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Conselhos no âmbito das políticas públicas como marco na construção da institucionalidade democrática no Brasil contemporâneo

3 OS CONSELHOS DE ASSISTÊNCIA SOCIAL COMO ESPAÇOS DE EXERCÍCIO DO CONTROLE SOCIAL: DELINEANDO O CAMPO DE INVESTIGAÇÃO NO

3.1 Conselhos no âmbito das políticas públicas como marco na construção da institucionalidade democrática no Brasil contemporâneo

A história registra diversas experiências de conselhos como forma de gestão pública ou de organização de coletivos da sociedade civil, que buscavam romper com a ordem estabelecida centrada na figura do Estado, passando a dar lugar a um processo de negociação entre os envolvidos: o Estado e a sociedade. Os assuntos de interesse coletivo são analisados, discutidos e refletidos, a fim de que se tome uma decisão coletiva. Para Teixeira (s.d., p. 1),

experiências concretas desse tipo de organização, desde a Comuna de Paris, os Conselhos Sovietes na Russa, os conselhos operários na Alemanha, Itália e, mais tarde, na Espanha, representaram tentativas de construção de um poder autogerido, bases para a instituição de um novo Estado, articulando a esfera econômica à política, fundamentando-se na revogabilidade dos mandatos, assunção de funções administrativas e em formas de democracia direta.

Essas experiências surgiram em momentos de crise do sistema, não conseguindo, entretanto, institucionalizar-se, a não ser na Iugoslávia, onde os conselhos estavam vinculados a um sistema de planejamento central (GOHN, 1989; WANDERLEY, 1991 apud TEIXEIRA, s.d., p. 1).

No Brasil do século XX, registraram-se diversas experiências de conselhos, cabendo destacar: os conselhos comunitários, criados pelo poder público para mediar suas relações com os movimentos e organizações populares na década de 1970; os conselhos populares, nas décadas de 1970 a 1980, criados por iniciativas da sociedade civil, visando a estabelecer negociação com o poder público, com exercício do controle sobre recursos e instituições. E, como momento privilegiado na institucionalização de conselhos na vida brasileira contemporânea, afirma-se o processo de democratização, deflagrado nas três últimas décadas do século XX, constituindo uma cultura de direitos.

Para adentrar e compreender a formação dessa cultura dos direitos, especificamente na luta pelos direitos sociais na sociedade brasileira, no contexto da democratização e da inserção periférica à nova ordem liberalizante global (CARVALHO, 2006), é imprescindível resgatar a constituição do movimento sanitário no Brasil, a partir do final da década de 1970, em torno da construção de um sistema nacional de saúde, universal, descentralizado e democrático, viabilizando a institucionalização dos Conselhos de Saúde, como referência na perspectiva de compartilhamento de poder governo e sociedade civil.

Cabe destacar que a perspectiva de controle social, como processo político da sociedade em relação ao governo, tem uma relação direta com o processo de redemocratização da sociedade, em meados da década de 1980, a partir de um processo de correlação de forças que apontava para a constituição de um Estado de direito.

Na década de 1980, muitas lutas sociais de caráter democrático conquistaram o seu marco legal no processo de instalação da Constituição. A sociedade organizada mobilizou-se e efetivou conquistas sociais que marcam a história da sociedade brasileira. Em torno de avanços e derrotas, o processo da constituinte permitiu ampliar o Estado no sentido de incorporar interesses das classes populares, por meio da institucionalização dos direitos sociais, materializado nas políticas públicas.

Para Maciel,

“a construção de uma identidade comum, a partir das carências sociais, de

certa forma, embasou o esforço em torno da luta pela consolidação de direitos básicos do cidadão, voltados a gravar na nova Constituição Federal os fundamentos de uma moderna cultura social: a cultura dos direitos

sociais”. Em sua reflexão, o autor ressalta que a “atual Constituição

brasileira, enquanto produto de interesses conflitivos, em decorrência das pressões organizadas de grupos, instituições e segmentos identificados com os interesses populares, trouxe para a esfera legal a consolidação de

diversas reivindicações das classes populares” (MACIEL, 2007, p. 8).

Assim, a Constituição Federal de 1988 permitiu viabilizar conquistas importantes, cabendo destacar: a institucionalização da Seguridade Social, articulando Política de Saúde, Política de Previdência e Política de Assistência Social; a instituição do Estatuto da Criança e do Adolescente, da Política Nacional do

Idoso, dentre outros institutos democráticos, um dos quais a garantia do direito da participação popular na proposição, deliberação e controle dessas e de outras políticas públicas.

Outro importante destaque na Constituição Federal de 1988 foi o reconhecimento formal do município como ente da federação: a municipalização. O município foi reconhecido como lugar onde se desenvolve o “viver das pessoas” (JOVCHELOVITCH, 1998). Dessa forma, as políticas sociais municipais deveriam ser orientadas para contemplar a participação dos indivíduos, sujeitos da política, (municipal), assegurando a presença da sociedade local na formulação e execução dessas políticas, com o exercício do controle social (MACIEL, 2007, p. 9).

No conjunto das conquistas democráticas – descentralização/ municipalização e efetiva participação da sociedade na definição e desenvolvimento de políticas públicas –, a Constituição Federal de 1988 viabiliza a institucionalização de um fenômeno relativamente novo no cenário político social brasileiro, que é a formação de conselhos paritários no âmbito dessas políticas, em níveis federal, estadual e municipal, surgidos por força da implantação de leis especiais que regulamentam artigos da Constituição em áreas como saúde, assistência social, proteção à criança e ao adolescente e educação.

Assim, busca-se efetivar o paradigma descentralizado/participativo, instaurado formalmente a partir da Constituição Federal de 1988. Trata-se, portanto, da superação do modelo centralizador/autoritário das políticas sociais, dominante ao longo da história brasileira, particularmente no período da ditadura militar, de 1964 a 1985.

É nesse contexto que emerge a proposição dos conselhos no âmbito das políticas sociais como uma conquista na consolidação da institucionalização democrática.

Os princípios constitucionais de participação, as legislações regulamentadoras das políticas sociais e o processo de descentralização estimularam a implantação de diversos conselhos setoriais nos estados e municípios. De fato, os conselhos de políticas públicas, como instâncias de compartilhamento de poder entre governo e sociedade civil, são criados com o objetivo de promover a participação da sociedade

civil na formulação, avaliação e implementação de políticas públicas em áreas estratégicas de interesse da sociedade.

É preciso considerar que, no seu processo de constituição, nenhuma sociedade civil é imediatamente política (NOGUEIRA apud GUIMARÃES, 2008, p. 29). Sua politização resulta do intenso debate e da disputa hegemônica entre os diferentes grupos acerca das concepções e projeto de sociedade.

Corroborando com essa afirmativa, Bravo (2006) ressalta que a reforma sanitária teve, como uma de suas estratégias, o Sistema Único de Saúde (SUS) e foi fruto de lutas e mobilização dos profissionais de saúde, articulados ao movimento popular. Sua preocupação central era assegurar que o Estado atuasse em função da sociedade, pautando-se na concepção de Estado democrático e de direito, responsável pelas políticas sociais e, por conseguintes pela saúde. E que o controle social por meio de um de seus mecanismos, os conselhos e conferências, foi uma das inovações desse projeto(BRAVO, 2006, p. 78).

As discussões conceituais das reflexões sobre os conselhos no âmbito das políticas públicas impõem-se como objeto de investigação e análise para estudiosos. Especificamente no campo da teoria política, determinados autores passam a ser referência, cabendo destacar: Tatagiba (2005), Avritzer (2012), Dalila Pedrini (2007) e, mais especificamente, Raichelis (2005), Campos (2011) e Bravo (2002).

Para Tatagiba (2005, p. 209), “os conselhos gestores de políticas públicas constituem uma das principais experiências de democracia participativa no Brasil contemporâneo, como experiências que acompanham e particularizam o processo de redemocratização no Brasil”. Assim, os conselhos são espaços públicos, na medida em que se referem ao bem comum, encarnando a perspectiva do coletivo. Segundo a autora, os conselhos representam uma conquista inegável do ponto de vista da construção de uma institucionalidade democrática entre nós. “Sua novidade histórica consiste em apostar na intensificação e na institucionalização do diálogo entre governo e sociedade – em canais públicos e plurais – como condição para uma alocação mais justa e eficiente dos recursos públicos” (TATAGIBA, 2005, p. 209).

particularizam o processo de redemocratização no Brasil, os conselhos são também espelhos que refletem as dimensões contraditórias de que se revestem nossas experiências democráticas recentes. Avalia essas novas experiências de gestão como tarefa um tanto desafiadora quanto necessária, principalmente em um contexto atualmente marcado por um forte consenso em torno do ideário “participacionista”. Segundo Avritzer (2012),

os conselhos são uma das instituições mais importantes do Brasil democrático. Eles foram institucionalizados na primeira metade dos anos 1990, com algumas características que se mostraram fundamentais; decisões importantes são tomadas em plenário e quase todos os conselhos têm câmaras técnicas. Essas características deram à sociedade civil importância crucial em algumas decisões de ampliação ou melhoria da inclusão social (AVRITZER, 2012, p. 2).

Ainda reafirmando a importância dos conselhos, Avritzer (2007) diz que

os conselhos têm o papel de estabelecer um processo de co- deliberação sobre diversas políticas publicas, entre elas a assistência social e das políticas de desenvolvimento rural. E que esses conselhos implicaram a mobilização e a construção de uma cidadania mais ativa (AVRITZER, 2007, p. 7).

Para Tatagiba (2002), a constituição dos conselhos aponta para uma vitória na democratização do processo decisório no interior do aparelho estatal. Contudo, segundo a autora, as pesquisas demonstram ser uma tarefa difícil modificar a dinâmica de funcionamentos dos conselhos, onde o Estado ainda é o protagonista central na definição da agenda da política social. Para essa autora, a competência de deliberar é a principal força dos conselhos, sendo capaz de engendrar a democratização das estruturas estatais. A autora defende que essas características transformam os conselhos gestores em arranjos institucionais inéditos”.

Raichelis (1998) reafirma que

a forma consagrada pela Loas de participação da sociedade civil por meio dos conselhos paritários e deliberativos vem reforçar a perspectiva democratizadora da gestão pública no âmbito das políticas sociais. A óptica descentralizadora e participativa, por sua importância estratégica na configuração da política de assistência social, deve ser claramente definida, ainda mais que esses conceitos

e práticas, não sendo unívocos, envolvem conteúdos com significados diversos, dependendo da perspectiva política dos interlocutores (RAICHELIS, 1998, p. 118).

Para Raichelis (1998), a institucionalização dos conselhos – em particular os de assistência social nos planos nacional, estadual e municipal –, no campo das políticas sociais, se organizam em diferentes setores daquelas políticas, significando uma experiência em gestação no que se refere ao desenho de uma nova institucionalidade nas práticas sociais de distintos atores da sociedade civil e do Estado (RAICHELIS, 1998, p. 34).

Pedrini (2007, p. 35) ressalta que

a participação e o controle social são estratégias fundamentais para a construção das políticas públicas. Entretanto, mesmo constituindo conquistas importantes da sociedade civil organizada, os conselhos, por si só, se não estiverem articulados com fóruns e processos mobilizadores de lutas mais amplas, podem burocratizar-se e não alcançar as metas para os quais foram criados (PEDRINI, 2007, p. 35).

Na ótica analítica de Bravo (2002), os conselhos circunscrevem um espaço tenso e contraditório onde se desenvolve ação política dos cidadãos, organizados por meio das associações civis na defesa pela universalização de direitos sociais. Nesse sentido, compreende-se que os conselhos são, ao mesmo tempo, locais de conflito, dissenso e confronto, mas também de construção de consensos e acordos, por meio da negociação e do convencimento.

Para Raichelis (2005),

o desafio atual consiste no aprofundamento do debate acerca do significado dos conselhos e das potencialidades desse mecanismo para fazer avançar a gestão democrática no campo das políticas públicas. Na ótica da autora, os Conselhos não são o único conduto de controle social no âmbito das políticas públicas. Isto porque sua efetividade depende de associação a outras formas e forças políticas capazes de potencializar-lhes a ação. Não se trata, também, de afirmar a prática conselhista como panacéia para o enfrentamento de todas as dificuldades decorrentes do aprofundamento dos processos democráticos, o que exige, com certeza, outras mediações políticas. Mesmo assim, reafirma ser inegável a importância da criação de conselhos institucionais no campo das políticas sociais, como

expressão da conquista da sociedade civil organizada de novos espaços de participação social e exercício da cidadania (RAICHELIS, 2005, p. 132).

Campos (2003, p. 112) ressalta que “o conselho é concebido como espaço efetivo para o exercício de relações democráticas entre governo e a sociedade civil e espaço privilegiado para o debate dos interesses em disputa”.

Assim, com base na Constituição Federal de 1988, os conselhos são instituídos por leis específicas, que dispõem sobre a participação da sociedade, a sua estruturação, as conferências e a destinação dos recursos financeiros para áreas específicas de políticas públicas. Nessa perspectiva da participação popular, os conselheiros devem atuar em parceira nas três esferas de governo, com gestores, com os tribunais de contas e com as casas legislativas. É fundamental que sejam respeitadas a independência e autonomia dos conselhos a assumirem atribuições de instância deliberativa, consultiva, normativa e de controle social das políticas públicas.

3.2 Os Conselhos de Assistência Social como espaços de participação