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CAPÍTULO II – TRANSFORMAÇÕES TÉCNICAS E ECONÔMICAS DA

2. CONSEQUÊNCIAS DA REGULAMENTAÇÃO E INTERESSES DA

A fim de discutir impactos da regulamentação e posterior desregulamentação do setor leiteiro, faz-se necessário também o entendimento acerca dos movimentos da economia brasileira durante o período denominado de industrialização restringida, que ocorreu entre 1930 e 1955. Para isso retomam-se algumas questões do item anterior. Vale salientar aqui, que não existe a preocupação com uma cronologia linear de discussão, tendo em vista a complexidade ao redor da política econômica vigente no período, associada ao tema complexo que se refere ao abastecimento alimentar e em especial ao complexo agroindustrial do leite.

Uma das primeiras medidas que afetou o setor leiteiro, conforme comentado anteriormente, foi a contenção dos investimentos industriais, que se deu de maneira geral, pelo violento corte nas importações e, ainda, no caso das indústrias de consumo não durável, a contenção pelo Decreto 19.739 de 1931, que proibia a importação de máquinas para esse setor (CANO, 1985). No entanto, também conforme comentado anteriormente, já existia no estado de São Paulo, uma indústria de bens de consumo assalariado, principalmente as têxteis e de gêneros alimentícios com possibilidade mínima necessária ao abastecimento e fundamental à expansão e reprodução da força de trabalho paulista, que continuava em crescimento.

A drástica redução de importações de bens de consumo pode, em parte, ser compensada por produção interna, graças à capacidade ociosa que existia no setor industrial, ou seja, os esforços significativos de substituições de importações também alcançaram as esferas produtoras de bens de produção (CANO, 1985).

Dada a capacidade da indústria paulista e de alguns limites produtivos ao desenvolvimento do capitalismo brasileiro – que nasceu com o assalariamento da

economia cafeeira no Oeste Paulista, em meados da década de 1880 (CANO, 1985) – o Estado Brasileiro necessariamente precisou integrar o mercado nacional.

Ainda segundo CANO (1985), seria desnecessário dizer que o interesse nacional predominante seria o de desenvolver a indústria, prioritariamente aos demais setores. Nesse período não interessava mais ao Estado resolver problemas específicos regionais e o mesmo faria com que vários desses fossem rapidamente convertidos em problemas nacionais, por exemplo, café, siderurgia, sal, pinho, mate, açúcar e álcool, entre outros, que seriam contemplados com instrumentos de política econômica federal centralizada e em muitos casos, seriam criadas instituições federais específicas para seu atendimento. E assim foi feito, à semelhança do Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), criado na década de 1930 e que foi o órgão responsável pela política sucroalccoleira até 1975, com a criação do Proálcool1 (BACCARIN, 2009).

A siderurgia brasileira, apesar de ter como marco histórico a instalação de uma pequena produtora de ferro por Afonso Sardinha, em 1557, em São Paulo, e posteriormente em Minas Gerais, com a criação da Companhia Siderúrgica Belgo- Mineira, assim como a fundação da usina de Monlevade (onde, após sucessivas expansões, ainda se encontra como unidade da Belgo-Mineira), que foi inaugurada em 1939, sendo na época a maior siderúrgica integrada a carvão vegetal do mundo. Foi somente com a entrada em operação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) em 1946, em Volta Redonda (RJ), que ocorreu a intervenção estatal no setor. Segundo ANDRADE & CUNHA (2002), foi nesse período que o país assumiu o comando da produção nacional de aço, sendo a CSN a maior usina produtora de aço integrada a coque da América Latina.

No caso do café, foi criado o Instituto Brasileiro do Café (IBC), pela Lei 1.779, de 22 de dezembro de 1952. O IBC destinava-se a realizar política econômica do café brasileiro no país e no estrangeiro, e entre suas diretrizes incluía-se a defesa de um preço justo para o produtor e a expansão do consumo. Também tinha atribuições de regular a entrada nos portos, definindo o limite máximo dos estoques liberados em cada

um deles2 e de definir a qualidade dos cafés de mercado para o consumo interno e externo, regulamentando e fiscalizando os tipos e qualidades no comércio interno e na exportação, podendo adotar medidas que assegurassem o normal abastecimento do mercado interno. Foi extinto em 1990, pela Lei no 8.029 (GELIS FILHO, 2006). Essa experiência também se caracterizou como uma forma de regulamentação estatal sobre o café.

Nesse mesmo período ocorreu a regulamentação da atividade leiteira, sendo que, a partir de 1946 foram regulamentados os preços a serem pagos ao produtor e ao consumidor e em 29 de março 1952 foi aprovado o novo Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (DECRETO 30.691/52) pelo Ministério da Agricultura, o qual incluía medidas para o leite e seus derivados. A regulamentação do complexo do leite e seus derivados durou 45 anos, e foi somente em 1991 que o Estado deixou de intervir no que se refere aos preços.

A regulamentação do trigo, por exemplo, iniciou-se em 1944, quando foi criado o Serviço de Expansão do Trigo - SET, subordinado também ao Ministério da Agricultura. No entanto foi em 1956, com o decreto 40.316/56, que foi determinado que o preço do trigo importado pago pelos moinhos deveria ser superior ao nacional e em 1967 consolidou-se a regulamentação da cadeia do produto, com o Decreto-lei 210/67. Em 1990, o Decreto-lei número 8.096/90 revogou a regulamentação da cadeia do trigo.

Diferentemente do café e do trigo, o complexo agroindustrial do leite não logrou melhoramentos expressivos de produtividade durante o período de regulamentação econômica (1946 a 1991). Segundo FARINA (1997), a produção cresceu a taxas muito baixas, várias crises de abastecimento marcaram todo período, os preços reais ao consumidor subiram. No entanto, vale salientar o grande destaque do complexo agroindustrial do leite, que, principalmente a partir da década de 1980, consolidou a modernização de parcela significativa de suas plantas industriais, ampliando o leque de

2 Apesar da existência do Decreto no 5.378, de 14 de dezembro de 1927, que “autorizava a regular o

comercio de café entre os portos do Brasil, e os do exterior, nesse período ainda não eram definidos limites de estoque.

produtos à disposição do consumidor. Ainda assim, sem, contudo, estimular a modernização do segmento a montante.

Segundo HELFAND & REZENDE (2001) para o leite, havia uma burocracia gigantesca no Ministério da Fazenda que com a fixação dos preços ao nível dos consumidores e produtores, reduzia os incentivos para a melhoria da qualidade e o aumento da produtividade do meio rural, bem como para modernizar ainda mais os setores de industrialização da matéria-prima e distribuição dos produtos finais. No entanto, sob a perspectiva histórica, encontrar as leis e decretos que regem essa burocracia e consequente regulamentação, não é tarefa fácil. Mesmo no trabalho de FARINA (1997), onde são estudados elementos da competitividade com relação ao mercado, ao estado e às organizações das cadeias do trigo, do café e do leite, é possível encontrar em anexo, a evolução histórica da legislação que regulamentou as cadeias do trigo e do café, mas não do leite.

Esta intenção nacional em não mais resolver problemas específicos e sim que os mesmos fossem convertidos em problemas nacionais, ou seja, que era preciso integrar o mercado nacional foi, segundo CANO (1985), a única opção brasileira para promover o crescimento capitalista e não estagnar.

A região de São Paulo que, nesse contexto, demonstrou condições de conduzir dominantemente o novo padrão de acumulação e integrar o mercado nacional sob sua determinação econômica, era onde o domínio do capital industrial, predominantemente, estava sediado. Nesse estado que se concentravam maior mercado, maior capacidade de articulação intersetorial, maiores ganhos de escala e de economias externas, e o mais bem constituído mercado de trabalho (CANO, 1995).

Sobre o desempenho das economias periféricas do país, existia uma pluralidade muito grande, com exceção das grandes regiões cafeeiras. No extremo sul, as bases econômicas principais eram a pecuária, a economia camponesa e a pequena e média indústria; na região norte, a base da economia do aviamento da borracha entrara em crise desde 1912 e, embora ressurgisse durante o curto período da segunda guerra, sua estrutura econômica e social pouco evoluíra. O estado do Rio de Janeiro continuava sofrer os percalços de uma débil agricultura e de uma decadente

cafeicultura. A Região Centro-Oeste continuava ser o grande vazio nacional depois da Amazônia. Minas Gerais parecia ter sido a região que melhor se integrou com o pólo, tanto em termos de sua agricultura, como de sua indústria, com destaque para a metalúrgica. O Paraná, na década de 1930, apenas iniciava sua colonização e só teria maior destaque a partir da década de 1950. O caso nordestino apresentava circunstâncias complicadas como agravamento da crise do seu setor exportador, agricultura atrasada e pouco diversificada, enorme concentração da propriedade fundiária, indústria com baixa produtividade, débeis relações capitalistas de produção com predomínio do capital mercantil (CANO, 1985).

Outra questão importante para a integração dos mercados era a eliminação de todas as barreiras existentes na livre movimentação econômica entra as regiões do país. Outra barreira era a existência de impostos interestaduais, mas que tiveram sua extinção iniciada a partir de forte intervenção do governo federal em 1938, com redução gradativa anual, tendo seu completo término em 1943. Ainda o transporte de produtos e mercadorias, se apresentava como um problema, mas também já vinha sendo resolvido desde as primeiras décadas do século XX, estando grande parte da rede ferroviária nacional implantada desde 1929. A expansão rodoviária já se fazia sentir na década de 1940 e em 1951 esse transporte já abarcava 40% do total de mercadorias transportadas (CANO, 1985; ANDRADE, 1979).

O período de substituição das importações (1930-1945) pode ser considerado, portanto, embrião de algumas ações da concepção nacional-desenvolvimentista, que regeu as atuações governamentais após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Segundo BACCARIN (2009), corroborando com as afirmativas apresentadas anteriormente, nesse período as ações governamentais procuraram tornar mais complexa e integrada a estrutura produtiva brasileira, com clara priorização ao setor industrial e, neste sentido, foi comum que se utilizasse a política agrícola em apoio a esse esforço industrializante.

Segundo GRAZIANO DA SILVA (1981) entre os anos de 1967 a 1975, auge do período de modernização da agricultura brasileira, a utilização de fertilizantes aumentou mais de seis vezes e a de defensivos quase quatros vezes. O número de tratores

triplicou no mesmo período. No entanto, os chamados insumos modernos, especialmente os três citados anteriormente, fertilizantes, defensivos e máquinas agrícolas, foram fortemente subsidiados. As condições de lucratividade das culturas ditas modernas passaram a aumentar progressivamente, ainda mais porque eram, em sua maioria, culturas de exportação (cana, café, soja, trigo etc), que têm geralmente uma evolução nos preços mais favorável do que as culturas tradicionais, que são basicamente produtos alimentícios, cujos preços repercutem diretamente no aumento do custo de vida. O leite, portanto, diante da dificuldade de especialização, conforme citado anteriormente, enquadrava-se no grupo das culturas tradicionais e o estado mantinha os preços tabelados em índices abaixo dos custos de produção (TOLEDO & BEMELMANS, 1984).

Outra questão comentada por GRAZIANO DA SILVA (1981), e que afetou diretamente a produção leiteira no período da modernização da agricultura brasileira, foi o fato de que, com incentivos à agricultura moderna, a produção de alimentos ficou relegada aos estabelecimentos que estavam naturalmente impossibilitados de assumir um comportamento empresarial, que basicamente produziam para sua manutenção familiar ou para sua subsistência, gerando um pequeno excedente para o mercado. Essa dispersão da produção em pequenas unidades criou a necessidade de um grande número de intermediários, fazendo com que, sobrevindo uma eventual escassez de gêneros alimentícios, o diferencial de preços se diluía pelas numerosas escalas entre o produtor e o consumidor final.

Dessa maneira, a distribuição regressiva da renda (tratando-se da demanda) e a estrutura de intermediação (tratando-se da oferta do produto/matéria prima) fomentaram condições para que os comportamentos dos preços deixassem de ser um estímulo aos produtores, via modernização das unidades de produção e/ou incorporação de novas tecnologias de produção, para ser o contrário, um estímulo à manutenção de formas pré-capitalistas para atender o aumento da demanda de alimentos decorrentes da urbanização (GRAZIANO DA SILVA, 1981).

Neste sentido, sendo a pecuária leiteira considerada uma atividade com predominância de baixas produtividades, e que, de modo geral, tem suas

características da produção nacional desprovidas de tecnologia adequada (BELIK, 1995; TARSITANO et al, 2008), além de ter com relação à estrutura fundiária, características de pequenas e médias propriedades (SEBRAE, 2003; FABRI & TAVARES, 2012; CREVELIN & SCALCO, 2009), até o período da desregulamentação do setor apresentou, em relação à maioria dos produtores, pouca inserção ao processo de modernização da agricultura.

Segundo CARVALHO (2010), no que tange à produção primária, o complexo agroindustrial do leite possui ainda uma complicação, que se inicia quando o produtor precisa adquirir insumos oriundos de inúmeras outras indústrias. Além disso, o processo de produção demanda conhecimentos em diferentes áreas das ciências agrárias, sociais e humanas. No entanto, em relação a primeira afirmativa do autor, BELIK, (1995), ao discorrer sobre as características do complexo agroindustrial do leite, salienta que no segmento produtivo convivem determinados bolsões de eficiência e qualidade. Nestas regiões, a partir de um sistema de produção mais adaptado, pode-se obter altos índices de produtividade e grande eficiência na captação.

Segundo MARTINS & FARIA (2006), nos anos 1980, muitos estudos incorporaram análises referentes aos reflexos das políticas públicas sobre a cadeia do leite, atribuindo desde uma nefasta intervenção do governo, responsável pelo pouco dinamismo produtivo, então existente, até grandes quedas nos preços do produto. Por exemplo, HOMEM DE MELO (1985), verificou que, entre 1977 e 1984, os preços reais recebidos pelos produtores de leite tinham se reduzido anualmente, chegando em 1984 a 66% do que eram em 1977.

No entanto, HELFAND & REZENDE (2001) afirmam que, as principais mudanças na produção surgiram muito mais por meio da desregulamentação e maior competição com o mercado externo, ou seja, pela liberação das importações, do que em razão das mudanças induzidas pelas políticas nos preços do leite. O preço interno do leite acompanhou bem de perto a taxa de câmbio real de um período a outro. O elevado resíduo negativo no final da década de 1980 reflete o aumento de 42% no preço internacional que não foi repassado ao preço doméstico. De fato, o mercado interno era protegido e o preço internacional chegou ao nível nacional neste período. Para os

autores, a liberação do comércio e a desregulamentação do mercado apenas tiveram efeito indireto nos preços na década de 1990. Momentaneamente, o impacto principal veio via maior competição e maiores pressões para aumentar a qualidade e reduzir os custos no contexto de uma valorização da taxa de câmbio real.

MARTINS & FARIA (2006); HELFAND & REZENDE (2001) concordam ao reconhecerem ganhos de produtividade no setor leiteiro como de extrema importância. O que também, segundo MARTINS & FARIA (2006), foi resultante da busca incessante por adoção de tecnologia nas propriedades rurais. Com a desregulamentação e maior facilidade de importação de produtos lácteos, resultante da redução de alíquotas de importação, simplificação burocrática e adição de câmbio sobrevalorizado, os produtores viram-se forçados a aumentar a eficiência nas propriedades, com o propósito de assegurarem competitividade.

Ainda assim, CARVALHO (2010) ao analisar a disposição da matéria prima para a indústria láctea, verificou melhoria muito lenta no uso apropriado dos fatores de produção como terra e mão-de-obra. Nesta pesquisa, apesar de ter ficado evidente a diferença de produtividade média por vaca/dia de lactação, resultado do diferencial tecnológico empregado nos sistemas de produção no último período, a média de produção por vaca dia, na grande maioria das fazendas estava aquém de 10 litros. E é justamente esta variável que deverá proporcionar competitividade no longo prazo, ou seja, é fundamental o incremento de produtividade em todos os fatores de produção.

GASQUES & CONCEIÇÃO (2001), no entanto, consideram que a análise conceitual e a medida empírica da produtividade da agricultura envolvem diversos desafios. Sempre que os dados permitirem, faz-se necessário estabelecer medidas de produtividade baseadas na produtividade total dos fatores, e não meramente produtividades parciais, como a da terra e a do trabalho, ou seja, a melhor medida de produtividade é a que compara o produto com o uso combinado de seus recursos. Acrescenta-se à afirmativa do autor, a produtividade do rebanho.

Segundo CARVALHO (2010), o Brasil possui características singulares para a produção de leite, mas sua eficiência precisa ser melhorada. Alguns dos principais países exportadores de leite em pó, como Nova Zelândia, Argentina e Austrália,

optaram por sistemas de produção a pasto e elevada escala de produção. Isto é perfeitamente possível no Brasil e, além disso, existe aqui uma grande vantagem comparativa adicional, referente a oferta de alimento concentrado. Isso coloca o país em condições muito favoráveis, com sistemas de produção flexíveis.

De acordo com RAMOS (2007), na análise teórica sobre as especificidades da agropecuária brasileira, é preciso considerar as diferentes inserções no mercado de bens (processados ou não); seus diferentes estágios ou graus de agroindustrialização (a montante e a jusante) e, principalmente, a necessidade de se pensar a formulação e implementação de políticas agrícolas específicas, dadas as diferentes configurações estruturais de cada ramo.

Para este trabalho, as reflexões sobre os processos de regulamentação e desregulamentação do setor leiteiro, importam no sentido de que as análises propostas em torno da década de 1990 até o período atual sobre a evolução de animais destinados a produção de leite, sua produção e produtividade, além dos preços pagos pelo produto sofreram influência na maneira como foram conduzidas a política e a economia no setor.

Os dados a seguir, dialogam com as reflexões feitas até aqui. Referem-se ao estado de São Paulo, bem como às suas mesorregiões que foram profundamente afetadas pelas políticas de regulamentação e desregulamentação, muito em função do grande mercado consumidor que compõe esse estado, além de outros elementos que serão apresentados no decorrer do capítulo.

Neste sentido, a presente discussão tem por objetivo apresentar um panorama socioeconômico da produção leiteira no estado de São Paulo a partir dos dados de duas pesquisas: Produção Pecuária Municipal e dos Censos Agropecuários, realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.