropologia, com enfoque numa perspetiva de diversidade cultural, vieram trazer a debate as ideias egocêntricas e hegemónicas acerca da validade da “crença” como um sistema cultural que a justifica e lhe confere sentido (Ortega y Gasset, 2010).

Anuindo que a “crença” é o ato ou efeito de crer, constituído de convicções íntimas não fundadas racionalmente, orientando o pensamento intelectual de cada indivíduo e regulando a sua vida e o seu comportamento (Ortega y Gasset, 2010; Furtado, 2011) consideramos

44

importante conhecer as crenças mais frequentes sobre a contraceção e os métodos contracetivos, bem como a sua importância na prática contracetiva da mulher/casal.

Estando a contraceção fortemente ligada à expressão da sexualidade e às relações sexuais, é importante reconhecer a influência das crenças e mitos segundo o género, exatamente porque existem diferenças nas normas de comportamento sexual entre homens e mulheres (Almeida & Vilar, 2008; Coutinho & Moleiro, 2017).

O estudo, já citado anteriormente, de Almeida e Vilar (2008) revela que as crenças masculinas recaem sobre os métodos contracetivos essencialmente masculinos, como a interferência do preservativo masculino na relação sexual e no prazer sexual e a vasectomia como castração ou diminuição da virilidade.

Relativamente ao preservativo, existem algumas diferenças entre homens e mulheres no uso deste método, bem como nas crenças e comportamentos que lhe estão associados. Os homens apresentam, habitualmente, uma menor utilização do preservativo em relações vaginais do que as mulheres, registando-se maior consistência do seu uso em relações casuais do que em relações estáveis (Gomes, 2010).

Mais recentemente, Coutinho e Moleiro (2017) descrevem os resultados de vários estudos sobre a sexualidade, realizados com adolescentes ou jovens adultos, que revelam que, apesar de existirem crenças comuns aos dois géneros, como por exemplo “com o coito interrompido é impossível engravidar”, existem crenças díspares entre homens e mulheres que influenciam os seus comportamentos sexuais, nomeadamente as atitudes e práticas face à contraceção e aos métodos contracetivos.

Como se verifica no Quadro 6, as mulheres focam essencialmente os aspetos da eficácia dos anticoncecionais orais e os seus efeitos secundários, enquanto os homens relacionam o preservativo com o prazer na relação sexual e atribuem a responsabilidade contracetiva e o seu insucesso à mulher.

45

QUADRO 6 - CRENÇAS SOBRE A CONTRACEÇÃO E OS MÉTODOS CONTRACETIVOS DE ACORDO COM O