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Conjunto de Contraste e a Eliminação das Alternativas

3. CAPÍTULO II FRED DRETSKE: ALTERNATIVAS RELEVANTES e CETICISMO

3.6. Conjunto de Contraste e a Eliminação das Alternativas

O Conjunto Contrastante CC, para Dretske, é definido pela classe de situações que são necessariamente eliminadas pelo conhecimento de S de que p. Deste modo, “se S sabe que p, então q está contido em CC (de p) se e somente se, dado p necessariamente ~q” (DRETSKE 2002, p. 545). Isto é bastante intuitivo se pensarmos que dado a verdade da crença em p todos os seus contrastes serão, notadamente, falsos. Todavia, CC contém um subconjunto particularmente importante para a análise dretskeana do conhecimento. Trata-se de um subconjunto de alternativas que S deve estar em condições evidenciais de excluir quando sabe que p. A este subconjunto Dretske denominou Conjunto Relevante CR. Ao frisar que S deve estar em condições evidenciais de excluir CR Dretske, embora não seja explícito, sugere que S deve estar justificado, com uma justificação conclusiva, na sua crença, e assim vir a ‘saber’ que ~q. Aqui, para relembrarmos, Dretske assume que CR pode estar fechado sobre a implicação lógica conhecida. Ou seja, de acordo

com Dretske o princípio de fechamento pode ser válido para CR65, embora o mesmo não ocorra com todos os membros de CC.

Aqueles contrastes que fazem parte de CC que não pertencem a CR serão denominados de alternativas irrelevantes. Ou seja, aqueles contrastes que S não necessita excluir para vir a ‘saber’ que p. Em circunstâncias normais, tais como as descritas no caso do observador de aves, a hipótese dos mergulhões não pertence a CR. O modo como o caso foi manipulado por Dretske leva-o a considerar tal alternativa como irrelevante. A alternativa poderia vir a pertencer a CR de S caso o exemplo fosse devidamente alterado. Mas de acordo com Dretske o seguinte contraste à proposição ‘x é um pato Gadwall’ pode ser ‘x é uma águia’. Se o corpo evidencial de S não é capaz de fazê-lo crer, sob boas condições observacionais, que há um Gadwall diante de si ao invés de uma águia, então S não sabe. O subconjunto CR, todavia, não é estável. Ele pode sofrer variações tanto em relação ao mesmo sujeito como em relação a sujeitos diferentes que tem a mesma proposição como objeto de conhecimento66.

Para o cético, como vimos no início desta sessão, uma das condições para que S saiba que p é que ele seja capaz de excluir todas alternativas contrárias à verdade de p. Isto é o mesmo que dizer que para o cético as diferenças criadas por Dretske entre CC e CR são artificiais. De acordo com as exigências céticas CC e CR são iguais, pois, para o cético todas as alternativas são relevantes. Deste modo apelar para CR pareceria arbitrário. Dretske argumenta que isto é um erro. Afirmar que todas alternativas são relevantes seria o mesmo que sacramentar o argumento cético que conclui pela impossibilidade do conhecimento.

Apesar da plausibilidade da acusação cética, Dretske parece estar disposto, quase que dogmaticamente, a reafirmar que essa exigência cética é muito exagerada. Como este filósofo afirmou, nossa rejeição das hipóteses céticas não é apenas uma questão de intolerância prática. Dretske está convencido de que o apelo às alternativas relevantes parece capaz de minar a força intuitiva das

65 Esta sugestão pode ser vista já no texto de 1970. Lá a sugestão é que o fechamento

(penetratividade) está circunscrito às alternativas relevantes. Ou seja, que P está fechado sob implicação com aquelas alternativas em que ela penetra.

66 O seguinte diagrama ilustra o que Dretske tem em mente:

hipóteses aventadas pelo cético. Com efeito, para que sua pretensão filosófica não continue a soar demasiado arbitrária Dretske nos dá uma definição que visa desfazer esse aparente mal entendido acerca do entendimento das alternativas relevantes que nos empurram diretamente para a aceitação das conclusões céticas.

Segundo Dretske uma alternativa relevante q para p não é apenas uma alternativa para a qual se tenha ‘razões positivas’ para aceitá-la como sendo o caso, uma vez que fatores alheios a S, tais como falsos cenários ou ambiente inadequado poderiam fazer com que uma alternativa se tornasse relevante, como se viu através no caso do falso celeiro de Goldman. Claro que se isso fosse suficiente as alternativas céticas estariam devidamente enfraquecidas, já que em alegações ordinárias supostamente não temos qualquer razão positiva para pensar que as hipóteses céticas possam ocorrer. Alguns contraexemplos de tipo Gettier (se forçarmos um pouco) nos mostrarão casos em que não temos qualquer razão para pensar que alternativas q sejam o caso, mas que, com efeito, por razões desconhecidas para S o privaria do seu putativo conhecimento. Posso, por exemplo, não ter qualquer razão positiva para duvidar de que o tomate que apanhei displicentemente no cesto do supermercado seja um tomate real. Não tenho qualquer razão para pensar que ele não é um simulacro engenhosamente fabricado com parafina para que se pareça com um tomate real. Logo, tal alternativa apareceria, ao menos a Dretske, como irrelevante. Se é irrelevante, segundo o que é assumido pelos relevantistas, não precisa ser excluída para que S saiba. Imaginemos que eu esteja de posse de um tomate real (ele apresenta perfeitamente bem todas as suas características distintivas, ou seja, todas as propriedades organolépticas). Mas parece que, a despeito de não ter razões para considerar tal tomate como um simulacro, a presença real de vários simulacros de tomate no cesto em que acidentalmente apanhei o único tomate real é o suficiente para fazer com que minha crença p “o objeto x que tenho em mãos é um tomate” não conte como conhecimento. O apelo às evidências que S dispõe parece oferecer um modelo insatisfatório para o que deve contar como critério de relevância para uma alternativa a p.

Ao negar que a evidência disponível para o sujeito do conhecimento seja capaz de, por si só, estabelecer um critério adequado de relevância Dretske parece assumir explicitamente uma postura externalista em sua abordagem relevantista. Certos fatos objetivos e alheios ao arsenal evidencial de S podem fazer com que

certas possibilidades alternativas sejam relevantes e alijem, em certos casos, o conhecimento atribuído a S. Dretske afirma, então, que a diferença entre uma alternativa relevante e uma alternativa irrelevante,

Reside, não no que nós consideramos como uma possibilidade real (mesmo que racional ou não), mas no tipo de situação que realmente existe na situação objetiva. [analisando o seu caso do observador de aves, diz Dretske] Se ou não nosso observador de aves sabe que a ave que ele vê é um Gadwall depende de se ou não, em algum sentido objetivo, poderia ser um mergulhão parecido [com o Gadwall] (ou qualquer outra criatura similar). Se, como uma questão de fato, não há qualquer mergulhão, isto liquida a questão (that settles the matter). Ele sabe que é um Gadwall. Se existem mergulhões, mas devido a certas barreiras geográficas, eles estão confinados em seu habitat na Sibéria, então, mais uma vez, a possibilidade de a ave ser um mergulhão, embora permaneça uma possibilidade lógica, não é uma possibilidade [epistemicamente] relevante. Eles, os mergulhões, não podem migrar para o Meio-Oeste. [...] Mas, entretanto, se há mergulhões e eles podem migrar, apesar de não terem feito isso, então [...] temos uma possibilidade genuína, uma alternativa relevante. [...] [diante dessa nova alternativa, diz Dretske] Ele, portanto, não sabe que é um Gadwall.(DRETSKE 2002, p. 549).

O movimento realizado por Dretske ao estabelecer um critério objetivo de relevância visa eliminar possíveis problemas de um tratamento subjetivo (ou seja, que não dependa de fatores externos ao agente). Ele compartilha aqui a tese de que a impossibilidade factual de que a alternativa contrastante q seja o caso é um aspecto importante para a considerarmos uma alternativa irrelevante.

3.7. Avaliando a Teoria

A teoria de Dretske, apesar do seu caráter inovador, está susceptível a algumas ponderações. Palle Yourgrau (1983), por exemplo, critica a abordagem de Dretske sobre o fato de o que é relevante ser determinado pela possibilidade de ocorrência física no momento em que a alegação de conhecimento de que p é feita. Deste modo, afirma Yourgrau, no momento em que um mergulhão conseguisse praticar longos voos, S deixaria de saber que a ave que ele vê no lago é um Gadwall. Entretanto se o mergulhão perdesse subitamente tal habilidade para longos voos, S voltaria a saber. Mas, conclui Yourgrau, realmente o conhecimento de S de que ele vê um pato Gadwall não parece oscilar com a capacidade aeronáutica diária de um mergulhão na Sibéria.

O próprio caso paradigmático de Dretske, o caso da zebra, sofreria com sua abordagem objetiva da relevância. Imaginemos mais uma vez que o visitante do zoológico sabe que o animal que ele vê no cercado é uma zebra. A possibilidade de haver uma mula disfarçada é uma possibilidade real (isso efetivamente ocorreu no zoológico Marah Land na faixa de Gaza67). Se por uma questão comercial, ou por

ativismo save the animals against war, tais mulas fossem transportadas para o zoológico em que o visitante alega saber que Z, ele deixaria de saber, posto que há uma possibilidade objetivamente relevante. Mas se por qualquer motivo, a viagem das mulas disfarçadas fosse adiada, naquele momento o visitante do zoológico voltaria a saber que Z. Esses resultados são fortemente, ou assim nos pareceu, contraintuitivos.

A tentativa de Dretske de responder ao ceticismo enquadrando-o na categoria de alternativa irrelevante não é de todo malograda. Em que pese Dretske não ter conseguido explorar todas as intuições oriundas dos conceitos que ele próprio introduzira na discussão epistemológica, tais conceitos geraram frutos interessantes. A teoria Contrastivista do conhecimento de Jonathan Schaffer oferece uma excelente resposta ao ceticismo utilizando-se, basicamente, dos conceitos formulados por Dretske, como apresentaremos no quarto capítulo desta tese.

A postura teórica de Dretske, todavia, possui teses que são difíceis de sustentar, principalmente a tese de que o princípio de fechamento é inválido como um princípio geral de regulação do nosso conhecimento empírico. O PF possui um apelo intuitivo tão grande que, como afirmou Robert Nozick, lutar contra ele equivale a “uma vespa lutando contra um rolo compressor”, Dretske também admitiu que o fechamento “soa como um princípio eminentemente plausível” (DRETSKE 2014 p. 32). A negação do fechamento enseja também o que Keith DeRose batizou de conjunções abomináveis, algo como “eu não sei se sou um cérebro numa cuba sem mãos, mas eu sei que tenho mãos”. Dretske lembra aos filósofos que mais abominável e bizarro do que negar o fechamento é aceitar o ceticismo que dele deriva. Por isso, defendeu que, embora os custos da rejeição do fechamento fossem altos, “o único modo de preservar o conhecimento de verdades ordinárias [...] é abandonar o fechamento” (DRETSKE 2014 p. 32).

67 Confira na reportagem de 08/10/2009 do site de notícias G1 em

http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL1334244-5602,00-

ZOOLOGICO+DE+GAZA+USA+BURROS+PINTADOS+PARA+SUBSTITUIR+ZEBRAS+MORTAS.ht ml. Acesso em 15/06/2014.

A teoria de Dretske, em função do que dissemos, é considerada modesta. Contudo, apesar das limitações que a teoria das alternativas relevantes apresentou, cremos que uma resposta definitiva ao ceticismo que aqui enfrentamos passa por enquadrá-lo como irrelevante. Como, todavia, demonstrar a irrelevância das hipóteses céticas e resolver o problema ensejado pelo fechamento sem ser arbitrário ou sem lançar mão de hipóteses ad hoc é o desafio que enfrentaremos no próximo capítulo com a teoria contextualista de David K. Lewis. Diferente de Dretske, Lewis assumirá a validade do PF e, com isso, se comprometerá com uma epistemologia imodesta, isto é, defenderá que é possível saber que as hipóteses céticas são falsas, ao menos em alguns contextos de baixo padrão epistêmico.

4. CAPÍTULO III - DAVID LEWIS: CONTEXTUALISMO, RELEVÂNCIA e