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Os Conselhos de Assistência Social como espaços de participação democrática: o desafio do exercício do controle social

3 OS CONSELHOS DE ASSISTÊNCIA SOCIAL COMO ESPAÇOS DE EXERCÍCIO DO CONTROLE SOCIAL: DELINEANDO O CAMPO DE INVESTIGAÇÃO NO

3.2 Os Conselhos de Assistência Social como espaços de participação democrática: o desafio do exercício do controle social

A assistência social, ao compor o tripé da seguridade social brasileira, inscreve-se como direito social e incorpora objetivos como a universalidade e o caráter democrático (artigo 194 da CF/88). A partir desse reconhecimento legal, a assistência social passa a compor o sistema de seguridade na condição de política não contributiva, conferindo destaque à participação popular e ao poder local.

Historicamente, no Brasil, a reestruturação da política de assistência social como sistema descentralizado e participativo, tem como referência a promulgação da Constituição Federal de 1988, a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS, 1993), Política Nacional de Assistência Social (PNAS, 2004) e Norma Operacional Básica de Assistência Social (NOB/SUAS, 2012).

A proposição de controle social no âmbito do processo de participação foi amplamente discutida no cenário democrático das duas últimas décadas do século XX, na perspectiva de constituição do sistema de seguridade social. É questão

central neste estudo por sua vinculação com a atuação dos conselhos, mais precisamente por se constituir uma das funções primordiais dos conselhos de assistência social.

A noção de controle social no campo da construção democrática envolve a capacidade que a sociedade conquistou para interferir na gestão pública, orientando as ações do Estado na direção dos interesses da coletividade.

O controle social, estabelecido pela Loas (artigo. 5º, inciso II), é entendido como instrumento de concretização da participação popular no processo de gestão político-administrativa financeira e técnico operativa, de natureza democrática e descentralizada (BRASIL, Loas, 1993).

O controle social concretiza-se por meio de um duplo movimento: envolvimento e participação popular e o compromisso do Estado com a criação e o fortalecimento de mecanismos operacionais e instâncias representativas na territorialidade nacional.

A Política de Assistência Social – foco deste estudo – trabalha a criação e funcionamento dos Conselhos de Assistência Social, a envolver a relação democrática entre o Estado e a sociedade civil organizada, numa dinâmica paritária de duplo movimento, formalmente constituída sob os princípios da democracia.

A organização do campo socioassistencial, com base nos princípios de descentralização e participação popular na formulação e controle social da política de assistência social, constitui-se em uma das mais profundas inovações assumidas e sistematizadas pela Loas. Esses princípios são inscritos, portanto, no contexto da consolidação da democracia brasileira, visto que a organização político-institucional da assistência social, sob sua égide, constitui um embrião de organização democrática e participativa na conquista da cidadania daquele contingente populacional produzido socialmente como sobrante, excluído do acesso a direitos.

Na relação entre Estado e sociedade, na perspectiva da viabilização dos mecanismos de participação e controle de que a sociedade dispõe para conferir visibilidade ao processo de consolidação da assistência social como campo de afirmação e ampliação dos direitos sociais, os conselhos de assistência social foram instituídos pela Loas, em seu artigo 17, como instâncias colegiadas de gestão

democrática e participativa da Política de Assistência Social, constituindo em espaços privilegiados de representação da sociedade política e da sociedade civil na definição e no controle social dessa política.

Para Martins e Paiva (2003, p. 56), os conselhos de assistência social devem ser entendidos como espaços de participação e controle democráticos, não podendo, pois, ser confundidos como instâncias governamentais e nem assumir a função de executor da política socioassistencial, em substituição à competência governamental. Como um espaço político por natureza, a congregar representação de interesses diversos e, às vezes, antagônicos, eles se constituem uma arena de discussão, negociação e conflito, devendo preservar seu papel de instância autônoma, propositora, fiscalizadora, controladora e reivindicadora.

Silveira (2011, p. 2) circunscreve os Conselhos de Assistência Social como lugar, por excelência, do protagonismo dos conselheiros. Destacamos como atribuições precípuas no âmbito da construção da política: influenciar as agendas governamentais, apontando prioridades; fiscalizar e acompanhar a gestão dos recursos financeiros, materiais e humanos; acompanhar e avaliar a observância dos objetivos e das metas dos planos de assistência; fortalecer os fóruns de assistência para gerar mais participação democrática, visando à garantia dos direitos socioassistenciais; propor e exigir uma política de capacitação para usuários, trabalhadores, gestores e entidades. Enfim, os Conselhos de Assistência Social, segundo a autora, são fiadores do controle social, zelando pela política, organizando as conferências, constituindo canal de informação e aprovando os Planos de Assistência Social e os Relatórios Anuais de Gestão.

A Loas instituiu o Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) como órgão máximo de deliberação da política de assistência social no Brasil. Nessa condição, delegou-lhe a competência de convocar a Conferência Nacional de Assistência Social como instância privilegiada de participação popular e controle social da Política Nacional de Assistência Social. Ao mesmo tempo, delegou aos estados, Distrito Federal e municípios a responsabilidade de instituir seus respectivos Conselhos de Assistência Social.

Assim, os Conselhos Nacional, Estaduais, do Distrito Federal e Municipais são instâncias deliberativas do Sistema Descentralizado e Participativo da

Assistência Social, regulamentados na PNAS/2004 na forma do Suas. O CNAS, instituído pela Loas, e os conselhos das demais esferas, tratados na referida lei e instituídos por legislação especifica, têm caráter permanente e composição paritária entre governo e sociedade civil. São vinculados ao Poder Executivo e a sua estrutura pertence ao órgão da Administração Pública responsável pela coordenação da Política de Assistência Social, que lhes dá apoio administrativo, assegurando dotação orçamentária para seu funcionamento.

É importante e decisivo que, nessa vinculação dos Conselhos de Assistência Social, como órgão de administração pública, se mantenha a perspectiva de independência e autonomia dos conselhos. De fato, é esse um dos pontos de tensionamentos na atuação dos Conselhos de Assistência Social, na medida em que parece predominar como tendência, a subordinação dos referidos conselhos ao Executivo nas diferentes esferas.

Ao longo das últimas três décadas, na dinâmica da conquista democrática no Brasil contemporâneo, os conselhos paritários, conferências e fóruns constituem espaços, por excelência, de exercício do controle no âmbito das políticas públicas. De fato, são espaços de participação democrática, com diferentes configurações, permitindo captar, identificar, organizar anseios e demandas de grupos e segmentos sociais diferentes, viabilizando mecanismos e estratégias de exercício do controle permanente da sociedade sobre os governantes.

Falar de controle social no campo da política de assistência social pressupõe compreender sua dinâmica em via de mão dupla: os conselhos são formalmente constituídos de modo paritário, com representação do Estado e da sociedade. A gestão da política, por sua vez, não começa nem termina entre os muros das instituições públicas. É cada vez mais comum o repasse de recursos do Tesouro estadual para a manutenção de entidades não governamentais e para a execução de programas e projetos de assistência social por tais entidades.

Nesse panorama, quem controla quem? Se os conselheiros da sociedade civil descuidam e não efetivam o devido controle social da ação do Estado, o controle social do Estado sobre entidades “prestadoras de serviços” da sociedade civil constitui uma questão complexa, um desafio no âmbito da Política de Assistência Social e sua rede socioassistencial.

Estudos de Campos (2011, p. 98) sugerem que “algumas entidades foram constituídas para o desempenho de ações estritamente filantrópicas”. Tais iniciativas não se ocupam em questionar a causa das desigualdades sociais e, por mais nobres que sejam as causas que abraçam, não incluem em suas agendas a defesa da justiça social e dos direitos de cidadania. Entre tais entidades, “há aquelas concebidas para atender aos interesses de seus idealizadores ou patrono [...] Esse campo filantrópico é, paradoxalmente, também espaço para práticas que contrariam o interesse público” (CAMPOS, 2011, p. 98).

É no próprio contexto social onde os conselhos estão inseridos que outros atores sociais determinam, mesmo sem a participação direta ativa, tomam decisões, falam em nome da democracia e que as práticas parecem atravessar as experiências contemporâneas mais evidentes de exclusão, pobreza, uso indevido de dinheiro público, autoritarismo, paternalismo, entre outras práticas que não correspondem aos anseios democráticos. Negam, por essa via, que a participação popular nas decisões compartilhadas seria o caminho mais fecundo para o exercício da cidadania. O que se tem na prática é que a representação nem sempre alcança a noção democrática que resguarda o direito do seu representado.

3.3 O trabalho institucional no âmbito do estado do Ceará para a criação e