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2. MERCADO DE CAPITAIS: ASPECTOS GERAIS

2.3 Mercado de Capitais Alemão

2.3.2 Sistema de Dois Níveis: Conselhos de Administração e de Supervisão

entre sociedades anônimas (Aktiengesellschaften – AG) e sociedades de responsabilidade limitada (Gesellschaften mit beschränkter Haftung – GmbH). Estes tipos societários são regidos por leis distintas; as empresas AG regulam-se pela Stock Corporation Act enquanto as GmbH inserem-se nas determinações da Limited Liability Companies Act, embora alguns princípios básicos do direito societário aplicam-se igualmente para ambos os tipos (BAUMS, 1999).

De forma semelhante ao Brasil, esta divisão entre sociedades anônimas e sociedades de responsabilidade limitada não se referem ao tamanho da companhia, uma vez que há grandes firmas inseridas na forma societária GmbH, e pequenas empresas (além de empresas com controle familiar) na forma de AG. Apesar disso, somente podem listar e negociar ações nas bolsas de valores as empresas cuja composição societária seja AG (BAUMS, 1999)

A lei base para as sociedades anônimas, a Stock Corporation Act, é complementada por outras leis, tais quais a Codetermination Acts, o Commercial Code (com suas regras relativas ao registro comercial, contabilidade e outras questões) ou o Security Traded Act (com regulamentações relacionadas ao abuso de informações privilegiadas).

Rotta (2004), fazendo referência ao relatório oferecido pela Oxford Analitica, apresenta uma característica específica do direito societário alemão, ou seja, a obrigatoriedade de todas as empresas de capital aberto e todas as que não são de capital aberto, porém com mais de 500 funcionários, de terem um conselho supervisor (Aufsichtsrat) e um conselho executivo ou de administração (Vorstand).

Baums (1999) assevera que esse sistema de dois níveis remonta aos anos 1870. O conselho de administração é composto por diretores da companhia e apenas administra e representa as empresas. Por seu turno, o conselho de supervisão tem a função de nomear e supervisionar os dirigentes da organização, além de ser exclusivamente composto por diretores externos à empresa. Os membros do conselho de administração não podem compor também o conselho de supervisão, e vice-versa.

Os membros do conselho de administração são nomeados por no máximo cinco anos pelos membros do conselho de supervisão, e somente podem ser demitidos de suas funções por uma justa causa. Além disso, são possíveis também as renomeações. Conforme Baums (1999) a remuneração dos membros é especificada pelo conselho de supervisão e, tradicionalmente, incluía ganhos por desempenho, derivados da declaração anual de prestação de contas (como o superávit anual). Há alguns anos, apenas, foram incluídas remunerações vinculadas a stock

options.

Baums (1999) também faz outra importante consideração. A margem de atuação que é dada à gestão permite e até os obriga a assumir os interesses de outros stakeholders (empregados,

credores e público em geral). Conforme o autor há uma discussão na literatura jurídica alemã sobre o fato de uma empresa ser realmente uma “empresa” com todos os grupos interessados. São vários os que concordam que a administração não é obrigada, única e exclusivamente, a

defender os interesses dos acionistas, maximizando o valor de suas ações, mas pode e deve atuar como um “bom cidadão”, assim como, fazendo doações para universidades mesmo que seus concorrentes possam se beneficiar com essa prática, fazendo provisões para os funcionários prestes a perder seus empregos quando uma empresa esteja próxima de cessar suas atividades em função de mecanismos de fusões ou aquisições

Essa visão é corroborada por Balz (1999), ao afirmar que a noção de “enterprise” é diferente de “company”, derivada de uma longa tradição de ressentimento anticapitalista, que remonta ao século XIX e ainda é muito viva. A empresa é percebida como uma organização social que combina em algum tipo de coalizão não apenas o capital e o trabalho (os fatores clássicos de produção na teoria econômica), mas, em certa medida, também a sua gestão ou tecnoestrutura (a disposição fator), além de credores e do interesse público. Nessa concepção, os gestores são vistos, mais do que como agentes dos acionistas, representantes da empresa como tal e agentes de um interesse empresarial bastante difuso.

Em relação ao conselho de supervisão, sua composição é de pelo menos três membros e de no máximo 21. A média, na Alemanha, tem sido de 13 membros. Suas duas principais funções relacionam-se à nomeação dos membros do conselho de administração e ao monitoramento da sua gestão. Vinculado à função de fiscalização ou monitoramento, o conselho de supervisão tem o poder de solicitar aprovação prévia de algumas categorias de operações; esse poder é dado ou em função do estado ou por própria decisão do conselho de supervisão. Cada membro do conselho de supervisão pode ter até dez assentos em conselhos fiscais de outras companhias, embora a média tenha sido em torno de 2 a 3 assentos por pessoa (BAUMS, 1999).

Os membros do conselho de supervisão são nomeados na reunião dos acionistas, com exceção dos representantes dos funcionários. A remuneração dos membros do conselho fiscal é fixada em reunião geral com os acionistas e, em média, é relativamente modesta.

No entanto, Balz (1999) faz uma importante consideração. A noção de governança em grandes empresas como algum tipo de coalizão entre o capital e o trabalho ainda ocupa uma

grande parte do pensamento alemão, tanto que isso levou a uma legislação de cogestão entre 1950 e 1976, defendida até hoje pelo trabalho organizado e pelos grandes partidos políticos. As grandes empresas (aquelas com mais de 2.000 funcionários, considerando matriz e filiais) estão sujeitas à cogestão do trabalho no âmbito do Mitbestimmungsgesetz de 1976. Um conselho fiscal é obrigatório nessas empresas que possuem um número igual de representantes dos acionistas e dos trabalhadores.

Monks e Minow (2001) detalham essa participação dos trabalhadores no conselho de supervisão. Segundo os autores, a legislação alemã exige que um terço dos membros do conselho supervisor nas pequenas empresas seja eleito por seus empregados, enquanto que nas grandes os trabalhadores podem escolher até 50% dos membros. A outra parte percentual é escolhida diretamente pelos acionistas.

Rotta (2004) entende essa composição como um arranjo que oferece muito poder aos trabalhadores junto à administração e enfatiza que uma grande parte do conselho supervisor será escolhida segundo a lei alemã e não segundo as normas internas da firma. Isso dá uma conotação de forte participação governamental nos assuntos envolvendo corporações.

Na prática, segundo Rotta (2004), a separação entre ambos os conselhos nem sempre é bem rígida. Um determinado membro do conselho supervisor pode atuar no conselho de administração. Além disso, podem ser formadas comissões, compostas pelos dois conselhos, mesmo que impondo limitações legais a ambos. Dessa forma, os dois tendem a atuarem juntos ao gerenciar e direcionar os negócios.