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3 DO ATUAL MODELO DE RESPONSABILIDADE DOS JUÍZES

3.1 O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foi criado pela Emenda Constitucional n.º 45, de 8 de dezembro de 2014, com a inserção do inciso I-A ao art. 92 e do art. 103-B. Conforme previsão constitucional, o CNJ é órgão interno do Poder Judiciário, apesar de sua composição heterogênea com membros que não pertencem à magistratura, como advogados, membros do Ministério Público e cidadãos de notório saber jurídico e reputação ilibada.

O referido órgão foi criado com a finalidade de fiscalização do Poder Judiciário, atuação fiscalizatória administrativa, financeira e disciplinar dos integrantes desse poder, bem como de correição quanto ao cumprimento, pelos magistrados, dos seus deveres funcionais, além da função de gestão da eficácia administrativa dos órgãos jurisdicionais. O CNJ não é dotado de função jurisdicional, ou seja, não possui a atribuição de pacificação de conflitos interindividuais a partir da aplicação do direito, apesar de realizar julgamentos atrelados à sua função de fiscalização.

Por essa razão, uma das inovações mais importantes realizada pela Emenda Constitucional nº 45 foi a criação do Conselho Nacional de Justiça. Ao contrário da experiência de outros países, no Brasil, a instituição do Conselho Nacional de Justiça não ocorreu para responder a anseios da magistratura por maior autonomia e independência, nem para impedir a ingerência de outros Poderes no Poder Judiciário, mas sim como forma de integração e coordenação dos diversos órgãos jurisdicionais do país, por meio de um organismo central com atribuições de controle e fiscalização de caráter administrativo, financeiro e correicional (MENDES, 2009).31

A criação do CNJ foi muito criticada, especialmente pela classe dos magistrados, que passou a ter um órgão para controlar administrativamente o exercício de sua atividade. Os principais argumentos contrários dirigiam-se ao controle das atividades dos magistrados, violando a separação e independência dos poderes, com a usurpação da competência de exercer a jurisdição atribuída constitucionalmente ao Poder Judiciário. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n.º 3.367 (relator ministro Cezar Peluso, julgado em 13-04-2005, publicado em 22-09-2006),32 afastou esses argumentos, reconhecendo a constitucionalidade da Emenda Constitucional n.º 45/2004, uma vez que o CNJ é órgão interno do Poder Judiciário, não exerce atividade jurisdicional e tem suas atribuições limitadas ao controle administrativo, financeiro e disciplinar da magistratura, sem afronta das atribuições da separação e da independência dos poderes.

Dentre as prerrogativas do CNJ e poderes atribuídos pelo texto constitucional, previstos especialmente no art. 103-B, § 4º da Constituição, destaca-se, inicialmente, o poder de editar atos regulamentares e definir normas disciplinares, mecanismos de controle e

31 MENDES, Gilmar. Organização do Poder Judiciário Brasileiro. 2009. Disponível em: http://www.stf.

jus.br/arquivo/cms/noticiaArtigoDiscurso/anexo/JudicBrasil.pdf. Acesso em: 29 dez 2018.

32 "Ação direta. EC 45/2004. Poder Judiciário. CNJ. Instituição e disciplina. Natureza meramente administrativa.

Órgão interno de controle administrativo, financeiro e disciplinar da magistratura. Constitucionalidade reconhecida. Separação e independência dos Poderes. História, significado e alcance concreto do princípio. Ofensa a cláusula constitucional imutável (cláusula pétrea). Inexistência. Subsistência do núcleo político do princípio, mediante preservação da função jurisdicional, típica do Judiciário, e das condições materiais do seu exercício imparcial e independente. Precedentes e Súmula 649. Inaplicabilidade ao caso. Interpretação dos arts. 2º e 60, § 4º, III, da CF. Ação julgada improcedente. Votos vencidos. São constitucionais as normas que, introduzidas pela EC 45, de 8-12-2004, instituem e disciplinam o CNJ, como órgão administrativo do Poder Judiciário nacional. Poder Judiciário. Caráter nacional. Regime orgânico unitário. Controle administrativo, financeiro e disciplinar. Órgão interno ou externo. Conselho de Justiça. Criação por Estado-membro. Inadmissibilidade. Falta de competência constitucional. Os Estados-membros carecem de competência constitucional para instituir, como órgão interno ou externo do Judiciário, conselho destinado ao controle da atividade administrativa, financeira ou disciplinar da respectiva Justiça. Poder Judiciário. CNJ. Órgão de natureza exclusivamente administrativa. Atribuições de controle da atividade administrativa, financeira e disciplinar da magistratura. Competência relativa apenas aos órgãos e juízes situados, hierarquicamente, abaixo do STF. Preeminência deste, como órgão máximo do Poder Judiciário, sobre o Conselho, cujos atos e decisões estão sujeitos a seu controle jurisdicional. Inteligência dos arts. 102, caput, I, r, e 103-B, § 4º, da CF. O CNJ não tem nenhuma competência sobre o STF e seus ministros, sendo este o órgão máximo do Poder Judiciário nacional, a que aquele está sujeito" (ADI 3.367, rel. min. Cezar Peluso, j. 13-4-2005, DJ de 22-9-2006).

procedimentos de fiscalização e de aplicação de sanções. Importante observar que o Conselho Nacional de Justiça possui poder de regulamentar as sanções administrativas e disciplinares aplicáveis aos magistrados, mas não lhe cabe disciplinar as sanções civis e criminais voltadas aos juízes.

No exercício do poder regulamentar, o CNJ editou a Resolução n.º 135, de 13 de julho de 2011, sobre o procedimento administrativo disciplinar e as penalidades administrativas aplicáveis aos magistrados (COSTA, 2014, p. 129), com exceção dos ministros do Supremo Tribunal Federal, cuja lei de regência para fins de responsabilidade é a Lei n.º 1.079/1950. A referida resolução inovou o ordenamento jurídico em seu art. 3º, § 1º, ao prever que as penalidades previstas no art. 6º, § 1º, da Lei nº 4.898, de 9 de dezembro de 1965 (Lei do Abuso de Autoridade), como a suspensão do cargo e a destituição da função, aplicavam-se aos magistrados nos procedimentos administrativo disciplinares. A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) ajuizou ação direta de inconstitucionalidade questionando alguns dos dispositivos da Resolução n.º 135 do CNJ, sob a alegação de vício de incompetência, especialmente o dispositivo normativo (art. 3º, § 1º), que criou penalidades administrativas aos magistrados.

O Plenário do Supremo Tribunal Federal processou a Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 4.636 e chancelou, por maioria, a medida cautelar deferida pelo ministro relator para afastar a aplicação do art. 3º, §1º da Resolução n.º 135 do CNJ. Segundo a maioria dos ministros do STF, todas as penalidades previstas para os magistrados, ainda que para fins administrativos disciplinares, estão expressamente estabelecidas na Lei Complementar n.º 35, de 14 de março de 1979 (LOMAN), não cabendo ao CNJ extrapolar o seu poder de regulamentar e prever outras penalidades aos magistrados que não as previstas na Loman. O CNJ, no entendimento da Corte suprema do Brasil, não pode criar penalidades, cabendo apenas regular o processo disciplinar para aplicação das sanções disciplinares.

A Resolução n.º 135 do CNJ, em seu art. 20, ao regular o processo administrativo disciplinar, determinou que os julgamentos dos processos disciplinares dos magistrados deve ocorrer em sessão pública, assegurando, assim, a publicidade tanto do julgamento quanto das decisões administrativas nos processos que tenham juízes como representados. A regra da publicidade da sessão visa a assegurar o interesse público, de modo a garantir que, no julgamento dos processos disciplinares, não prevalecerá o senso corporativista e a impunidade ou mesmo a perseguição a determinado magistrado, devendo os julgadores, em sessão pública, motivar as suas decisões. A resolução até permite a realização de sessões de

julgamento com a presença restrita das partes e de seus advogados, indicando essa possibilidade como exceção, cabível desde que não haja prejuízo ao interesse público, o que não parece atender aos anseios dos princípios democrático e republicano, uma vez que as sessões privadas de julgamentos impedem o controle da sociedade e permitem o corporativismo (RODRIGUEZ, 2007, p. 201-205).

Esse ato normativo do Conselho Nacional de Justiça prevê ainda, em seu art. 12, a competência concorrente do CNJ com as Corregedorias dos Tribunais para o processamento e o julgamento dos processos disciplinares e para a aplicação de qualquer penalidade administrativa aos magistrados. O dispositivo normativo foi questionado na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 4.638. Os ministros do Supremo Tribunal Federal entenderam, em sede de cognição sumária, que a competência concorrente do CNJ com as Corregedorias dos Tribunais para a aplicação de penalidades disciplinares não fere o texto constitucional ou usurpa a competência dos Tribunais a que pertencem os juízes processados e julgados.

Assim, o Plenário do Supremo Tribunal Federal revogou a cautelar, concedida pelo ministro relator, Marco Aurélio de Mello, na ação direta de inconstitucionalidade, que determinava a interpretação conforme o art. 12 dessa resolução. Indicou-se, ainda, que o CNJ somente possuía competência para processamento e julgamento de questões disciplinares dos magistrados nas ocasiões em que as Corregedorias dos Tribunais proferissem decisão motivada que afastasse as suas competências disciplinares.

Desse modo, foi reconhecida a competência do Conselho Nacional de Justiça para processar e julgar os processos disciplinares contra magistrados. A partir desse reconhecimento constitucional de competência, chancelada, ainda que de forma precarária, pelo Supremo Tribunal Federal, o CNJ vem desempenhando a função de fiscalização disciplinar, recebendo e processando denúncias de qualquer pessoa que tenha conhecimento de irregularidades funcionais praticadas por juízes. As denúncias devem ser formuladas por escrito e com a indicação do denunciante, assegurando-se o direito à ampla defesa dos magistrados, seguindo-se o procedimento estabelecido na Resolução n.º 135 do CNJ.

3.2 DOS CASOS DE RESPONSABILIDADE DE JUÍZES SUBMETIDOS À