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CAPÍTULO I – A FORMAÇÃO DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DE

2. RELAÇÃO ENTRE AS POLÍTICAS E OS PRODUTORES NO COMPLEXO

No caso dos produtores de leite – que durante muitos anos, tendo em vista a regulação de preços, mantiveram-se na condição da produção extensiva ou não competitiva, além de serem atomizados e plurais quanto aos diferentes sistemas de produção e nível tecnológico – a formação dos complexos agroindustriais, bem como a mudança dos espaços de discussões sociopolíticas, nesse caso as câmaras setoriais, são fatores responsáveis pela situação dos mesmos, que se encontram enfraquecidos, bem como seus órgãos representativos, perante a indústria tanto a montante quanto a jusante da produção agropecuária. E, nesse caso, o abafamento dessas possibilidades de diálogo aumenta a distância do elo produtivo quanto às ações público-privadas voltadas ao segmento produtor de matéria-prima.

Assim, questões centrais desse trabalho referem-se também às formas de organização e configuração do Estado e das políticas públicas, que apontam para a constituição de padrões técnico-produtivos que, se impõem como necessários, sob a lógica do mercado.

Para ilustrar esse ponto, é possível citar PIVA et al (1989). Ainda no final da década de 1980, os autores já comentavam do ressentimento da pecuária leiteira quanto à inexistência de uma política de médio e longo prazo para o setor que viabilizasse um crescimento sustentável. A acentuada atomização da produção, a baixa

especialização do rebanho para a produção de leite e o baixo nível tecnológico dos produtores eram a tônica marcante da atividade da produção de leite.

Os mesmos autores comentaram ainda, a necessidade de atendimento técnico visando principalmente atender as necessidades de pequenos e médios produtores, ligados à atividade leiteira ou mesmo àquelas ligadas ao seu próprio desenvolvimento sociocultural.

Anteriormente, MORICOCHI (1979) comentou que devido à baixa rentabilidade do setor como um todo, o produtor não foi estimulado a novos investimentos e, assim, a taxa de crescimento da produção de leite que era de 10% na década de 1950 diminuiu para 3% nos anos 1960, tornando-se negativa até meados da década de 1970.

Também, TOLEDO E BEMELMANS (1984), ao analisarem a evolução da situação econômica do produtor de leite no estado de São Paulo, entre 1974 e 1984, comentaram que as perspectivas de alterações favoráveis para a produção estadual de leite eram pouco prováveis. As dificuldades financeiras sentidas pelos pecuaristas paulistas somavam-se ao possível aumento na oferta do leite fluido originário de outros estados e do fato de, as indústrias de lacticínios passarem a destinar menor parcela do leite fluido para a produção de derivados. E nesse sentido, os autores enfatizaram a necessidade de uma revisão na política adotada em nível federal. E ainda mais, que essa política tivesse relevância socioeconômica.

Em se tratando, portanto, da representação social, OTANI et al (2001), ao analisarem o perfil socioeconômico de produtores de leite C no Vale do Paraíba, estado de São Paulo, verificou a ocorrência quanto às características distintas nas diferentes condições de infraestruturas existentes. Por exemplo, a maior parte dos produtores executavam todas as tarefas na propriedade. Os filhos dos produtores, de acordo com a pesquisa, geralmente atingiam nível de instrução superior ao dos pais. Uma característica marcante é a participação efetiva dos filhos no trabalho junto aos pais.

No que se refere ao local de moradia o autor constatou que o fato de morar ou não na propriedade está diretamente relacionado à função que cada elemento da família desempenha na produção. Explicando assim a maior presença de produtores em relação às esposas e dos filhos em relação às filhas na propriedade leiteira.

Outro comentário de OTANI et al (2001) discute a perspectiva da assistência técnica. Segundo os autores na época da pesquisa era unanimidade entre os produtores a informação sobre a falta de assistência técnica e diziam ainda que em períodos anteriores, seus antepassados também não obtiveram orientação técnica de nenhuma espécie e que o aprendizado na pecuária de leite era apreendido somente com a prática. As entrevistas realizadas nesse trabalho mostraram também que para esses produtores não houve ao longo do tempo nenhuma inovação tecnológica suficientemente marcante, que ficasse presente na lembrança dos mesmos.

Para BORTOLETO & CHABARIBERY (1998), a intensa heterogeneidade da estrutura produtiva, em que convivem os diversos sistemas de produção, com diferentes níveis tecnológicos existe ainda, variando desde produtores que comercializam basicamente para sua existência, produtores de gado de corte, que vendem o leite como subproduto, até aqueles extremamente especializados. A mesma autora afirma ainda que é consenso entre as principais lideranças dos segmentos da cadeia de produção que, há muitos anos, o produtor de leite especializado vem enfrentando três principais dificuldades: concorrer, internamente, com o leite e derivados oriundos do produtor “safrista”, além daqueles que vivem à margem do mercado formal, e, externamente com os derivados lácteos provenientes de países que subsidiam a produção e a exportação na origem.

É nesta pressuposição que cabe destacar também as alterações ocorridas durante a década de 1990 no ambiente institucional de produção de lácteos. Se, de um lado, parte dos produtores está na raiz do processo de modernização e de competitividade exigidas pelo setor, de outro, aprofundou-se a fragilidade que já existia na pequena produção familiar que, historicamente, sempre se destacou no abastecimento do mercado brasileiro, assim como na composição do PIB gerado pela respectiva cadeia. (REIS et al, 2006)

Segundo STAUDT & SILVA (2010), a reversão do quadro de estagnação da produção paulista no início do século XX e a atenuação do processo de alijamento da pequena produção do complexo agroindustrial de leite tornando-o autossustentável e competitivo, exigem uma atuação da política pública mais ampla do que os tradicionais

instrumentos voltados para o setor, e que contribuíram de meados da década de 1960 até o final da década de 1970, para promover a denominada modernização da agricultura brasileira. Além de que, essa condução deve respeitar a especificidade e os diferentes interesses que compõem o universo da pecuária leiteira, pela definição de programas setoriais e políticas comerciais que atendam corretamente as necessidades de cada segmento produtivo. No caso específico do pequeno produtor de leite, isso significa atuar no sentido de auxiliá-lo na organização da produção, na alteração do padrão atual de gestão dos negócios, para favorecer uma maior transferência de conhecimentos, além de apoiá-lo com recursos creditícios em condições diferenciadas e de acordo com a sua capacidade financeira.

Há assim, nessa perspectiva, a necessidade de promover o fortalecimento dos produtores junto a essas novas configurações do complexo agroindustrial de lácteos no sentido de acesso às tecnologias adequadas e alterações nos padrões tecnológicos, uma vez que se apresentam como um elemento fragilizado no complexo.

CAPÍTULO II – TRANSFORMAÇÕES TÉCNICAS E ECONÔMICAS DA PRODUÇÃO