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1.2. A LUTA POR UMA EDUCAÇÃO NO CAMPO E DO CAMPO

1.2.2 As conquistas da Educação do Campo

Uma conquista das organizações de trabalhadores e trabalhadoras do campo, no âmbito da luta por políticas públicas, foi a aprovação, por unanimidade, pelo Conselho Nacional de Educação, das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo – Resolução nº 01, de 03 de abril de 2002/CNE/MEC, homologadas pelo ministro da Educação em 12 de fevereiro de 2002.

Da mesma forma que a Constituição de 1988 foi resultado de uma luta popular contra a Ditadura Militar, o restabelecimento da democracia no Brasil foi o princípio para a aprovação das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica do Campo, como salienta Fernandes (2004, p.143)” a luta pela terra possibilitou a formação de uma concepção democrática de educação, em que os seus protagonistas propuseram e levaram a cabo o direito de ter uma escola que contribua de fato para o desenvolvimento do campo”.

A aprovação dessas diretrizes foi importante para educação do espaço rural, pois, pela primeira vez na história da educação brasileira, são elaboradas políticas públicas específicas para educação básica do campo. Segundo Fernandes (2004, p136) “a aprovação das Diretrizes representa um importante avanço na construção do Brasil rural, de um campo de vida, onde a escola é espaço essencial para o desenvolvimento humano”.

Como forma de analisar e compreender as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica do Campo, citam-se alguns artigos que possibilitem a reflexão da concepção e

identidade da Educação do Campo. Desse modo, a questão da identidade da escola do campo é retratada no parágrafo único do Artigo 2º das diretrizes:

Parágrafo único: a identidade da escola do campo é definida pela sua vinculação às questões inerentes á sua realidade, ancorando-se na temporalidade e saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros, na rede de ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos movimentos sociais em defesa de projetos que associem as soluções exigidas por essas questões à qualidade de vida coletiva no país.

Outro aspecto importante das diretrizes é que elas legitimam as demandas dos movimentos sociais, “As demandas provenientes dos movimentos sociais poderão subsidiar os componentes estruturantes das políticas educacionais”, são uma forma de respeitar os saberes, as vivências desses sujeitos, uma vez que eles são os atores e atrizes sociais dessa educação.

No Artigo 13 constam as condições fundamentais para o desenvolvimento real da escola do campo como: a formação de professores para a docência nas escolas do campo; o reconhecimento dos sujeitos que vivem no campo; a construção de propostas pedagógicas que valorizem as diversidades culturais, uma realidade do campo brasileiro; e a defesa de uma educação de cooperação e não de competição.

Art. 13. Os sistemas de ensino, além dos princípios e diretrizes que orientam a Educação Básica no País, observarão, no processo de normatização complementar da formação de professores para o exercício da docência nas escolas do campo, os seguintes componentes:

I – estudos a respeito da diversidade e o efetivo protagonismo das crianças, dos jovens e dos

adultos do campo na construção da qualidade social da vida individual e coletiva, da religião, do país e do mundo;

II – propostas pedagógicas que valorizem, na organização do ensino, a diversidade cultural

e os processos de interação e transformação do campo, a gestão democrática, o acesso ao avanço científico e tecnológico e respectivas contribuições para a melhoria das condições de vida e a fidelidade de princípios éticos que norteiam a conivência solidária e colaborativos nas sociedades democráticas.

Portanto, as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo representam uma conquista, todavia a lei não garante a sua aplicabilidade por si só. Neste

momento, homens e mulheres que constituem os movimentos sociais do campo têm que lutar para que estas leis sejam efetivamente aplicadas e respeitadas, caso contrário será mais uma legislação sem execução neste Brasil.

Outra conquista desse movimento em defesa de uma educação do e no campo foi a criação, por parte do Governo Federal, em 2004, da Coordenação Geral de Educação do Campo ligada à Secretaria de Educação Continuada Alfabetização e Diversidade (SECAD/MEC), que tem, entre outras funções, debater e implementar, junto aos gestores municipais, as Diretrizes Operacionais para as Educação Básica nas Escolas do Campo.

Uma conquista importante é a criação do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA, implantado em 16 de abril de 1998, por conta da pressão, mobilização dos movimentos sociais do campo no que tange à educação escolar para as áreas de Assentamentos e Acampamentos6. Pode-se afirmar que esse programa foi a primeira conquista efetiva na luta por educação do campo e contribuiu no processo de conquista de políticas públicas para o sujeito do campo. O PRONERA é vinculado ao Ministério de Desenvolvimento Agrário e tem como objetivo executar políticas de educação em todos os níveis para os jovens e adultos assentados e acampados.

A parceria é a condição indispensável para operacionalizar as ações do PRONERA, e os principais parceiros são os movimentos sociais, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA e as instituições públicas de ensino superior. Esse modelo de gestão participativa é inovador por conta das funções atribuídas a cada parceiro envolvido com o Programa. O INCRA tem a atribuição de financiar e acompanhar a execução dos projetos; as instituições de ensino superior têm a atribuição de elaborar, juntamente com os movimentos sociais, os projetos educacionais e é responsável pela execução, coordenação e acompanhamento dos projetos implantados; e os movimentos sociais participam da elaboração, execução e acompanhamento dos projetos, além de apresentar as demandas que serão atendidas e a mobilização efetiva das comunidades.

Cabe ressaltar que, no início, o PRONERA só tinha o objetivo de implantar projetos educacionais de Alfabetização de Jovens e Adultos. Após um processo de luta dos movimentos sociais e sindicais do campo, reivindicando projetos educacionais em outros níveis escolares, o Programa iniciou a realização de projetos em todos os níveis escolares, desde a alfabetização até o ensino superior.

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Assentamentos: áreas conquistadas através da luta organizada do coletivo dos movimentos sociais de forma definitiva e legalizada, ou seja, são áreas que os trabalhadores possuem as escrituras. Acampamentos: áreas em que o movimento concentra a sua ação reivindicatória em busca da conquista da terra para trabalhar, nesse caso são áreas improdutivas passiveis de reforma agrária de acordo com a Constituição.

O PRONERA é o executor das práticas e reflexões teóricas da Educação do Campo. Sua implantação é reflexo do Movimento por uma Educação do Campo que luta por políticas públicas educacionais diferentes das que eram oferecidas para o meio rural, possibilitando aos sujeitos serem protagonistas de sua própria história.

A denúncia do silêncio, esquecimento e desinteresse sobre o rural nas pesquisas sociais e educacionais é, também, uma conquista do movimento por uma educação do campo, pois colocou o tema em discussão no cenário nacional, mostrando que é urgente ouvir e compreender a “dinâmica social, cultural e educativa dos diferentes grupos que formam o povo do campo”, como explica Arroyo, Molina e Caldart (2004, p 8),

O movimento Por Uma Educação do Campo nasceu para denunciar esse silenciamento e esquecimento por parte dos órgãos governamentais, dos núcleos de financiamento estímulo à pesquisa, dos centros de pós- graduação e dos estudiosos das questões sociais e educacionais.

Contudo, é importante ressaltar que todas essas ações, em vista à execução de uma política pública para Educação no e do Campo, mesmo sendo consideradas conquistas por conta do processo histórico de políticas focalizadas e compensatórias para os sujeitos do campo, ainda são tímidas se comparadas à enorme necessidade de políticas públicas educacionais para o Campo brasileiro, isto é, essas iniciativas não promoveram as transformações reais e necessárias.