• Nenhum resultado encontrado

2.3 O CRESCENTE AUMENTO DE ACESSOS À INTERNET

2.3.2 A consciência social no seu uso

O homem (homo sapiens), afirma Kant (2005), é a única criatura racional sobre a terra, ou seja, que pensa e tem consciência de seus atos, guiados pelo uso 23 O mundo ciberespacial é composto e constitui-se não pelo espaço ou tempo que ocupa, mas pelo intercâmbio das informações – permuta de dados e comunicabilidade intersignificativa –, propulsionado pela energia colateral teleológica de sistemas vivos (seres humanos e sociedade). (COLLI, 2010, p. 31).

da razão. O homem é capaz de dar um significado daquilo que se conscientiza, de transmitir esse significado e de idealizá-lo, antecipando ações futuras.

Neste ponto, Leontiev (1978, online) salienta que o:

[...] estudo completo da consciência como uma forma superior, especificamente humana da psique, que surge no processo da interação social e que pressupõe o funcionamento da linguagem, constitui o requisito mais importante para a psicologia do homem.

Assim, antes de procurar uma definição para “consciência social”, é oportuno buscar um entendimento do que é “consciência”.

Gomes (2003, p. 124), resumindo Freud, diz que a consciência é “a função de um sistema específico do aparelho psíquico, responsável pela percepção do mundo exterior, de sentimentos e de processos do pré-consciente”.

Para o dicionário Priberam da Língua Portuguesa, consciência é “a faculdade de a razão julgar os próprios atos”. É um termo que provém do latim

conscientia, o qual significa conhecimento, o cumprimento do dever, o conhecimento

interior de certo ou errado.

Partindo desses significados, conclui-se que o termo “consciência” possui uma estreita ligação com o entendimento maniqueísta do bem e mal, do que é bom e do que é ruim, envolvendo a percepção do mundo exterior, o entendimento, a ética e assumindo o papel de crítica e juízo aos atos do homem.

Com a evolução natural e a tomada da razão, do homem racional, o indivíduo passou a adquirir conhecimento e, ao transformar esse conhecimento em cultura, passou a moldar o mundo ao redor de acordo com suas necessidades e aspirações. Da consciência individual emerge a consciência social ou coletiva.

Motta (2006, online) conceitua a consciência social como sendo “a forma com a qual o homem lida com as regras que regem a sua vida e é o que organiza e dá sentido ao que é vivido coletivamente, ou seja, organizando e dando sentido à vida social ou ao viver em sociedade”. Dessa forma, passamos a ter uma consciência coletiva, a qual não exclui, mas engloba a consciência individual, e mantém a estrutura da sociedade e a harmonia coletiva.

Na Sociedade da Informação, apesar das barreiras de tempo e espaço terem sido quebradas e as fronteiras do novo mundo, o mundo virtual, terem surgido, as regras de uma consciência social e coletiva ainda permanecem.

Sobre o mundo virtual, fruto da evolução tecnológica, Vianna (2003a, p. 15) salienta que não é um lugar “bom ou mau em si mesmo, mas tão-somente um instrumento tecnológico colocado à disposição da humanidade que pode usá-lo bem ou mal”. O computador, assim como qualquer outro instrumento tecnológico usado para o acesso à internet, por si só, também não é capaz de criar algo bom ou algo ruim. Por ser um mero instrumento da vontade humana, deve ser programado para determinada finalidade objetivada por essa vontade.

Como exemplo comparativo, pode-se usar uma faca de cozinha. Percebe- se que a faca de cozinha, por ser um objeto inerte, não é capaz de cometer a lesão corporal ou o homicídio. O homem, por sua vez, pode usar essa faca como instrumento para alcançar tais objetivos. Isso não significa, todavia, que ela deveria ter sua fabricação banida para não ser mais usada como instrumento criminal. É necessário ter noção de que ela é um objeto com poder ofensivo, porém não foi desenvolvida com esse propósito, restando ao homem possuir a consciência do seu manuseio.

O mesmo raciocínio acompanha os instrumentos tecnológicos. Como instrumentos, eles são auxiliares da construção do conhecimento individual e coletivo, porém dependem da boa vontade de quem os usa.

Nesse ponto, Colli (2010, p. 34) faz alguns comentários:

O indivíduo, ao ingressar no mundo on-line (virtualizado), traz consigo as características do seu comportamento no mundo off-line (real/tangível). Estabelece-se aí a dialética virtual-real, na qual a denominada realidade virtual passa a ser o palco.

O estabelecimento dessa dialética é fundamental para a compreensão dos cibercrimes cometidos na internet. A partir de uma conduta exercida no mundo real, como, por exemplo, digitar um texto ou clicar em algum

hyperlink, pode-se exercer simultaneamente uma ação e um resultado no

mundo virtualizado, como, por exemplo, a publicação de algum vídeo ou texto.

Fonseca Filho (2007, p. 139) aponta outro problema que surge do mau uso da tecnologia – ou do uso sem consciência – observado entre jovens e adultos que veem no computador a sua principal atividade de lazer e trabalho: “o excesso de informação e o perigo do empobrecimento que pode ser causado pelo [seu] uso indevido [...]”. Com o montante absurdo de informações disponibilizadas a todo instante na rede, fica difícil para o cidadão comum selecionar aquilo que realmente

vai ajudá-lo a construir um conhecimento individual útil, que irá o auxiliar em sua progressão social enquanto indivíduo e enquanto membro da comunidade.

É o que defende Paul Virilio, citado por Colli (2010, p. 37), o qual:

[...] utilizando-se da teoria do acidente, defende uma visão apocalíptica da interatividade e virtualização da rede mundial de computadores. Segunda essa teoria, defendida pelo autor, uma determinada técnica deve ser encarada sob dois aspectos: a mostração e a demonstração. A primeira diz respeito à publicidade, à propaganda e à promoção da técnica. A segunda diz respeito ao fracasso, à derrota, ao acidente que dela pode advir. Como exemplo ele cita o navio, que, ao ser inventado (mostração) ensejou o naufrágio (demonstração). Cada técnica tem o seu acidente, afirma dando a entender que a internet também está suscetível ao seu acidente. Para este autor, a velocidade com que a mundialização e a globalização da informação atingem o indivíduo faz com que este tenha curto espaço de tempo para se adaptar. As novas tecnologias arrebatam o indivíduo de tal maneira que este acaba por ter de atuar em desarmonia com a sua própria constituição natural.

Por essa característica, uma dúvida surge: é a humanidade que está à mercê da tecnologia ou é a tecnologia que esta evoluindo no ritmo das conjunturas da sociedade e ajudando ao ser humano entender melhor as regras que regem a sua vida enquanto indivíduo dentro um grupo?

Para Castells (2002, p. 43) “a tecnologia não determina a sociedade e nem a sociedade transcreve o curso da transformação tecnológica”, o que existe é uma interação entre diferentes valores.

Porém, inegável é a afirmação de que as pessoas já estão conscientes de que o uso do computador afeta a sua vida diariamente. Já é possível viver com um mínimo contato com o mundo real, no mundo virtual, o qual, pela sensação de anonimato e impunidade que proporciona, transforma o indivíduo em sua consciência individual, afetando consequentemente a consciência social e a maneira que esse indivíduo irá atuar no mundo real.

3 CRIMES INFORMÁTICOS

Seria impossível tratar de crimes informáticos sem conceituar o que de fato é considerado “crime”. E, para melhor entendimento, traz-se a lume alguns destes conceitos gerais de acordo o direito penal, para, posteriormente, aprofundar- se na definição dos crimes eletrônicos, escopo do presente capítulo.

De acordo com Damásio de Jesus (1998, p. 111) o crime pode ser conceituado sob os aspectos formal e material. O primeiro conceito “apreende o elemento dogmático da conduta qualificada como crime por uma norma penal”. Enquanto que o segundo “vai além, lançando olhar às profundezas as quais o legislador extrai os elementos que dão conteúdo e razão de ser”. Por outro lado, Capez (2004, p. 106) também apresenta o aspecto analítico, o qual [...] “busca, sob um prisma jurídico, estabelecer os elementos estruturais do crime”.

Sob o aspecto formal, a Teoria Clássica, dominante no século XIX, delimita crime como sendo fato típico, ilícito (antijurídico) e culpável.

Segundo Capez (2004, p. 108), o fato típico é “o fato material que se amolda perfeitamente aos elementos constantes do modelo previsto na lei penal”. Quanto à ilicitude e a culpabilidade, Damásio de Jesus (1998, p. 114) coloca que são “a relação de contrariedade entre o fato típico e o ordenamento jurídico” e “a reprovação da ordem jurídica em face de estar ligado o homem a um fato típico e antijurídico”, respectivamente.

Entretanto, com o advento da Teoria Finalista24, a culpabilidade perdeu os elementos que interessavam ao conceito de crime e passou a constituir apenas pressuposto de pena, conforme leciona Capez (2004, p. 106):

Dessa maneira, em primeiro lugar deve ser observada a tipicidade da conduta. Em caso positivo, e só nesse caso, verifica-se se a mesma é ilícita ou não. Sendo o fato típico e ilícito, já surge a infração penal. A partir daí é só verificar se o autor foi ou não culpado pela sua prática, isto é, se deve ou não sofrer um juízo de reprovação pelo crime que cometeu. Para a existência da infração, portanto, é preciso que o fato seja típico e ilícito. Assim, crime passou a ser toda ação típica e ilícita, não necessariamente culpável.