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Dificuldade na fixação da competência jurisdicional para processo e

4.2 DIFICULDADES DO SISTEMA JURÍDICO PENAL FRENTE AOS CRIMES

4.2.3 Dificuldade na fixação da competência jurisdicional para processo e

julgamento: tempo, lugar e o princípio da (extra)territorialidade

Primeiramente, cabe apontar algumas considerações acerca da jurisdição e da competência.

Conforme explica Tourinho Filho (1999, p. 53), a jurisdição é aquela função do Estado consistente em fazer atuar, pelos órgãos jurisdicionais, que são os Juízes e Tribunais, o direito objetivo a um caso concreto, obtendo-se a justa composição da lide. Continua o doutrinador:

Como Poder [...] a jurisdição é uma emanação da soberania nacional. Como função, a jurisdição é aquela incumbência afeta ao Juiz de, por meio do processo, aplicar a lei aos casos concretos. Finalmente, como atividade, a jurisdição é toda aquela diligência do Juiz dentro no processo, visando a dar a cada um o que é seu. (TOURINHO FILHO, 1999, p. 53).

Ocorre, entretanto, que o órgão jurisdicional não tem condições de aplicar o direito objetivo a todos os conflitos interindividuais que surgem, pois é inconteste o número elevado e diversificado de lides que se desenvolvem no país. Assim, existe a necessidade de se distribuir os processos entre os diversos órgãos jurisdicionais previstos na Constituição Federal, e dessa divisão, para Liebman (apud GARCIA, 2003, online) surge o conceito de competência: a quantidade de jurisdição cujo exercício é atribuído a cada órgão ou grupo de órgãos.

Com o propósito de demonstrar o grau de importância desta divisão, a própria Constituição Federal indica no seu artigo 5º, inciso LIII, que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”.

Para essa distribuição, existem alguns elementos das situações jurídicas levados em consideração pela lei para estabelecer qual a competência dos órgãos jurisdicionais, não havendo na doutrina uma uniformidade na adoção destes elementos.

São alguns exemplos de definição adotados: valor da causa – segundo o valor econômico da relação jurídica; matéria – segunda a natureza da relação jurídica; função – segundo a função que o órgão jurisdicional é chamado a exercerem relação a uma determinada demanda; pessoa – segundo a condição dos sujeitos da lide; e território – segundo o lugar onde se encontram os sujeitos ou o objeto da relação jurídica que constitui objeto do processo (ALVIM, 1999, p. 91).

Para o presente estudo, devido aos caráteres interfronteiriço e transnacional dos crimes informáticos, das competências supramencionadas, será focada a territorial.

Como visto anteriormente, para a verificação de aplicação da lei brasileira, a teoria da ubiquidade proporciona certa liberdade quanto à definição do local do crime – considerando como lugar do crime tanto onde ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como o de seu resultado.

Porém, em relação à competência, o Código de Processo Penal estabelece que seja fixada atentando-se ao disposto no artigo 69, in verbis:

Art. 69. Determinará a competência jurisdicional: I - o lugar da infração:

II - o domicílio ou residência do réu; III - a natureza da infração;

IV - a distribuição;

V - a conexão ou continência; VI - a prevenção;

VII - a prerrogativa de função.

No caso do local da infração, é aplicada a teria do resultado, conforme o artigo 70: “A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução”.

Já os parágrafos 1º e 2º do mesmo artigo versam sobre as hipóteses dos chamados crimes à distância ou de espaço máximo, onde estão em evidência a jurisdição de dois ou mais países soberanos (GARCIA, 2003, online). Dispõem os citados dispositivos legais que "se, iniciada a execução no território nacional, a infração se consumar fora dele, a competência será determinada pelo lugar em que tiver sido praticado, no Brasil, o último ato de execução" (§1°) e "quando o último ato de execução for praticado fora do território nacional, será competente o juiz do lugar

em que o crime, embora parcialmente, tenha produzido ou devia produzir seu resultado" (§2°).

O parágrafo 3º por sua vez, estipula que quando incerto o limite territorial entre duas ou mais jurisdições, ou quando incerta a jurisdição por ter sido a infração consumada ou tentada nas divisas de duas ou mais jurisdições, a competência firmar-se-á pela prevenção. Ou seja, torna-se prevento o órgão jurisdicional que primeiro tiver praticado algum ato do processo ou medida a este relativa.

Aldemário Castro (2008, online) também destaca a possibilidade de aplicação do artigo 7251, que toma o domicílio ou residência do réu para fixar a competência não sendo conhecido o lugar da infração.

Dessa maneira, apesar de bem estabelecidas no Código de Processo Penal as regras para fixação da competência, em um eventual conflito referente ao crime informático, a questão deve ser analisada com maior atenção, como aponta Colli (2010, p. 103):

[...] isto se deve ao fato de que em uma infração penal desta natureza podem existir diversos critérios a orientar o local onde, de fato, houve a consumação. Dentre estes critérios pode-se citar: a) local onde se encontrava o sujeito ativo do crime (quem, por exemplo, publica um vídeo de pornografia infantil na rede); b) local onde se encontrava o sujeito passivo do crime (quem visualiza aquele vídeo); c) o local do servidor que armazena o vídeo (tendo em vista que é ali que estão os dados acessados); d) ou ainda, não há como se estabelecer onde ocorreu a infração, pois ocorrida em ambiente que não possui locus definido (intangibilidade on-line). Apesar da aparente liberdade trazida pela teoria da ubiquidade – pois permite que se atribua o locus comissi delicti tanto ao local da ação ou omissão como ao local do resultado do crime – há que se ter em conta que os Tribunais Superiores [...] têm mitigado a aplicação desta teoria nos casos de cibercrimes. [...] há tendência de se utilizar tanto a teoria da ação quanto a do resultado para se definir a competência territorial; seja com base no tempo da ação (ou omissão), seja com base no local do resultado.

A fim de elucidar a divergência dos Tribunais Superiores, serão apresentados alguns exemplos de decisões.

Ademais, nas infrações de caráter internacional, que se encaixem na aplicação do artigo 7º do Código Penal (princípio da extraterritorialidade), usar-se-ia o disposto no artigo 109, inciso V, da Constituição Federal, que atribui aos juízes

51 Art. 72. Não sendo conhecido o lugar da infração, a competência regular-se-á pelo domicílio ou residência do réu.

§ 1º Se o réu tiver mais de uma residência, a competência firmar-se-á pela prevenção.

§ 2º Se o réu não tiver residência certa ou for ignorado o seu paradeiro, será competente o juiz que primeiro tomar conhecimento do fato.

federais a competência para processar e julgar "os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente".

E conjuntamente o disposto no artigo 88 do Código de Processo Penal, o qual estipula que:

No processo por crimes praticados fora do território brasileiro, será competente o juízo da Capital do Estado onde houver por último residido o acusado. Se este nunca tiver residido no Brasil, será competente o juízo da Capital da República.

Isto, evidentemente, se houver indícios suficientes de autoria e for apreendido o sujeito ativo.

4.2.3.1 Jurisprudência do STJ

O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Conflito de Competência 66.981/RJ, no qual se discutia a competência do delito tipificado no Estatuto da Criança e do Adolescente, cometido através da publicação de imagens pornográficas pela internet, definiu que a infração se consumou no momento da publicação das imagens na internet, pouco importando onde se encontrava sediado o provedor de acesso e o servidor de hospedagem da internet. Desse modo, conforme aponta Colli (2010, p. 104), foi aplicada a teoria da ação ou atividade – considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado – para se determinar o local da consumação e a definição da justiça, foro e vara competentes.

No mesmo sentido está o Conflito de Competência 29.886/SP, no qual explica o Ministro Relator Og Fernandes que:

[...] de acordo com o entendimento deste Superior Tribunal, o delito previsto no art. 241 do ECA ocorre no momento da publicação das imagens, ou seja, no lançamento das fotografias de pornografia infantil na Internet. Por isso, o local em que se encontra sediado o provedor de acesso ao ambiente virtual não é relevante para a fixação da competência.

Por outro lado, no Conflito de Competência 57.411/RJ, o qual também se tratava de delito de divulgação de imagens pornográficas de criança e adolescente, em que um sujeito em Brasília teria enviado cinco imagens, via MSN Messenger, para outra pessoa que estava no município do Rio de Janeiro, a Terceira Seção do

Superior Tribunal de Justiça fixou a competência no foro onde a pessoa que recebeu as imagens visualizou-as, qual seja, Rio de Janeiro.

No mesmo sentido está o Conflito de Competência 40.569/SP, no qual as vítimas foram constrangidas mediante ameaças de extorsões via correio eletrônico. Os Ministros da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça decidiram que é competente o juízo do local da consumação do crime e assim, aplicando a teoria do resultado disposta no artigo 70 do Código de Processo Penal, a consumação se deu no lugar do recebimento das mensagens eletrônicas.

Já no Habeas Corpus 24.858/GO, o qual também tratava do crime tipificado no artigo 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente, a Sexta Turma, por maioria, decidiu que é da competência da Justiça Federal, haja vista que as fotos dos menores foram publicadas na rede internacional de computadores (internet) e, de acordo com o artigo 109 da Constituição Federal, cabe aos juízes federais processar e julgar os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando iniciada a execução no País, e o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente.

Apesar da divergência percebível, o Superior Tribunal de Justiça aos poucos uniformiza certas ações criminosas, como é o caso do furto efetivado em sistema digital de dados. Tanto no Conflito de Competência 67.343/SP quanto no 72.738/RS, os Ministros se pronunciaram no sentido de que a consumação da subtração de dinheiro por meio de transferência via internet ocorre no momento em que o bem é subtraído da vítima, saindo da sua esfera de disponibilidade. Em consonância com o artigo 70 do Código de Processo Penal.

4.3 A NECESSIDADE DE ALTERNATIVAS ADEQUADAS, EFICAZES E