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As conquistas e os enfrentamentos atuais

3 FORMAÇÃO E EVOLUÇÃO TERRITORIAL DO MUNICÍPIO DE IRARÁ

1. Projeto de Regularização Fundiária, em áreas de concentração de minifúndios em

4.2.2 A organização sócio-política da Comunidade de Olaria: estratégia de resistência de um território segregado

4.2.2.5 As conquistas e os enfrentamentos atuais

Os quilombolas de Olaria durante todo o processo histórico de construção do espaço geográfico, sempre estiveram incorporados na política e na economia municipal apenas como exército de reserva de mão de obra ou como massa silenciosamente legitimadora de processos políticos antidemocráticos. No entanto, a partir das suas inquietações, em 1994 entram na luta

política. Dessa forma, começaram a ser reconhecidos, a se reconhecerem e a atuarem como sujeitos políticos e econômicos.

Tal organização seguida de uma mobilização e conscientização social têm gerado muitos avanços para Comunidade. Porém, todos os envolvidos (grileiros, poder público e quilombolas) ou até mesmo, aqueles que apenas acompanham a situação desta Comunidade sabem que este é apenas um processo em curso, pois os quilombolas têm como maior meta a regularização fundiária de seu território, historicamente expropriado, tendo como referência o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Este “sonho” se transformou em pesadelo para os atores políticos e econômicos que se transformaram em grandes latifundiários.

Sendo assim, a população se organiza e busca a solução para situação de exclusão tentando reverter a sua condição histórica e até mesmo atual, pois conforme Chiavenato (1989, p. 5) "uma das características básicas da historiografia oficial é negar ao povo qualquer participação profunda nas mudanças da sociedade".

Compreende-se que a própria história da comunidade resulta de estratégias de resistências empreitadas pelos escravos na busca da soberania. Por conta disso, ao longo da história, os quilombos "quase sempre foram perseguidos e destruídos, com dois objetivos: recapturar trabalhadores para as lavouras e, principalmente, exterminar os perigosos focos de insurreição que ameaçavam todo o sistema escravista” (CHIAVENATO, 1989, p. 77).

Do ponto de vista ideológico, nota-se que os quilombolas sempre foram usados como “massa descartável” e, desse modo, jamais poderiam participar do modelo capitalista como parceiro no crescimento econômico. Esta massa não poderia ter os mesmos direitos que gozavam as classes dominantes, para alijá-la de qualquer processo participativo, aniquilando-os como sujeitos históricos.

A luta pela terra sempre foi grande desafio para os moradores de Olaria, pois a exclusão da mesma sempre trouxe inúmeras e sérias conseqüências, porém, mesmo diante desta evidente segregação sócio-espacial, conseguiram resistir às duras penas aos processos espoliativos e explorativos imposto pelos latifundiários. O processo organizativo dos quilombolas se intensifica, na década de 1990, onde se observa o surgimento de suas organizações. Dessa forma, a Comunidade empreitou, e empreita, uma diversidade de lutas: contra a exploração do trabalho e por melhores condições de trabalho e de vida; contra a expulsão/expropriação, que se configura

na luta pelo direito de ficar na terra de viver na terra e de não se submeter ao capital; pelo retorno a terra; pela reconquista da terra para o trabalho.

O que se vê é que existem várias formas de organizações de trabalhadores na luta contra a exploração e conquista da terra, Moreira e Targino (1997, p. 280), defendem que, em todo e qualquer campo de luta, é fundamental que o trabalhador esteja organizado dentro do seu movimento social, sejam em associações, em grupos produtivos, cooperativas, partidos políticos, sindicatos ou similares.

Sendo assim, compreende-se que a mobilização da comunidade de Olaria na busca da soberania política resulta das mudanças pela qual o mundo tem passado, sendo assim, as ações globais tem interferido no local, mesmo nas comunidades ditas tradicionais. Dessa forma, o processo denominado “Terceira Revolução Industrial” ou de “Reestruturação Produtiva”, entendido como uma nova forma de produzir, viabilizada pelos avanços tecnológicos, e por novas formas de organizar a sociedade, que tem uma abrangência global, vem introduzindo mudanças radicais na vida e nas relações das pessoas e, por conseqüência, no viver das pessoas.

Estes fatos têm interferido na dinâmica e na estrutura tanto teórica quanto prática dos movimentos sociais na comunidade de Olaria.

Diante das observações empíricas no campo de pesquisa, é possível notar que o marxismo ainda representa uma teoria que fundamenta a práxis de muitos dos movimentos sociais, em especial os Movimentos Sociais Rurais, que andam ao lado dos princípios da Teologia da Libertação, propostos pela Igreja Católica progressista. Sendo assim, os movimentos sociais são entendidos como processos que se efetivam num determinado contexto e em função das condições estruturais da sociedade. Não ocorrem por acaso, espontaneamente, mas tornam-se movimentos pelas ações dos homens na História. Desta forma, as contradições favoreceram/favorecem o surgimento de movimentos em luta pela aquisição de direitos historicamente negados.

Lojkine, por exemplo, assim os interpreta:

Um movimento social caracteriza-se primeiramente pela capacidade de um conjuntode agentes das classes dominadas diferenciar-se dos papéis e funções através dos quais a classe (ou fração de classe) dominante garante a subordinação e dependência dessas classes dominadas com relação ao sistema sócio-econômico emvigor (LOJKINE, 1997, p.314).

Numa releitura do marxismo, o autor recupera categorias deixadas de lado por grande parte dos estudiosos marxistas, tais como valores, cultura e experiência, sem cair no campo específico da fenomenologia. Compreendendo as classes como processo em formação e não como sujeito, de antemão, determinado, “Thompson retoma a idéia marxista da classe como sujeito, da classe como categoria histórica, ampliando seu significado, enquanto relação. A consciência vai sendo gerada na luta. Não há um projeto político previamente demarcado, ele se constrói na práxis” (GOHN, 2000 p. 205).

Os movimentos sociais não surgem por acaso nem se processam mecanicamente. Os movimentos sociais rurais dizem respeito à luta pelo acesso à cidadania, referem-se à luta por uma melhoria de vida coletiva, cujas demandas e reivindicações direcionam-se ao Estado.

Por conta disso, os movimentos locais que têm proporcionado modificações na estrutura sócio-territorial e na territorialidade da comunidade de Olaria, mesmo partindo da comunidade, são apoiados por partidos de esquerda, por intelectuais e pela ação da igreja católica progressista, por meio da atuação das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Estes atores sociais vêm redefinindo o cenário político da comunidade em termos de organização política.

Destaca-se, nesse contexto, a mobilização nos espaços de moradia de homens e mulheres, que, com a expropriação das terras, passaram a viver as contradições e dificuldades de um território excludente e desigual.

De acordo com Barreira (1992, p. 30), “as formas de apreensão e politização dos atores sociais não obedecem a maniqueísmos, mas respondem dialeticamente às condições objetivas”. As práticas reivindicativas da população historicamente excluída apontam para uma nova percepção da cidadania, relativa aos direitos sociais para além da legalidade. Essas práticas fundamentam-se numa valoração ética e humanitária, que passa a legitimar, junto aos moradores, ações em torno da luta por condições dignas de vida. As contradições econômicas expressam-se em desigualdades sócio-espacial só se transformam em conflito quando entram novos valores éticos e uma intensa politização, transformado a comunidade em lugar de protesto político.

Para tanto, a Igreja Católica, em sua ala progressista, através das CEB, e segundo os princípios da Teologia da Libertação, assumiu papel fundamental. Acreditava-se, então, na capacidade criadora e transformadora do “saber popular” e na perspectiva de que o “povo faz sua própria História”. Essas experiências espalharam-se pelo País e foram se definindo em função das peculiaridades dos espaços onde ocorreu, tal como se viu, e vê, na comunidade quilombola de

Olaria. A ação dos atores sociais resultou da luta organizada da comunidade, cujo sucesso foi proporcional à sua capacidade de organização e pressão. Assim, apesar das iniciativas e de algumas conquistas, é possível notar, que a regularização fundiária e, a conseqüente restituição das terras expropriadas, é a única alternativa para a Comunidade sair da condição de exclusão na qual se encontra.