Singularidades de Germes de Conjuntos Anal´ıticos
2.4 Dimens˜ ao de um Conjunto Anal´ıtico
Nesta se¸c˜ao, vamos apresentar sucintamente as v´arias no¸c˜oes de dimens˜ao de conjuntos anal´ıticos.
Defini¸c˜ao 2.4.1 Seja X um subconjunto anal´ıtico de um conjunto aberto em Cn.
(i) Se x ∈ X ´e um ponto regular, ent˜ao existe uma vizinhan¸ca U de x tal que U ∩ X ´e
uma sub-variedade complexa. Ent˜ao, x ´e chamado de ponto regular de dimens˜ao d quando
U ∩ X possui dimens˜ao (complexa) d.
(ii) Seja x ∈ X arbitr´ario, ent˜ao cada vizinhan¸ca de x possui pontos regulares de X. A
dimens˜ao do germe de conjunto (X, x) ´e o maior n´umero d tal que cada vizinhan¸ca de x cont´em pontos regulares de X de dimens˜ao d. Neste caso, escrevemos d = dimx X.
(iii) A dimens˜ao de X ´e
dim X := maxx∈X dimx X.
Dizemos que X tem dimens˜ao pura se dim X = dimx X para todo x∈ X.
(iv) O germe (X, x) ´e dito de dimens˜ao pura quando possui um representante de dimens˜ao
pura.
Observa¸c˜ao 2.4.2 Se X ´e irredut´ıvel, ent˜ao o conjunto dos pontos regulares ´e conexo, portanto X ´e de dimens˜ao pura. Assim, um conjunto anal´ıtico Y ´e de dimens˜ao pura somente no caso em que todas as componentes irredut´ıveis possuem a mesma dimens˜ao. O mesmo ´e v´alido para germes de conjuntos anal´ıticos.
Vejamos um exemplo. Se X1 = {z ∈ C3; z3 = 0}, X2 = {z ∈ C3; z1 = z2 = 0} e
X = X1 ∪ X2, ent˜ao dimz X = 1 se z ∈ X2 e z 6= 0 e dimz X = 2 se z ∈ X1. Em
Figura 2.3:
Se X(f ) ⊂ Cn ´e uma hipersuperf´ıcie, ent˜ao dim X = n− 1. De fato, se x ∈ X ´e
um ponto regular de X, ent˜ao pela Proposi¸c˜ao 2.3.3, existe zi tal que ∂z∂f
i(z) 6= 0. Sem
perda de generalidade podemos supor i = n e, pelo Teorema da Fun¸c˜ao Impl´ıcita, existe uma vizinhan¸ca U de x tal que zn = g(z1, . . . , zn−1). Mas deste modo, OX,x =
OCn ,x
(f ) ≈ C{z1,...,zn}
(f ) ≈ C{z1, . . . , zn−1}. Mas pela equivalˆencia ii) ⇔ iii) do Teorema 2.3.2, temos
que (X ∩ U, x) ´e isomorfo a (Cn−1, x) ⊂ (Cn, x), ou seja, X ∩ U ´e uma sub-variedade
complexa de dimens˜ao n− 1.
Em v´arios textos, a dimens˜ao de germes de conjuntos anal´ıticos ´e frequentemente introduzida algebricamente. Tais defini¸c˜oes de dimens˜ao, talvez, n˜ao sejam intuitivas, mas elas possuem a vantagem de que se pode calcul´a-las mais facilmente. Vejamos algumas dessas defini¸c˜oes:
A dimens˜ao de Chevalley:Se A ´e uma ´algebra anal´ıtica, ent˜ao a dimens˜ao de Cheval- ley de A ´e o menor n´umero d para o qual existem fun¸c˜oes f1, . . . , fd tais que
Mk ⊂ (f1, . . . , fd),
para algum k, em que M ´e o ideal maximal de A.
Se A = OX,0´e a ´algebra anal´ıtica do germe de conjunto (X, 0), ent˜ao Mk ⊂ (f1, . . . , fd)
significa, pelo Teorema dos Zeros de R¨uckert, que a interse¸c˜ao de X com os d hiperpla- nos {f1 = 0}, . . . , {fd = 0} ´e um ´unico ponto. A ideia geom´etrica ´e a seguinte: no
espa¸co d−dimensional X o conjunto de zeros de uma equa¸c˜ao ´e em geral um subespa¸co (d− 1)−dimensional; ´e necess´ario, portanto, d equa¸c˜oes para descrever um subespa¸co de dimens˜ao zero. Em particular, se X(f ) ⊂ Cn ´e uma hipersuperf´ıcie a dimens˜ao de
Chevalley ´e n− 1, pois necessitamos de n − 1 hiperplanos para descrever um subespa¸co de dimens˜ao zero.
A dimens˜ao de Weierstrass: Na Observa¸c˜ao 2.1.7 mencionamos que cada germe de conjunto anal´ıtico X pode ser descrito como uma cobertura finita ramificada de um con- junto regular. A dimens˜ao deste conjunto regular ´e bem definida e ´e chamada de dimens˜ao de Weierstrass de X.
Temos que π : X → Cd ´e uma cobertura ramificada apenas no caso em que O X,0 ´e
um C{z1, . . . , zd}−m´odulo finito. Isto permite que seja poss´ıvel visualizar o conceito de
dimens˜ao de Weierstrass algebricamente.
No caso de uma hipersuperf´ıcie X(f ) em Cn como tratada na Observa¸c˜ao 2.1.7, temos
que π : X → Cn−1 ´e uma cobertura ramificada, ou seja, a dimens˜ao de Weierstrass de
uma hipersuperf´ıcie ´e n− 1. Algebricamente, temos que OX,0 = OCn ,0
(f ) ≈
C{z1,...,zn}
(f ) . Como
f pode ser considerado como um polinˆomio de Weierstrass f = zm
n + a1znm−1+· · · + an∈
C{z1, . . . , zn−1}[zn] e deste modo, pelo Teorema da Divis˜ao de Weierstrass temos que
OX,0 ≈
C{z1, . . . , zn}
(f ) ≈ C{z1, . . . , zn−1}z
m−1
n +· · · + C{z1, . . . , zn−1}zn+ C{z1, . . . , zn−1},
ou seja, OX,0 ´e um C{z1, . . . , zn−1}−m´odulo finito.
A dimens˜ao de Krull: Seja A uma ´algebra anal´ıtica. Uma cadeia de ideais primos de comprimento d em A ´e uma sequˆencia ascendente
℘0 ℘1 · · · ℘d A
de ideais primos. A dimens˜ao de Krull de A ´e o comprimento m´aximo de uma cadeia de ideais primos em A.
Uma cadeia de ideais primos em OX,0 corresponde a uma sequˆencia ascendente de
subespa¸cos irredut´ıveis de X
Xd Xd−1 · · · X0 ⊂ X.
O conceito de dimens˜ao de Krull baseia-se na ideia de que, por meio do ponto Xd =
{0} pode-se passar uma curva (unidimensional) Xd−1, atrav´es desta pode-se passar uma
superf´ıcie (bidimensional) Xd−2, etc. Desta forma, obt´em-se uma cadeia ascendente de
subespa¸cos irredut´ıveis de dimens˜oes 0, 1, 2, , . . . , d.
Em ´Algebra Comutativa se define a dimens˜ao de Krull de um anel R arbitr´ario de forma geral como sendo o comprimento m´aximo de uma cadeia ideais primos. O conceito de dimens˜ao Krull ´e, portanto, o mais geral daqueles aqui apresentados.
Uma ferramenta importante para a investiga¸c˜ao do conceito de dimens˜ao de Krull ´e o seguinte resultado.
Teorema 2.4.3 (Teorema do Ideal Principal de Krull) Sejam A uma ´algebra anal´ıtica de dimens˜ao de Krull d e f ∈ A. Ent˜ao dim A
(f ) ≥ d − 1 e se f n˜ao ´e um divisor de zero em
A, ent˜ao dim A
(f ) = d− 1.
Corol´ario 2.4.4 Se A ´e uma ´algebra anal´ıtica de dimens˜ao d e se f1, . . . , fk ∈ A, ent˜ao
dim A/(f1, . . . , fk)≥ d − k.
Note que a dimens˜ao de Krull de OCn,0 ´e n. De fato, como OCn,0 ≈ C{z1, . . . , zn} e
℘i = (z1, . . . , zi) ´e um ideal primo de OCn,0 para todo i = 1, . . . , n, temos que
{0} = ℘0 ℘1 · · · ℘n OX,0
´e uma cadeia de ideais primos de comprimento m´aximo do anel.
Deste modo, se f ∈ OCn,0 ´e n˜ao nulo, ent˜ao a dimens˜ao de Krull de (X(f ), 0)⊂ Cn ´e
n− 1, pois sendo OCn,0 um dom´ınio, f n˜ao ´e um divisor de zero e a dimens˜ao de Krull de
OX,0 = OCn ,0
(f ) = n− 1.
O Teorema do Ideal Principal de Krull diz que a interse¸c˜ao de uma hipersuperf´ıcie H com um germe X em geral possui codimens˜ao de Krull 1 em X. Quando H cont´em uma componente de X, isso n˜ao precisa ser assim. Por exemplo, se X ⊂ C2 ´e a uni˜ao
dos dois eixos coordenados X = {z ∈ C2; z
1 · z2 = 0} e f(z) = z2, ent˜ao A = OX,0 =
C{z1, z2}/(z1· z2), isto ´e, dim A = 1, mas dim A/(f ) = dim C{z1} = 1.
A cada no¸c˜ao de dimens˜ao aqui apresentada aplicamos o conceito ao caso de hipersu- perf´ıcies em Cn e verificamos que o resultado obtido ´e sempre o mesmo, isto ´e, n− 1. Na
verdade, embora a verifica¸c˜ao n˜ao seja simples, temos que o mesmo vale para qualquer germe de conjunto anal´ıtico.
Teorema 2.4.5 Se (X, x) ´e um germe de conjunto anal´ıtico e A = OX,x ´e a ´algebra das
fun¸c˜oes holomorfas sobre X, ent˜ao todos esses conceitos de dimens˜ao coincidem.
Demonstra¸c˜ao: Veja [G] para a demonstra¸c˜ao de que os conceitos de dimens˜ao de Che- valley, Krull e Weierstrass coincidem e [GR] para a justificativa de que o conceito de dimens˜ao de Weierstrass e o apresentado na Defini¸c˜ao 2.4.1 coincidem.
Note que pelo que foi exposto, para descrever um germe de conjunto anal´ıtico (X, 0)⊂ (Cn, 0) de codimens˜ao k precisamos de pelo menos k fun¸c˜oes. Germes de conjuntos para os
quais k fun¸c˜oes s˜ao suficientes s˜ao chamados de interse¸c˜oes completas. Muitos m´etodos de investiga¸c˜ao de singularidades de hipersuperf´ıcies podem ser generalizados para interse¸c˜oes completas. Interse¸c˜oes completas s˜ao, em certo sentido, singularidades particularmente simples. No entanto, muitas singularidades interessantes n˜ao s˜ao interse¸c˜oes completas, e ´e f´acil dar exemplos. Germes de conjuntos de codimens˜ao pura 1 s˜ao sempre interse¸c˜ao completa.
Finalizamos este cap´ıtulo apresentando uma caracteriza¸c˜ao de hipersuperf´ıcies em ter- mos de sua codimens˜ao.
Proposi¸c˜ao 2.4.6 Um germe de conjunto anal´ıtico (X, x) ⊂ (Cn, x) ´e de codimens˜ao
pura 1 se, e somente se, (X, x) ´e uma hipersuperf´ıcie.
Demonstra¸c˜ao: Sem perda de generalidade, podemos assumir que X ´e irredut´ıvel. Se X ´e uma hipersuperf´ıcie, ent˜ao como j´a observamos anteriormente X − S(X) ´e uma subvariedade de dimens˜ao n− 1 e consequentemente X possui codimens˜ao 1.
Reciprocamente, se X ´e um germe irredut´ıvel de codimens˜ao 1, ent˜ao escolhemos um elemento f 6= 0 que pertence ao ideal J(X). Seja f = fk1
1 ·. . .·frkr a decomposi¸c˜ao de f em
fatores irredut´ıveis. Uma vez que J(X) ´e um ideal primo, um dos fatores de f pertence a J(X), digamos fi.
Vamos mostrar que fi gera o ideal J(X). Suponha que isso n˜ao aconte¸ca, ent˜ao
existe um elemento g ∈ J(X) \ (fi). O elemento g n˜ao ´e um divisor de zero na ´algebra
anal´ıtica A = OCn,x/(fi) uma vez que A ´e um dom´ınio. Usando o Teorema do Ideal
Principal de Krull obtemos que dim A/(g) = n− 2. Como fi, g ∈ J(X) devemos ter que
dim OX,x ≤ n − 2 contrariando a hip´otese de que dim OX,x = n− 1. Consequentemente,