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Três meses após o recebimento, em janeiro de 1997, a Câmara dos Deputados constituiu nova comissão para proferir parecer ao substitutivo do Senado. A relatoria da comissão foi destinada ao deputado Ary Kara do PMDB-SP. Uma vez que o trabalho da comissão se restringia a apreciar as alterações feitas pelo Senado no PL 3.710-B de 1993, o relator utilizou como base este, mais o substitutivo vindo do Senado. Na análise feita pelo relator ao substitutivo do Senado, afirmou em seu relatório:

O reconhecimento do valor do Substitutivo analisado evidencia-se quando, no processo de aprovação ou rejeição das propostas do Senado, observa-se que a grande maioria dos dispositivos apresentados pelo senado ficou mantida, por consenso das diferentes partes que o analisaram e o discutiram (DCD, p. 273)

Segundo o relator, um dos pontos positivos do texto do Senado foi o reconhecimento da municipalização de trânsito em conformidade com as questões de uso e ocupação do solo, assim como das funções urbanas.

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Movidos, pois, pelo espírito de contribuição a um Substitutivo adequado aos objetivos propostos, aprovamos a radical e principal transformação do sistema, que adota a municipalização do trânsito no respectivo âmbito territorial. Esta experiência não é novel. Já se acha consolidada, com foi salientado no Senado Federal, em cidades do porte de São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Salvador e Belo Horizonte (DCD, p.270-284).

Todavia, o relator rejeitou diversas das alterações promovidas pelo Senado Federal ao PL 3.710-B de 1993. Quanto à descentralização administrativa, conforme visto anteriormente o Senado havia feito algumas alterações. A principal delas foi a mudança ocorrida na distribuição da competência de fiscalização do trânsito urbano, pois o Senado havia substituído a expressão genérica “por infrações de circulação, estacionamento e parada”, por uma lista especificando as infrações que os municípios poderiam exercer o poder de policia administrativa, lista da qual a infração por excesso de velocidade foi retirada.

Tais alterações foram rejeitas pelo relator. Assim como os dois relatores anteriores, o deputado Beto Mansur e o senador Gilberto Miranda, o deputado Ary Kara optou por respeitar a repartição de competências que havia sido pactuada na Câmara, e alterada no Senado principalmente pela emenda do senador Sérgio Machado do PSDB-CE. Em sua justificativa, o deputado Ary Kara afirmou:

Dentro da lógica proposta na divisão de competências entre os órgãos executivos municipais de trânsito, tanto pelo texto da Câmara como do Senado, deve caber aos DETRAN’s a responsabilidade por todas as infrações relativas aos veículos e aos condutores, e aos municípios, as de circulação, estacionamento e parada (DCD, p.276).

Assim, retomou os incisos do PL 3.710-B de 1993 que haviam sido substituídos no Senado. Outra importante alteração realizada pelo relator na Câmara foi o restabelecimento de restrições para a participação de municípios no SNT, que foram retiradas no Senado. Tal modificação se deu por meio da reintrodução de um parágrafo no artigo das competências municipais, que afirmava o seguinte: “§ 2º Para exercer as competências estabelecidas neste artigo, os Municípios deverão integrar-se ao Sistema Nacional Trânsito, conforme previsto no art. 321 deste Código. (DCN, Seção I, 30 abr. 1994, p.6920)

126 O artigo 321 atribuiu ao CONTRAN a autoridade de estabelecer exigências para a integração dos municípios ao sistema. O texto, que surgiu somente no consenso da Câmara, foi o seguinte:

Art. 321. O CONTRAN estabelecerá, em até 120 (cento e vnte) dias após a nomeação de seus membros, as disposições previstas dos artigos 92 e 93 deste Código, que terão de ser atendidas obrigatoriamente pelos órgãos e entidades executivos e rodoviários de trânsito para exercerem suas competências.

(...)

§ 2º Os órgãos e entidades de trânsito a serem criados só poderão habilitar-se a exercer as competências previstas neste Código se atenderem, previamente, as exigências estabelecidas pelo CONTRAN, conforme disposto do caput deste artigo, verificadas pelo respectivo CETRAN, se órgão ou entidade municipal, ou CONTRAN, se órgão os entidade estadual, do Distrito Federal ou da União, após o que passarão a integrar o Sistema Nacional de Trânsito.

§3º o não pronunciamento do CETRAN ou do CONTRAN em até 60 (sessenta) dias sobre o pleito os órgãos e entidades a serem criados significará aprovação automática (DCN, Seção I, 30 abr. 1994,p. 6946).

As exigências para integração seriam estabelecidas pelo CONTRAN por meio de normas e regulamentos com objetivo de padronizar as ações de engenharia, operação, fiscalização e policiamento ostensivo de trânsito. O texto era o seguinte:

Art. 92 O Contran estabelecerá as normas e regulamento a serem adotados em todo o território nacional quando da implementação das soluções adotadas pela Engenharia de Tráfego, assim como padrões a serem praticados por todos os órgãos e entidades do Sistema Nacional de Trânsito.

Art. 93. O Contran estabelecerá padrões para a operação, a fiscalização e o policiamento ostensivo de trânsito de veículos e de pedestres de acordo com a população e as frotas registradas.

§1º a padronização a que se refere o caput deste artigo objetiva quantificar e qualificar homens e equipamentos, considerando o número de veículos e de pedestres;

§ 2º Os critérios a serem considerados para elaboração do treinamento dos agentes fiscalizadores obedecerá às normas do Contran (DCN, Seção I, 30 abr. 1994,p. 6926).

127 Em resumo, o relator Ary Kara rejeitou o texto proveniente do Senado que não estabelecia nenhuma restrição à participação do município. Mais uma vez preferiu retornar à decisão que havia sido tomada na Câmara dos Deputados durante a primeira fase de tramitação na casa. Ao tomar essa decisão, voltou a condicionar a participação dos municípios no SNT à obediência a critérios estabelecidos pelo CONTRAN, conforme o artigo 321.

Em julho de 1997, iniciaram-se as discussões em torno do substitutivo com as alterações derivadas do trabalho do relator Ary Kara.

Assim como no Senado, o relator manifestou preocupação com pressão da imprensa pela demora na aprovação do novo código. Em suas palavras, “A nação reclama pela votação desse projeto e o seu adiamento deixará esta casa em situação difícil perante a imprensa e a comunidade brasileira, pois estamos mexendo com vidas” (DCD, 24 jul 1997, p. 21329). Novamente, os elevados índices de fatalidade foram apontados como indicadores da necessidade de aprovação do texto.

Durante a reunião, não houve nenhuma manifestação desfavorável ao texto do Senado ou as alterações promovida pelo relator quanto à repartição de competências entre união, estados e municípios. Uma vez que tais alterações representaram a retomada do que já havia sido decidido na Câmara, nenhum dos deputados expressou descontentamento com o texto. Tanto o deputado Nílson Gibson, que na primeira fase de tramitação na Câmara foi um dos opositores à descentralização, quanto deputados favoráveis a descentralização concordaram com o texto.

Devido à necessidade de votação de emendas constitucionais, a votação do código na Câmara foi adiada por três vezes, realizando-se somente em setembro de 1997. Quando se considera a totalidade do código, com a diversidade de problemas e soluções que estavam na agenda de decisão, a votação foi repleta de debates e controvérsias. Porém, quando se considera a atenção dada à descentralização administrativa, um dos pontos mais polêmicos ao longo de todo o processo decisório, nenhuma disputa ocorreu na votação. Todas elas já haviam sido travadas ao longo da trajetória no Congresso Nacional.

Quanto aos itens relacionados à descentralização administrativa, o texto aprovado foi quase que inteiramente aquele enviado ao Senado Federal em 1994, o PL 3.710-B de 1993, com algumas alterações realizadas no Senado e que não foram rejeitadas pelo relator Ary Kara do PMDB-SP, que foram: 1) as sete competências municipais inseridas no Senado e 2) a retirada do parágrafo que atribuía aos estados a responsabilidade pela gestão do trânsito urbano, mediante convênio com os municípios, enquanto os municípios não se integrassem ao

128 sistema; 3) a competência atribuída aos estados de fornecer, aos órgãos e entidades executivos de trânsito e rodoviários municipais os dados cadastrais dos veículos registrados e dos condutores habilitados, para fins de imposição e notificação de penalidades e de arrecadação de multas nas áreas de suas competências.

O projeto de lei foi remetido à presidência para sanção ainda em setembro de 1997, sendo sancionado pelo Presidente da República em 23 de setembro de 1997, transformando-se na Lei nº 9.503 de 1997, acompanhada da respectiva mensagem de veto nº 1.056.