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A descrição acima sobre as mudanças ocorridas nas trajetórias dos problemas, das soluções e do fluxo político indicam os elementos de cada fluxo que estavam presentes no momento da conjunção em que se deu a reforma da lei de trânsito.

Quanto aos problemas, as duas visões acima mencionadas apareceram naquele momento. Segundo os dados documentais e da imprensa, por um lado, os indicadores de acidentalidade chamaram atenção para a necessidade de atuação do poder público sobre os problemas de trânsito, por outro lado, a redefinição dos problemas de trânsito no Brasil chamou atenção para a necessidade de reformar a estrutura administrativa e repartição de competências, especialmente devido aos problemas do trânsito urbano.

Quanto ao fluxo político, presente desde a redemocratização do país, o municipalismo urbanista também contribuiu para a abertura da janela de oportunidade ao ressaltar a

79 predominância do município na gestão da política urbana em relação ao solo, o transporte e o trânsito urbanos. Desta vez, menos tecnocrático e autoritário e mais relacionado à participação política local como modelo de participação democrática, visto que, conforme tal visão, o governo municipal é o agente governamental mais próximo do cidadão e, portanto, o agente político a quem se pode recorrer e cobrar mais facilmente, pelo menos em comparação aos governos estadual e federal.

Aberta a janela de oportunidade tanto pelo fluxo político quanto pelo fluxo dos problemas, restava então o acoplamento ao fluxo das soluções. A alternativa de solução deveria então atender as demandas de um enfoque mais abrangente sobre os problemas de trânsito, como também satisfazer as demandas por uma maior participação do município na política urbana. Nesse contexto, a descentralização administrativa do trânsito foi a solução acoplada.

A abertura da janela de oportunidade na agenda governamental

De acordo com Pinheiro e Ribeiro (2000), no ano de 1973 o Ministério da Justiça criou uma comissão destinada a propor uma reforma no CNT. No entanto, após o final dos trabalhos da comissão em 1974, o Ministério da Justiça decidiu não o remeter ao Congresso Nacional sob o argumento de que o problema do CNT não era de defasagem em relação a mudanças no ambiente de trânsito, era sim o desconhecimento da lei por parte da população. Sob tal argumento, uma nova mudança só tornaria a lei de trânsito ainda mais desconhecida. Deste modo, as discussões sobre a reforma do CNT não adquiriram grande relevância na agenda governamental por mais alguns anos, pelo pelos até o ano de 1991 quando outra comissão foi criada pelo mesmo Ministério com o mesmo objetivo, reformar o marco regulatório do trânsito no Brasil.

Em 06 de junho de 1991, o até então Vice-Presidente Itamar Franco assinou o Decreto Presidencial que criava a comissão especial destinada a elaborar o anteprojeto do novo código de trânsito para o Brasil, dando o pontapé inicial para a reforma administrativa do trânsito. O Decreto Presidencial conferiu poderes ao Ministério da Justiça, conduzido por Jarbas Passarinho naquele momento, para designar e nomear o coordenador e os membros da comissão, poderes exercidos em 10 de junho do mesmo ano através da Portaria Ministerial nº 303. A presidência da comissão ficou a cargo do CONTRAN e foram nomeados mais 15 membros representantes de diversos setores da sociedade civil organizada e do Estado. Depois

80 de encerrados os trabalhos da comissão no primeiro semestre de 1992, o texto do anteprojeto foi remetido ao Ministro da Justiça, naquele ano Célio Borja.

Pelo que se depreende das entrevistas, a participação nesta comissão foi bastante fluida, pois alguns atores participaram frequentemente enquanto outros apenas esporadicamente. A burocracia do Congresso, por exemplo, compareceu a apenas algumas reuniões. A imprensa escrita, por sua vez, inicialmente nomeada como membro integrante da comissão, não compareceu a nenhuma das reuniões.

Quanto aos atores diretamente atentos à descentralização administrativa, todos participaram frequentemente das reuniões. Estiveram presentes: a ANTP, a ABDETRAN, ABRAMET e o DETRAN-SP. Conforme as entrevistas, todos os atores concordavam que o código anterior deveria ser modificado, porém as razões eram diversas. Por um lado a ABDETRAN o DETRAN-SP apontavam como motivos para a reforma as incoerências entre a Código de Trânsito e o respectivo regulamento, assim como o crescimento da frota de veículos e o número de acidentes de trânsito11. Além do mais, conforme entrevista com o representante da ABDETRAN na época, o novo código precisava ser mais rígido com os infratores, principalmente os infratores contumazes. Por outro lado, a ANTP apontava como razão para mudança a centralização administrativa e sua incompatibilidade com a Constituição Federal de 1988. Apesar das divergências, a comissão chegou a um consenso sobre o texto final.

De acordo com a descrição de Lima (1999), o texto final foi publicado no Diário Oficial da União em julho de 1992, sofrendo alterações até o encaminhamento oficial ao Poder Legislativo em 1993. Não foi possível obter acesso a todas as alterações no documento final produzido pela comissão. Contudo, uma das mais importantes foi descrita por Lima (1999) como sendo a alteração no papel dos municípios.

Enquanto a versão final da comissão (art. 6º, III) admitia a competência municipal de aplicar penalidades e arrecadar multas por infrações de trânsito nas vias municipais, a versão que chegou ao Congresso sequer permitia o município criar um órgão de trânsito sem a devida autorização do governo estadual e do CONTRAN.

A modificação foi motivo de insatisfação por parte da ANTP, pois, apesar de reconhecer os órgãos municipais como membros do SNT, condicionava sua existência legal à manifestação favorável do CONTRAN e do governo estadual, à medida que os municípios comprovassem condições técnicas, administrativas e financeiras para exercerem as atividades

81 sob sua responsabilidade. Com relação a esse ponto específico vale citar integralmente as palavras do representante da ANTP:

Na verdade essa proposta que chegou do Ministério da Justiça foi uma coisa totalmente deturpada de um anteprojeto que começou em junho de 1991 e que eu fazia parte dessa comissão. Eram 16 pessoas. E não foi isso que o nosso anteprojeto propôs, simplesmente não foi isso. O que o Ministério da Justiça fez? No final de 1992, começo de 1993, encaminhou para Câmara esse monte de bobagem que você acabou de falar agora, essa subordinação. Na verdade rasgaram a Constituição, a proposta do Ministério era rasgar a Constituição. Imaginar uma subordinação absurdamente improvável e sem pé nem cabeça (Brasiliense, 13 de out. 2010).

82 5 O PROCESSO DECISÓRIO DE REFORMA DO CÓDIGO DE TRÂNSITO

BRASILEIRO