Singularidades de Germes de Conjuntos Anal´ıticos
2.1 Conjuntos Anal´ıticos
Ap´os investigarmos germes de fun¸c˜oes holomorfas, agora vamos voltar ao nosso tema pr´oprio, a investiga¸c˜ao das propriedades locais de conjuntos anal´ıticos.
Defini¸c˜ao 2.1.1 Seja U um conjunto aberto em Cn e X ⊂ U.
i) Dado x∈ U, dizemos que X ´e anal´ıtico em x se existir uma vizinhan¸ca V de x em U
e um n´umero finito de fun¸c˜oes holomorfas f1, . . . , fr sobre V tais que
X∩ V = {z ∈ V | f1(z) =· · · = fr(z) = 0}.
ii) X ´e chamado de subconjunto anal´ıtico de U quando X ´e anal´ıtico em todo ponto x∈ U. Observa¸c˜ao 2.1.2 Se X ´e anal´ıtico em U , ent˜ao X ´e fechado em U . De fato, seja
x∈ U \ X e V como acima. Ent˜ao X ∩ V ´e fechado em V e consequentemente existe uma
vizinhan¸ca W ⊂ V de x que n˜ao intercepta X. Em particular W ´e aberto em U. Ent˜ao,
U \ X ´e aberto.
Conjuntos que s˜ao anal´ıticos apenas em seus pr´oprios pontos s˜ao chamados localmente anal´ıticos. Por exemplo, o conjunto C\ {0} ⊂ C2 ´e localmente anal´ıtico em C2, anal´ıtico
Figura 2.1:
Assim como introduzimos germes de fun¸c˜oes para investigar propriedades locais, agora vamos introduzir o conceito de germes de conjuntos anal´ıticos:
Defini¸c˜ao 2.1.3 Sejam U e U′ abertos em Cn, X ⊂ U e X′ ⊂ U′ subconjuntos anal´ıticos.
X e X′ definem o mesmo germe de conjunto anal´ıtico em x ∈ X ∩ X′ se existe uma
vizinhan¸ca V ⊂ X ∩ X′ de x tal que
X∩ V = X′∩ V.
Escrevemos (X, x) para o germe de conjunto de X em x. Neste caso, X ´e chamado de representante do germe (X, x).
Mais precisamente, podemos definir o germe (X, x) como sendo a classe dos pares (X′, U′) equivalentes ao par (X, U ) segundo a rela¸c˜ao de equivalˆencia introduzida na
defini¸c˜ao acima em que U′ ´e uma vizinhan¸ca de x e X′ anal´ıtico em U′.
O conceito de germes de conjuntos permite a formula¸c˜ao simples de afirma¸c˜oes sobre X que dependam apenas das propriedades do conjunto X em uma pequena vizinhan¸ca arbitr´aria de um ponto x∈ X, por exemplo, afirma¸c˜oes sobre a singularidade de X em x. Queremos agora investigar as rela¸c˜oes entre os ideais em OCn,a e germes de conjuntos
anal´ıticos.
Se I ⊂ OCn,a ´e um ideal, ent˜ao pela Proposi¸c˜ao 1.2.5, I ´e gerado por um n´umero finito
de germes de fun¸c˜oes f1, . . . , fr. Sejam ef1, . . . , efr fun¸c˜oes sobre uma vizinhan¸ca U de a
fun¸c˜oes
X( ef1, . . . , efr) :={z ∈ U | ef1(z) =· · · = efr(z) = 0}.
Mostraremos que o germe deste conjunto em a n˜ao depende da escolha do conjunto de geradores e de seus representantes.
Sejam {g1, . . . , gs} outro conjunto de geradores de I e eg1, . . . , egs representantes de
g1, . . . , gsem uma vizinhan¸ca U′ de a. Ent˜ao existem germes aij ∈ OCn,a com fi =Paijgj
e consequentemente, existem representantes eaij de aij tais que
e fi =
X eaijegj
em uma vizinhan¸ca W de a. Assim,
X(eg1, . . . , egs)∩ W ⊂ X( ef1, . . . , efr)∩ W.
Analogamente, existe uma vizinhan¸ca W′ de a tal que
X( ef1, . . . , efr)∩ W′ ⊂ X(eg1, . . . , egs)∩ W′.
Logo, em W∩ W′, X( ef ) e X(eg) coincidem, ou seja, os conjuntos definem o mesmo germe
em a.
Defini¸c˜ao 2.1.4 X(I) = (X( ef1, . . . , efr), a) ´e chamado germe de conjunto definido pelo
ideal I.
Pode-se definir o germe de conjunto X(I) determinado por um ideal como o conjunto zeros do ideal I. Reciprocamente, se (X, a) ´e um germe de conjunto anal´ıtico, ent˜ao existe um ideal gerado pelos germes de fun¸c˜oes que se anulam em X.
Defini¸c˜ao 2.1.5 O ideal de um germe de conjunto anal´ıtico ´e o ideal J(X) de todos os germes f ∈ OCn,a os quais possuem um representante ef , sobre uma vizinhan¸ca U de a,
que se anulam sobre um representante eX ⊂ U de X.
Dentre as propriedades que relacionam germes de conjuntos e ideais de germes de conjunto temos:
(i) I1 ⊂ I2 ⇒ X(I1)⊃ X(I2);
(iii) X(J(X)) = X; (iv) J(X(I))⊃ I.
N˜ao ´e, em geral, verdadeiro que J(X(I)) = I. Por exemplo: se I ´e o ideal em OC,0 = C{z} gerado por z2, ent˜ao X(I) = {0} e J(X(I)) = (z) 6= (z2). Assim, deve-se
adicionar ao ideal I todas as fun¸c˜oes cujas potˆencias pertencem a I. Deste modo, no caso geral obtemos o radical de I, ou seja,
rad(I) :={f ∈ OCn,0 | fk∈ I para algum k}.
O pr´oximo teorema ´e an´alogo ao Teorema dos Zeros de Hilbert, que expressa exa- tamente a mesma rela¸c˜ao entre os conjuntos alg´ebricos e ideais no anel de polinˆomios C[z1, . . . , zn]. Aqui, vamos provar o Teorema dos Zeros de R¨uckert apenas para ideais
principais, a prova completa ´e mais complexa e pode ser encontrada em [GR], p. 90-97. Teorema 2.1.6 (Teorema dos Zeros de R¨uckert) O ideal de um germe de conjunto ana- l´ıtico X(I) satisfaz J(X(I)) = rad(I).
Demonstra¸c˜ao: Como mencionamos vamos considerar o caso em que I = (f ) ´e um ideal principal em OCn, a. A inclus˜ao rad(I)⊂ J(X(f)) ´e clara, resta mostrar que J(X(f)) ⊂
rad(f ), em outras palavras, que
g|X(f ) = 0 ⇒ f divide gk para algum k.
Note que basta provarmos para germes irredut´ıveis f , pois se f1· . . . · fr ´e a decomposi¸c˜ao
de f em fatores irredut´ıveis, ent˜ao g se anula sobre cada um dos conjuntos X(fi). Se o
teorema for provado para elementos irredut´ıveis, ent˜ao fi divide uma potˆencia gki de g.
Logo, f divide gk1+···+kr.
Assim, vamos assumir, sem perda de generalidade, que f ´e irredut´ıvel. Suponha que a afirma¸c˜ao ´e falsa. Ent˜ao f e g n˜ao possuem divisor em comum. Vamos escolher coordenadas z1, . . . , zn em Cn de forma que f e g sejam zn−regulares. Pelo Teorema
de Prepara¸c˜ao de Weierstrass, f e g s˜ao dadas por um produto de um polinˆomio de Weierstrass e uma unidade. Como estamos interessados apenas no conjunto de zeros de f e g, bem como propriedades da divis˜ao, podemos assumir tamb´em que f e g s˜ao polinˆomios de Weierstrass em OCn−1,0[zn].
Temos que f e g s˜ao primos entre si em OCn,0 e consequentemente, pelo Lema 1.2.6,
em OCn−1,0[zn]. Se K ´e o corpo de fra¸c˜oes de OCn−1,0, ent˜ao, pelo Lema de Gauss, temos
que f e g s˜ao primos entre si em K[zn]. Pelo Teorema de B´ezout, existem α, β ∈ K tais
que αf + βg = 1. Escrevendo α = a c, β = b c com a, b, c∈ OCn−1,0 e c6= 0, temos a· f + b · g = c ∈ OCn−1, 0,
isto ´e, esta combina¸c˜ao (n˜ao nula) de f e g n˜ao depende da vari´avel zn.
A fun¸c˜ao f ´e um polinˆomio de Weierstrass, digamos
f = znk+ c1(z1, . . . , zn−1)znn−1+· · · + ck(z1, . . . , zn−1)
com ci(0, . . . , 0) = 0. Como as ra´ızes de um polinˆomio dependem continuamente de seus
coeficientes, para algum ε > 0 existe uma vizinhan¸ca
U ={(z1, . . . , zn−1); k (z1, . . . , zn−1)k< δ}
de 0∈ Cn−1 tal que para (z
1, . . . , zn−1)∈ U o polinˆomio f(z1, . . . , zn−1, t) possui k ra´ızes
(contando a multiplicidade) com valor absoluto menor do que ε.
O conjunto de zeros X(f ) pode ser visualizado como na figura abaixo.
Em particular, pelo menos um zero de f se encontra sobre cada (z1, . . . , zn−1) ∈ U.
Uma vez que g se anula sobre X(f ) segue que para cada (z1, . . . , zn−1)∈ U existe um zn
tal que
c(z1, . . . , zn−1) = a(z1, . . . , zn−1)· f(z1, . . . , zn) + b(z1, . . . , zn−1)· g(z1, . . . , zn) = 0.
Como c n˜ao depende da vari´avel zn, temos que c≡ 0.
Isto ´e uma contradi¸c˜ao. Portanto, f divide gk para algum k.
Observa¸c˜ao 2.1.7 A descri¸c˜ao da hipersuperf´ıcie X(f ) como uma cobertura finita rami- ficada do conjunto regular Cn−1, usada na prova acima, ´e o conte´udo geom´etrico real do
Teorema de Prepara¸c˜ao de Weierstrass. Essa descri¸c˜ao pode ser generalizada para todos os germes de conjunto anal´ıticos ([GR], p. 98). Seu an´alogo em Geometria Alg´ebrica ´e o lema de normaliza¸c˜ao de Noether ([S], I, §5.4).
Como consequˆencia do teorema anterior temos que a aplica¸c˜ao X 7→ J(X) fornece uma bije¸c˜ao entre germes conjuntos anal´ıticos em a e ideais radicais de OCn,a, isto ´e,
ideais I com I = rad(I).
Em an´alise complexa associamos cada germe de conjunto anal´ıtico (X, a) com o anel de germes de fun¸c˜oes em a holomorfas sobre X. Se (X, a)⊂ (Cn, a) ´e um germe de conjunto,
ent˜ao dois germes de fun¸c˜oes holomorfas f, g em (Cn, a) definem o mesmo germe de fun¸c˜ao
sobre X quando f − g se anula sobre X, isto ´e, quando f − g ∈ J(X). Assim, o anel de todos os germes de fun¸c˜oes holomorfas sobre (X, a) ´e o anel OCn,a/J(X). Isto motiva a
seguinte defini¸c˜ao. Defini¸c˜ao 2.1.8
(i) Uma ´algebra anal´ıtica ´e uma C−´algebra da forma C{z1, . . . , zn}/I, onde I ´e um ideal
em C{z1, . . . , zn}.
(ii) Uma ´algebra anal´ıtica A ´e chamada reduzida quando ela n˜ao cont´em elementos nilpo-
tentes diferentes de zero. Um elemento f ∈ A ´e chamado nilpotente quando fk = 0 para
algum k∈ N \ {0}.
Obviamente C{z1, . . . , zn}/I ´e reduzida no caso em que I ´e um ideal radical. Por
exemplo, se I = hf2i, ent˜ao A = C{z1, . . . , zn}
nilpotente, uma vez que f2 = 0 em A, ou equivalentemente, I n˜ao ´e radical, pois hfi =
rad(I)6= I.
Para admitir curvas com m´ultiplas componentes, algumas vezes ´e necess´ario em an´alise complexa considerar ´algebras anal´ıticas n˜ao reduzidas. No entanto, n˜ao queremos apro- fundar nisso, pois este n˜ao ser´a nosso enfoque.
Se X ´e um germe de conjunto anal´ıtico em a∈ Cn, ent˜ao a ´algebra anal´ıtica O X,a :=
OCn,a/J(X) dos germes em a de fun¸c˜oes holomorfas sobre X ´e reduzida. Decorre do
Teorema dos Zeros de R¨uckert que X 7→ OX,0 = OCn,0/J(X) define uma bije¸c˜ao entre os
germes de conjunto em 0 e as ´algebras anal´ıticas reduzidas C{z1, . . . , zn}/I.
Estamos interessados principalmente nos zeros de conjuntos de uma ´unica equa¸c˜ao, a saber curvas em C2 que s˜ao um caso particular de hipersuperf´ıcies.
Defini¸c˜ao 2.1.9 Um germe de conjunto X(I) em a∈ Cn ´e chamado de hipersuperf´ıcie
quando I = (f ), ou seja, I ´e um ideal principal em OCn,a.
Note que se f = fk1
1 · . . . · frkr ´e a decomposi¸c˜ao de f em fatores irredut´ıveis distintos,
ent˜ao I = rad((f )) = (f1 · . . . · fr). Neste caso, a hipersuperf´ıcie X(I) ´e dada por
f1·. . .·fr= 0 que ´e chamada de equa¸c˜ao de X(I), a qual ´e ´unica a menos de multiplica¸c˜ao
por unidades.
Antes de nos concentrarmos exclusivamente ao caso de curvas vamos apresentar bre- vemente os conceitos mais importantes para a investiga¸c˜ao local de conjuntos anal´ıticos: (1) Decomposi¸c˜ao local em componentes irredut´ıveis.
(2) Pontos regulares e singulares.
(3) Dimens˜ao de um conjunto anal´ıtico.