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4. A CRISE DE 2008: ORIGEM, EFEITOS E RECUPERAÇÃO DAS ECONOMIAS

4.3 Consequências e Ações para a Crise Financeira

Segundo Prates e Cintra (2009), em função da crise, a desconfiança dos investidores nos sistemas financeiros se espalhou, resultando em movimentos de pânico nos mercados de ações, de câmbio, de derivativos e de crédito, em âmbito global. Os investidores procuraram reposicionar suas carteiras, vendendo os ativos mais arriscados e desencadeando quedas acentuadas nos seus preços e nas moedas fracas. O objetivo desse movimento era a busca pela liquidez, principalmente na moeda reserva internacional e/ou em Títulos do tesouro

americano. Além disso, a crise ampliou a desconfiança entre as instituições financeiras, bloqueando os fluxos de recursos nos mercados interbancários, provocando uma alta repentina nas taxas de juros. Isso instaurou uma tendência de contração dos empréstimos bancários.

Na visão de Cardote (2009) as repercussões mundiais da crise foram significativas e atingiram as economias que mantinham relações econômicas estreitas com o complexo financeiro norte- americano. Em resposta aos efeitos da crise, o grupo G-20 iniciou a partir de 2008 a articulação necessária para reesculpir as instituições responsáveis pelo gerenciamento financeiro internacional. Tradicionalmente, a coordenação internacional na área financeira estava restrita aos países desenvolvidos que se articulavam em instituições como o Comitê da Basileia e o Banco Mundial. Com o advento da crise de 2008, o G-20 se torna reconhecido como um foro internacional que fornece um espaço legítimo e confiável para lidar com a crise global.

Segundo Farhi e Cintra (2009) os momentos mais agudos da crise deram-se no intervalo de junho de 2007 a março de 2009, e tiveram repercussões acentuadas nos mercados interbancários globais. O comportamento da TED spread1, como referência mundial para empréstimos entre bancos, explicitou esses momentos agudos, conforme sumarização do Figura 4.1

Os grandes bancos de investimento americano deixaram de existir em função de falta de reservas de capital, ativos cuja liquidez foi suprimida desde a eclosão da crise em junho de 2007, confronto com o expressivo encolhimento de sua fonte de funding. O quinto maior banco de investimento americano conseguiu evitar sua falência em virtude de intervenção e garantias de US$ 29 bi ofertadas pelo Federal Reserve para sua compra com grande desvalorização pelo JP Morgan/Chase (US$ 10 por ação contra uma cotação de US$ 170 um ano antes). Em função de as autoridades monetárias americanas não terem evitado a falência do Lehman Brothers desencadeou a compra do Merril Lynch pelo Bank of America. Ademais, o Goldman Sachs e o Morgan Stanley obtiveram autorização para se transformar em holdings financeiras sujeitas às normas da Basileia, à supervisão do Federal Reserve e com amplo

1 Conforme Farhi e Cintra (2009), TED spread refere-se à diferença entre a taxa dos títulos do Tesouro americano de três meses (no mercado secundário) e a taxa Libor (London Interbank Offered Rate) para os depósitos interbancários em eurodólar de três meses.

acesso às operações de redesconto (FARHI; CINTRA, 2009).

Figura 4.1 – TED spread – prêmio de risco entre títulos de curto prazo americano e taxa Libor (em %)

Fonte: Federal Reserve, citado por Farhi e Cintra (2009).

Prates e Cintra (2009) entendem que, a partir de setembro, de 2008 a crise financeira começa a atingir fortemente as economias emergentes, até mesmo nos países com fundamentos e políticas econômicas tidas como saudáveis. As ações governamentais nesses países seguiram direção similar aos países desenvolvidos, adotando um conjunto de iniciativas para atenuar a depreciação de suas moedas, bem como seus impactos adversos sobre os sistemas financeiros domésticos. Essas ações, segundo os autores, têm uma conotação anticíclica, contrariamente ao padrão de política econômica adotado nas situações pregressas de instabilidade cambial e financeira.

Para Cardote (2009), o contágio da crise americana demonstra a atual indissociabilidade econômica dos países de economia aberta. Inseridas em um sistema econômico fluído e globalizado, as economias internas se tornam impermeáveis aos efeitos das dinâmicas domésticas estrangeiras. A teoria da interdependência complexa das relações internacionais pode ser aplicada para explicar os efeitos decorrentes do colapso econômico de 2008 e justificar a orientação adotada pelos países integrantes do G-20 para enfrentar o problema.

Essa análise deve levar em consideração o efeito mais evidente da crise: a significativa contração do PIB dos países componentes do G-8.

De acordo com Farhi e Prates (2009), após a eclosão da crise financeira em julho de 2007, observou-se uma importante mudança nas posições líquidas dos três principais tipos de investidores no mercado de derivativos de câmbio da BM&F. Até maio de 2008, os investidores estrangeiros posicionaram-se, predominantemente, na ponta comprada desse mercado, refletindo sua maior aversão aos riscos, em decorrência do contexto financeiro internacional. Em junho e julho de 2008, voltaram a formar posições vendidas, que geraram lucros com a apreciação do real. Três fatores induziram essa mudança: concessão do grau de investimento, pelo aumento do diferencial de juros e pelo boom de preços das commodities. No entanto, em setembro, com o acirramento da crise, eles voltaram a ficar comprados, apostando na depreciação do real. Segundo os autores, os investidores institucionais seguiram posições semelhantes aos investidores estrangeiros, enquanto os bancos assumiram posições vendidas em derivativos.

Bresser-Pereira (2010) entende que, quando irrompeu a crise, os políticos perceberam equívocos e tomaram quatro decisões:

 Aumentar radicalmente a liquidez por meio da taxa básica de juros, já que a crise implicava um grande aperto de crédito após a perda generalizada de confiança que causou;

 Resgatar e recapitalizar os bancos, por serem instituições quase públicas que não podem ir à falência;

 Adotar políticas fiscais expansionistas que se tornaram inevitáveis;

 Regular novamente o sistema financeiro, tanto interna quanto internacionalmente.

Conforme Farhi e Cintra (2009), vários fatores propulsionaram um processo de enxugamento do sistema paralelo responsável pela proliferação de inovações complexas e opacas. Dentre esses fatores, citam-se: resgate das agências hipotecárias (Fannie Mae e Freddie Mac) e da seguradora American Insurance Group (AIG); desaparecimento de cinco bancos de investimentos de Wall Street (Bear Sterns, Lehman Brothers, Merril Lynch, Goldman Sachs,

Morgan Stanley); falência de diversos bancos hipotecários; falência de fundos de investimentos, de hedge funds, de private equity funds.

Farhi e Cintra (2009) apontam que a quebra de instituições insolventes e a escassez de liquidez dos instrumentos financeiros mais exóticos promoveram um forte processo de desalavancagem e uma reconfiguração forçada do sistema financeiro global, além do enquadramento das instituições sob a regulação e supervisão do Federal Reserve System e de outros bancos centrais.

Segundo Mazzucchelli (2008), apesar das perdas financeiras e da desaceleração da economia, a disposição para intervenção estatal é atualmente um elemento determinante que diferencia nitidamente as iniciativas da política econômica, e este é um fator decisivo. O autor sustenta que, em face da eclosão da crise, a intervenção dos governos foi ampla e imediata. O credo liberal e a panaceia dos mercados autorregulados foram sumariamente abandonados e o Estado assumiu, com maior ou menor grau de acerto, a responsabilidade pela defesa das instituições financeiras, pela provisão da liquidez, pela garantia integral dos depósitos, pela redução das taxas de juros básicas e pela tentativa de evitar o aprofundamento da contração do crédito.

Para Mazzucchelli (2008), diante do descontrole das operações financeiras que redundaram na crise de 2008, não há mais quem negue a necessidade imperiosa de reintroduzir padrões mais rígidos e rigorosos que disciplinem o funcionamento do sistema financeiro, inclusive em âmbito internacional. O autor enumera dois pontos importantes para assegurar uma estabilidade mínima às economias capitalistas: a regulamentação sobre o shadow financial

system (bancos de investimento, fundos de investimento, hedge funds, seguradoras) e a definição de suas relações com os bancos comerciais.