• Nenhum resultado encontrado

3.7 Sequˆ encias em Q

4.1.1 Conjunto dos Cortes

Nesta subse¸c˜ao, definiremos qual ´e significado matem´atico para cortes e classificaremos quais cortes admitem cota superior m´ınima.

Defini¸c˜ao 4.1. Um conjunto α de n´umeros racionais diz-se um corte se satisfizer as seguintes condi¸c˜oes:

i) α 6= ∅ e α 6= Q;

ii) se r ∈ α e s < r, s ∈ Q, ent˜ao s ∈ α; iii) α n˜ao admite elemento m´aximo.

Vejamos um exemplo de conjunto que ´e um corte e outros que n˜ao satisfazem a defini¸c˜ao acima. Exemplo 4.1. O conjunto α = {x ∈ Q/x < 35} ´e um corte.

i) Como 0 ∈ α temos que α 6= ∅. Al´em disso, α 6= Q, pois 1 ∈ Q e 1 /∈ α;

ii) Seja r ∈ α e s < r (com s ∈ Q); assim, s < r < 35. Da´ı, temos s < 35. Logo, s ∈ α;

iii) Suponhamos que exista um elemento m´aximo em α, digamos x = max α. Da´ı, segue que r ≤ x para todo r ∈ α, ent˜ao x < 35. Atrav´es da Proposi¸c˜ao 3.11, conclu´ımos que

x < 2−1(x +3 5) <

3 5.

O que ´e um contradi¸c˜ao, visto que x = max α. Logo, α n˜ao possui elemento m´aximo.

Portanto, α ´e um corte.

Exemplo 4.2. O conjunto β = {x ∈ Q/x > 35} n˜ao ´e um corte. Note que 1 ∈ β, 0 /∈ β e 0 < 1. Portanto, β n˜ao ´e um corte.

Exemplo 4.3. O conjunto γ = {x ∈ Q/x ≤ 35} n˜ao ´e um corte. Observe que 3

5 ´e o elemento

m´aximo de γ. Este fato contraria o item iii) da Defini¸c˜ao 4.1. Portanto, γ n˜ao ´e um corte.

Exemplo 4.4. O conjunto δ = {x ∈ Q/ − 3 < x < 85} n˜ao ´e um corte. De fato, seja r = 1 ∈ δ e s = −4 ∈ Q; logo, −4 /∈ δ. Portanto, δ n˜ao ´e um corte.

Exemplo 4.5. θ = Q∗ n˜ao ´e um corte. Qualquer que seja r > 0 temos que r ∈ θ. Mas s = 0 ∈ Q, satisfaz s < r e s /∈ θ. Portanto, θ n˜ao ´e um corte.

Exemplo 4.6. ω = {1, 4,35} n˜ao ´e um corte. Note que r = 4 ∈ ω e s = 2 ∈ Q (com s < r). Todavia, 2 /∈ ω. Portanto, ω n˜ao ´e um corte.

A seguir provaremos que todo corte ´e limitado superiormente em Q. Proposi¸c˜ao 4.1. Seja γ um corte. Ent˜ao, γ ´e limitado superiormente.

Demonstra¸c˜ao. Seja γ um corte. Suponhamos, por absurdo, que γ ´e ilimitado superiormente em Q, i.e, que para cada a ∈ Q ∃ra ∈ γ, tal que a < ra. Assim, do fato que ∅ 6= γ 6= Q (item i) da

Defini¸c˜ao 4.1), temos que ∃a0 ∈ Q com a0 ∈ γ. Para a/ 0 ∈ Q, ∃ra0 ∈ γ tal que a0 < ra0. Logo,

a0 ∈ γ pelo item ii) da Defini¸c˜ao 4.1. Isto ´e um absurdo (a0 ∈ γ). Portanto, todo corte ´/ e limitado

O resultado abaixo nos mostra como caracterizar todas as cotas superiores de um corte. Proposi¸c˜ao 4.2. Seja α um corte e r ∈ Q. Ent˜ao, r ´e cota superior de α se, e somente se, r ∈ Q\α.

Demonstra¸c˜ao. (⇒) Se r ´e cota superior de α, ent˜ao r n˜ao pode pertencer a α, caso contr´ario r seria elemento m´aximo de α. Isto contradiz o item iii) da defini¸c˜ao de corte.

(⇐) Se r ∈ Q\α, ent˜ao r ´e cota superior de α, pois, caso contr´ario, haveria s ∈ α tal que r < s, o que, pelo item ii) da defini¸c˜ao de corte, obrigaria r a pertencer a α. Isto ´e uma contradi¸c˜ao.

A proposi¸c˜ao abaixo nos mostra como exemplificar alguns cortes que admitem cota superior m´ınima.

Proposi¸c˜ao 4.3. Se r ∈ Q e α = {x ∈ Q/x < r}, ent˜ao α ´e um corte e r ´e a menor cota superior de α.

Demonstra¸c˜ao. Vejamos como justificar cada item da defini¸c˜ao de corte para α. i) α 6= ∅, pois x = r − 1 ∈ α. Al´em disso, α 6= Q, pois r /∈ α e r ∈ Q.

ii) Sejam s ∈ α, t ∈ Q e t < s. Assim, t < s < r. Consequentemente, t < r. Portanto t ∈ α; iii) Suponha, por absurdo, que exista um elemento s = max α. Da´ı ter´ıamos s < r (s ∈ α)

e, portanto s < 2−1(s + r) < r. Contrariando a maximalidade de s (2−1(s + r) ∈ α e s < 2−1(s + r)). Logo, temos que α n˜ao possui elemento m´aximo.

Portanto α ´e um corte. Agora mostraremos que r ´e a menor cota superior de α. De fato, pela Proposi¸c˜ao 4.2, conclu´ımos que r ´e cota superior de α, j´a que r ∈ Q\α. Al´em disso, se s ∈ Q ´e cota superior de α e s < r, ter´ıamos s ∈ α (α ´e um corte). Assim, s seria o elemento m´aximo de α, contradizendo assim o fato de α ser corte. Portanto, r ≤ s para toda cota superior s ∈ α, isto ´

e, r ´e a menor cota superior de α.

Defini¸c˜ao 4.2. Os cortes do tipo da Preposi¸c˜ao 4.3 s˜ao denominados cortes racionais e s˜ao repre- sentados por r∗, i.e.,

r∗= {x ∈ Q/x < r}, onde r ∈ Q.

O resultado abaixo comprova que a rec´ıproca da Proposi¸c˜ao 4.3 ´e verdadeira. Proposi¸c˜ao 4.4. Todo corte que possui cota superior m´ınima ´e racional.

Demonstra¸c˜ao. Seja γ um corte com cota superior m´ınima, digamos r. Assim, x ≤ r, ∀x ∈ γ. Note que r /∈ γ; caso contr´ario r ∈ γ, ter´ıamos que r seria um m´aximo para γ. Isto ´e um absurdo de acordo com a defini¸c˜ao de corte. Logo, x < r, ∀x ∈ γ.

Afirmamos que γ = r∗. De fato, seja s ∈ r∗, ent˜ao s ∈ Q e s < r. Pela minimalidade de r, temos que s n˜ao ´e cota superior de γ. Dessa forma, ∃x0 ∈ γ tal que s < x0. Como γ ´e um corte,

ent˜ao s ∈ γ. Logo, r∗⊆ γ. Reciprocamente, se x ∈ γ ent˜ao x < r (pelo que j´a foi feito acima). Isto nos diz que x ∈ r∗. Portanto, γ ⊆ r∗. Por fim, γ = r∗, i.e., γ ´e um corte racional.

Vejamos um exemplo de um corte que n˜ao ´e racional

Teorema 4.1. Seja α = Q∗−∪ {x ∈ Q+/x2 < 2}. Ent˜ao α ´e um corte que n˜ao ´e racional.

Demonstra¸c˜ao. Primeiramente vamos mostrar que α ´e um corte. i) α 6= ∅, pois 0 ∈ α. Al´em disso, α 6= Q, pois 3 ∈ Q e 3 /∈ α; ii) Sejam r ∈ α e s ∈ Q, com s < r. Da´ı,

• se s ∈ Q∗−, ent˜ao s ∈ α;

• se s > 0, ent˜ao s2 < r2 < 2 (r ∈ α), ou seja, s ∈ α;

iii) Para cada r ∈ α ´e poss´ıvel encontrar um racional s tal que r < s (isto significa que α n˜ao possui m´aximo). De fato, suponhamos que r ∈ α. Dessa forma,

• se r ∈ Q∗

−, ent˜ao s = 1 ∈ α e r < s;

• se r > 0 e r2 < 2, tomemos h ∈ Q com 0 < h < min{1,2−r2

2r+1} (use a m´edia aritm´etica para

garantir a existˆencia de h). Seja s = r + h. Logo, s ∈ Q e r < s. Al´em disso,

s2 = r2+ 2rh + h2= r2+ (h + 2r)h.

Como 0 < h < 1, temos que

Por outro lado, como h < 2−r2r+12, chegamos a

s2 < r2+ (1 + 2r)2 − r

2

2r + 1 < r

2+ 2 − r2 = 2.

Portanto, s ∈ α. Donde, conclu´ımos que α ´e um corte.

Mostraremos agora que α n˜ao possui cota superior m´ınima (a Proposi¸c˜ao 4.4 nos diz que α n˜ao ´e racional). Os racionais que n˜ao pertencem a α s˜ao os positivos que tˆem quadrado maior ou igual a 2. Al´em disso, sabemos que n˜ao existe racional cujo quadrado ´e igual a 2 (ver Proposi¸c˜ao 3.20). Sendo assim, q ´e uma cota superior de α se q ∈ Q∗+ e q2 > 2. Mostraremos que, para cada cota

superior p, encontraremos outra cota superior q tal que q < p. De fato, seja p uma cota superior de α, ou seja, p ∈ Q∗+ e p2 > 2. Seja q = p − p2−2 2p . Assim, 0 < q < p, pois p2− 2 > 0 e q2 = p2− 2pp 2− 2 2p + p2− 2 2p 2 = 2 + p2− 2 2p 2 > 2.

Logo, q < p e q2 > 2. Como quer´ıamos demonstrar.

Para finalizar esta subse¸c˜ao acrescentaremos um nota¸c˜ao para o conjunto de todos os cortes. Defini¸c˜ao 4.3. Denotaremos por R o conjunto de todos os cortes, i.e.,

R = {α ⊂ Q/α ´e um corte}.

No documento Construção dos Números Reais e Imaginários (páginas 119-123)

Documentos relacionados