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Fatoriza¸ c˜ ao ´ Unica em Z

Nosso objetivo, nesta se¸c˜ao, ´e provar o famoso Teorema Fundamental da Aritm´etica. Este, por sua vez, fala sobre a fatoriza¸c˜ao de um n´umero inteiro em um produto de n´umeros primos.

Primeiramente, vamos definir o significado de um n´umero inteiro ser m´ultiplo de um outro. Defini¸c˜ao 2.13. Seja x ∈ Z. Os n´umeros inteiros da forma kx, k ∈ Z, s˜ao chamados m´ultiplos de x. Neste caso, tamb´em dizemos que tais n´umeros s˜ao divis´ıveis por x ou que x ´e um divisor de tais valores.

Exemplo 2.9. Os m´ultiplos do n´umero inteiro 2 s˜ao

0, ±2, ±4, ±6, ...

Defini¸c˜ao 2.14. Sejam x, y ∈ Z. Dizemos que x divide y, e escrevemos x|y, quando ∃k ∈ Z tal que y = kx, i.e, quando y ´e um m´ultiplo de x.

A seguir, apresentaremos alguns propriedades elementares envolvendo |. Proposi¸c˜ao 2.16. Sejam x, y, z ∈ Z. Os seguintes itens s˜ao verdadeiros:

i) [Reflexividade]: x|x; ii) x|y e y|x ⇒ ±x = y;

iii) [Transitividade]: x|y e y|z ⇒ x|z;

Demonstra¸c˜ao. i) Note que x = x · 1, ∀x ∈ Z. Logo, x|x. ii) Se x|y e y|x, ent˜ao ∃q1, q2 ∈ Z tais que

y = q1x e x = q2y.

Logo,

x = q2(q1x) = (q2q1)x.

Se x = 0, ent˜ao o resultado tem seguimento trivial. Assim, considere que x 6= 0. Pela lei do corte, chegamos a q2q1 = 1. Portanto, pela Proposi¸c˜ao 2.14, conclu´ımos que q1 = ±1. Por

fim, y = ±x.

iii) Se x|y e y|z, ent˜ao ∃q1, q2 ∈ Z tais que

y = q1x e z = q2y.

Da´ı,

z = q2(q1x) = (q2q1)x.

Logo, x|z (pois q0q1∈ Z).

Agora vejamos como podemos definir, precisamente, um n´umero inteiro primo. Defini¸c˜ao 2.15. Seja p ∈ Z. Dizemos que p ´e n´umero primo se

ii) d|p ⇒ d = ±p ou d = ±1 (os ´unicos divisores de p s˜ao ±p e ±1).

Um n´umero que n˜ao ´e primo ´e chamado composto.

Exemplo 2.10. 6 ´e um n´umero composto, pois 2|6. Por outro lado, 2 ´e um n´umero primo, pois os ´unicos divisores de 2 s˜ao ±1 e ±2.

Lema 2.3. Sejam p, x ∈ Z, tais que p 6= 0. Se p ´e primo e p - x, ent˜ao existem y, z ∈ Z tais que 1 = py + xz.

Demonstra¸c˜ao. Suponha, inicialmente, que p ∈ N∗. Seja X = {pa + xb ∈ N∗/a, b ∈ Z}. Como p ∈ X, pois p = p · 1 + x · 0 > 0, ent˜ao X 6= ∅. Logo, pelo Princ´ıpio da Boa Ordem em N, temos que existe d = min X. Como d ∈ X, ent˜ao

d = py + xz, y, z ∈ Z.

Vamos provar que d = 1. J´a sabemos que d ≥ 1. Suponha, ent˜ao, por contradi¸c˜ao, que d > 1. Pelo Algoritmo da Divis˜ao, temos que existem ´unicos q, r ∈ Z tais que p = dq + r, onde 0 ≤ r < d. Desta forma,

r = p − dq = p − pyq − xzq = p(1 − yq) + x(zq).

Isto nos diz que r ∈ X. Mas, 0 ≤ r < d = min X. Logo, r = 0. Com isso, p = dq. Portanto, d|p. Consequentemente, como p ´e primo e d > 1, chegamos a d = p. Analogamente, pelo Algoritmo da Divis˜ao, temos que existem ´unicos q0, r0 ∈ Z tais que x = dq0+ r0, onde 0 ≤ r0 < d. Desta forma,

r0 = x − dq0 = x − pyq0− xzq0 = p(−yq0) + x(1 − zq0).

Isto nos diz que r0 ∈ X. Todavia, 0 ≤ r0 < d = min X. Deste modo, r0 = 0. Com isso, x = dq0 = pq0.

Por fim, p|x. Isto ´e uma contradi¸c˜ao (p - x). Por conseguinte, d = 1, isto ´e,

1 = py + xz, y, z ∈ Z.

O caso p < 0 ´e trivial, pois, nesta situa¸c˜ao, −p > 0 e, da´ı,

1 = (−p)y + xz, y, z ∈ Z.

A seguir estabeleceremos uma outra maneira de caracterizar n´umeros inteiros primos.

Teorema 2.17 (Lema de Euclides). Sejam p, x, y ∈ Z tais que p 6= 0. Ent˜ao, p ´e primo se, e somente se, p|xy ⇒ p|x ou p|y .

Demonstra¸c˜ao. (⇒) Seja p primo e suponha que p|xy. Considere que p - x. Da´ı, pelo Lema 2.3, existem a0, b0∈ Z tais que 1 = a0p + b0x. Como p|xy, ent˜ao xy = pk, para algum k ∈ Z. Logo,

y = a0py + b0xy = (a0y)p + (b0k)p = [a0y + b0k]p ⇒ p|y.

(⇐) Suponha que p|xy ⇒ p|x ou p|y. Se p n˜ao ´e primo, ent˜ao ∃x 6= ±p e x 6= ±1 tal que x|p. Da´ı ∃y ∈ Z tal que p = xy. Dessa forma, p|xy. Consequentemente, p|x ou p|y. Se p|x, ent˜ao x = ±p (j´a que x|p). Isto ´e uma contradi¸c˜ao (x 6= ±p). Se p|y, ent˜ao y = ±p (j´a que y|p). Da´ı, p = ±xp. Deste modo, pela lei do cancelamento, x = ±1. Um absurdo (x 6= ±1). Por fim, p ´e primo.

O Teorema 2.17 pode ser generalizado da seguinte forma:

Proposi¸c˜ao 2.17. Sejam p, x1, x2, ..., xn ∈ Z tais que p 6= 0. Ent˜ao, p ´e primo se, e somente se,

p|x1· x2· ... · xn⇒ p|xi para algum i = 1, 2, ..., n.

Demonstra¸c˜ao. Faremos a prova por indu¸c˜ao sobre n. Seja

X = {n ∈ N∗/p|x1· x2· ... · xn⇒ p|xi, i = 1, 2, ..., n}.

Nada h´a a fazer com o caso n = 1. Considere que

p|x1· x2· ... · xn⇒ p|xi, i = 1, 2, ..., n.

Suponha que n ∈ X, isto ´e, p|x1·x2·...·xn·xn+1, ent˜ao, pelo Teorema 2.17, temos que p|x1·x2·...·xn

ou p|xn+1. Dessa forma, p|xi, para algum i = 1, 2, ..., n + 1, pela hip´otese de indu¸c˜ao. Isto nos diz

que n + 1 ∈ X. Dessa forma, X = N∗.

Precisaremos do lema abaixo para provar o Teorema Fundamental da Aritm´etica. Lema 2.4. Seja x ∈ Z tal que x 6= 0 e x 6= ±1. Ent˜ao, min{y ∈ Z/y > 1, y|x} ´e primo.

Demonstra¸c˜ao. Seja S = {y ∈ Z/y > 1, y|x}. Note que |x| > 1 (x 6= 0) e |x||x. Da´ı, |x| ∈ S. Isto nos diz que S 6= ∅. Al´em disso, S ´e limitado inferiormente por 1. Pelo Princ´ıpio da Boa Ordem, ∃p = min S. Como p ∈ S, ent˜ao p > 1. Logo, p 6= 0 e p 6= ±1.

Agora suponha, por absurdo, que existe q ∈ Z tal que q 6= ±1 e q 6= ±p e q|p. Consequentemente, |q| > 1 e |q||p. Dessa forma, 1 < |q| < p. De fato, se |q| > p (|q| 6= p), ent˜ao, usando que |q||p (p = |q|k, para algum k ∈ Z+∗), ter´ıamos

p = |q|k > pk ≥ p, k ∈ Z∗+.

Uma contradi¸c˜ao. Como p ∈ S, ent˜ao p|x. Da´ı, por transitividade, |q||p e p|x ⇒ |q||x. Isto nos diz que 1 < |q| < p e |q||x. Ou seja, |q| ∈ S e |q| < p = min S. Um absurdo! Por fim, p ´e primo. Teorema 2.18 (Teorema Fundamental da Aritm´etica). Seja x ∈ Z tal que x > 1. Ent˜ao existem p1, p2, ..., pk n´umeros primos positivos (k ≥ 1) tais que x = p1· ... · pk. Al´em disso, x = q1· ... · qs,

onde q1, q2, ..., qs (s ≥ 1) s˜ao n´umeros primos positivos, ent˜ao k = s e cada pi ´e igual a um qj.

Demonstra¸c˜ao. Usaremos o Princ´ıpio da Indu¸c˜ao na Segunda forma sobre x. i) Se x = 2, ent˜ao x = 2, com k = 1 e p1 = 2.

ii) Agora suponhamos que para todo y ∈ Z tal que 2 ≤ y < x, tem-se que y = p1· ... · pk0, (k 0

≥ 1), onde pi ´e primo positivo, para todo i = 1, 2, ..., k0. Pelo Lema 2.4, temos que ∃p primo tal

que p > 1 e p|x. Assim, ∃q ∈ Z tal que x = qp. Note que se q = 1, ent˜ao x = p e o resultado estaria provado. Se q fosse primo, ent˜ao x = qp. Assim sendo, o resultado seguiria. Dessa forma, considere que 2 ≤ q < x (q > 1). Por hip´otese de indu¸c˜ao, q = p1· ... · pk0, onde pi ´e

primo positivo, para todo i = 1, 2, ..., k0. Portanto, x = p1· ... · pk0 · p. Por fim, o resultado ´e

v´alido por indu¸c˜ao. Agora suponha que

x = p1· ... · pk= q1· ... · qs,

onde qj e pi s˜ao primos positivos, para todo j = 1, 2, ..., s e i = 1, 2, ..., k. Assim, p1|q1· ... · qs.

Pelo Lema 2.17, p1|qj, para algum j = 1, 2, ..., s. Suponhamos, sem perda de generalidade,

que p1|q1. Como q1´e primo, ent˜ao p1= ±q1(j´a que p1 6= ±1). Como p1, q1 > 0, ent˜ao p1 = q1.

Portanto,

Logo,

q1(p2· ... · pk− q2· ... · qs) = 0.

Isto nos diz que

p2· ... · pk= q2· ... · qs.

Considere que k 6= s. Sem perda de generalidade, digamos que k < s. Usando o processo acima, chegamos a

1 = qk+1· ... · qs.

Isto implicaria, pela Preposi¸c˜ao 2.14 que qk+1 = ±1. Um absurdo! Logo, k = s e pi = qi,

para todo i = 1, 2, ..., k.

Obs 2.2. Seja x ∈ Z tal que x 6= 0 e x 6= ±1. Se x > 0, podemos escrever x como um produto finito de inteiros primos positivos de maneira ´unica (Teorema Fundamental da Aritm´etica). Se x < 0, ent˜ao −x = p1· ... · pk, onde pi ´e primo positivo, para todo i = 1, 2, ..., k. Logo, x = −p1· ... · pk.

Geralmente, temos, ent˜ao, x = ±p1· ... · pk onde os pi ´e primo positivo, para todo i − 1, 2, ..., k (a

igualdade acontecendo de maneira ´unica).

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