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3. GOVERNANÇA CORPORATIVA: ASPECTOS GERAIS

3.2 Governança Corporativa: Tratamento Convencional

3.2.1 Teoria da Agência e Governança Corporativa

A teoria da agência está alicerçada nos problemas de estrutura de propriedade. Esses problemas dizem respeito às possibilidades de os gestores promoverem a expropriação do capital dos acionistas, no sentido de maximizarem sua utilidade pessoal e não propriamente a riqueza dos acionistas, motivo pelo qual foram contratados.

Um dos estudos precursores relacionado à estrutura de propriedade remonta a Berle e Means (1932), em que vêm à tona questões vinculadas à separação de propriedade e controle. Os autores apontam que tal separação nas empresas modernas é tida como o paradigma central

acerca da teoria econômica das empresas. As origens desse problema remontam ao fato de as empresas terem assumido uma posição de tamanho considerável, motivo pelo qual seu controle não mais ter condições de ser exercido unicamente pelos proprietários. Em função da escassez de riquezas, a propriedade empresarial tenderia a essa pulverização que, consequentemente, poderia fortalecer o poder dos administradores para agir em interesses próprios.

Becht, Bolton e Röel (2005) argumentam que, quando existe muita pulverização e os acionistas deixam de exercer um comportamento ativo, é possível que os administradores mudem as regras a seu favor ex post. Então, o monitoramento dos agentes em relação às práticas dos executivos é dificultado. Os autores colocam três razões para que os capitais dos acionistas sejam pulverizados: 1) a riqueza do investidor pode não ser suficiente para um montante grande de investimentos; 2) diversificação de carteiras; e 3) liquidez, tendo em vista que muitas ações não são negociáveis de imediato.

No ínterim da separação de propriedade e controle é que surgem, com Jensen e Meckling (1976), os estudos que definem as relações de agência, embora essas relações já tenham sido discutidas por autores como Spencer e Zeckhauser (1971) e Ross (1973). Jensen e Meckling (1976) definem a relação de agência como um contrato no qual o principal (fornecedores de capital) nomeia um agente para exercer alguns serviços para si, envolvendo a delegação de autoridade na tomada de decisões em alguns aspectos. A teoria da agência pressupõe que a separação entre controle e propriedade introduz o conflito de agência ou agenciamento haja vista o gestor (agente) poder não buscar, necessariamente, os objetivos ditados pelo proprietário (principal), quando o primeiro estiver dotado de interesses individuais. Ou seja, se ambos – agente e principal – pautam suas ações tendo em vista a maximização de suas utilidades pessoais, podem existir razões para se presumir que o agente não agirá sempre no melhor interesse do principal. Essas premissas possibilitam a criação da hipótese de que o agente perfeito não existe, uma vez que pode haver incongruências no comportamento entre o desejo do principal e a prática efetiva do agente.

Jensen e Meckling (1976) argumentam que, na relação entre acionistas e gestores, aqueles podem limitar a divergência destes monitorando suas atividades e estabelecendo incentivos contratuais apropriados a eles. Para isso, os acionistas incorrem em custos para alinhar os

interesses dos gestores aos seus – os chamados custos de agência. Estes custos seriam o somatório de:

 Custos de criação e estruturação de contratos entre o principal e o agente;  Gastos de monitoramento das atividades dos gestores pelo principal;

 Gastos promovidos pelo próprio agente para mostrar ao principal que seus atos não serão prejudiciais ao mesmo;

 Perdas residuais, decorrentes da diminuição da riqueza do principal por eventuais divergências entre as decisões do agente e as decisões que iriam maximizar a riqueza do principal.

Sob o ponto de vista de relações de agenciamento entre o acionista e o gestor, e no contexto dos custos de agência apresentados, poderia se conjeturar que a existência de contratos completos e perfeitos reduziria sobremaneira esses custos, além da existência de agentes perfeitos. Isso possibilita colocar os conflitos de agência no escopo de uma visão contratual da firma, conforme demonstram Coase (1937), Coase (1991), Jensen e Meckling (1976), Famá e Jensen (1983), entre outros.

Jensen (2001) aponta que uma firma é um nexo de contratos entre clientes, trabalhadores e executivos, além de fornecedores de capital e material. Dessa forma, os executivos e acionistas assinam um contrato que especifica o que os gestores devem executar em relação ao rol de recursos disponíveis para eles. Por isso a necessidade de contratos completos, que pudessem contemplar todas as nuanças contingenciais possíveis na atuação de um administrador.

Church e Ware (2000) asseveram que os contratos alinham os interesses das contrapartes, fornecendo mecanismos em uma transação para assumir seus respectivos comportamentos futuros. Assim, caso a punição do não cumprimento do contrato faça com que uma das partes seja mais prejudicada em comparação ao seu cumprimento, o incentivo a agir fora dos termos contratuais será minimizado. Hart (1996) delineia os custos envolvidos para a elaboração de um contrato eficaz e completo:

 Custos para determinar ou antecipar todas as possíveis contingências, buscando uma adaptação eficiente;

 Custos para se atingir um acordo para cada contingência importante;

 Custos para escrever o contrato em termos e condições precisas, compreendido e interpretado como em tribunal;

 Custo de monitoramento;

 Custos de aplicabilidade, uma vez que, na falha em relação ao cumprimento contratual, custos serão incorridos para se exercer tal documento.

Porém, Klein (1983) e Jensen (2001) apontam que contratos perfeitos e completos, abrangendo todas as contingências e as respostas e mudanças aos desafios do ambiente de negócios não existem. Isso porque o número de contingências possíveis é extremamente grande, além da multiplicidade de reações frente a essas contingências. Ademais, outro fator a se considerar é a frequência com que as contingências possam ocorrer. Por isso os gestores acabam por exercer o direito residual de controle da empresa além da própria outorga das ações previsíveis. Então, pode-se entender que o ser humano, por sua natureza, tenha campo para conduzir as decisões empresariais para a maximização da função utilidade mais para seus próprios anseios e objetivos, o que torna esse agente imperfeito nesse prisma.

Segundo Shleifer e Vishny (1997), as principais formas pelas quais os gestores expropriam a riqueza dos acionistas são:

 Pela diversificação excessiva da empresa;

 Pelo crescimento maior do que o necessário, com o reinvestimento do fluxo de caixa livre em projetos que não agregam valor aos acionistas;

 Pela determinação da remuneração abusiva de si próprios;  Pelo roubo dos lucros;

 Pela venda da produção, ativos, ou títulos da empresa abaixo do preço de mercado para outra empresa dos quais são controladores;

 Pela designação de membros da família desqualificados para posições gerenciais;  Pelo empreendimento de projetos devido ao seu gosto pessoal e não devido a estudos

técnicos de viabilidade;

Entretanto, embora os acionistas possam estar desprotegidos em relação às práticas executivas dos gestores, alguns mecanismos podem inibir essas práticas. Jensen e Meckling (1976) afirmam que os contratos de incentivo poderiam exercer esse papel ao conceder aos gestores um incentivo ex ante de longo prazo que alinham ambos os interesses, ou seja, de executivos e acionistas. Shleifer e Vishny (1997) ponderam essa visão uma vez que tais contratos poderiam criar um enorme potencial para ganhos extras por parte dos gestores, principalmente quando o conselho de administração passivo esteja envolto nessas negociações.

Além dos contratos de incentivo, outro mecanismo a ser utilizado seria o estabelecimento de contratos de dívida (SILVEIRA, 2002). Segundo o autor, a característica definidora do débito é a possibilidade de os credores exercerem controle quando do não pagamento da dívida. Nesse sentido, caso os executivos (tomadores dos fundos) violem algum termo contratual, o emprestador (acionistas) pode assumir certos direitos, como o colateral ou levar a empresa à falência. Nesse caso poderia haver um comprometimento do pagamento dos fluxos de caixa livres para os investidores.

Há que se considerar, porém, que, além do conflito de agência residir na separação de propriedade, ou seja, entre investidor e gestor, este conflito se estende a outras plataformas, quais sejam, conflitos entre os próprios acionistas (neste caso entre os majoritários e os minoritários).

Embora a existência de acionistas majoritários possa inibir a ação de gestores em relação à expropriação daqueles, outro problema pode vir à tona, ou seja, a expropriação dos acionistas majoritários em relação à riqueza dos acionistas minoritários, já que exercem uma influência maior na direção das empresas (BECHT; BOLTON; RÖEL, 2005). Se os grandes investidores preocupam-se com seus próprios interesses em relação ao dos demais, conforme Shleifer e Vishny (1997), então a expropriação do pequeno pelo grande investidor inibiria o primeiro a injetar recursos na empresa, uma vez que não teria sua utilidade maximizada. Além do mais, esse problema se agravaria caso houvesse prêmio das ações com direito a voto em detrimento das sem direito a voto.

Finalmente, pode haver conflitos entre acionistas e credores. Shleifer e Vishny (1997) apontam que a expropriação de riqueza pelos grandes investidores torna-se potencialmente

mais significativa quando outros investidores possuem direitos diferentes no fluxo de caixa da empresa. Então, Nakayasu (2006) entende que a existência de capital de terceiros faz com que este seja remunerado primeiro. Havendo lucro residual, aí sim o acionista seria remunerado. Nesse sentido, para o acionista escolher uma alternativa que pague totalmente o capital de terceiros, mas não remunere o seu capital, e outra arriscada, que possa comprometer os credores ou acarretar ganhos que os compensem e gerem lucro residual, certamente ele buscará essa segunda alternativa.

Uma vez que Tirole (2005) compreende a governança corporativa como uma série de medidas que asseguram o retorno dos investimentos em ambientes de separação entre propriedade e controle, como reflexo desse raciocínio, entende-se ser a governança corporativa uma forma de minimização dos problemas derivados de divergências de interesses estabelecidas pelos gestores e investidores.

Esta discussão pode ser atestada com Cerda (2000), ao apresentar dois objetivos centrais de um sistema de governança corporativa: o primeiro deles refere-se a promover uma estrutura eficiente de incentivos para a administração das corporações, no sentido de que suas ações estratégicas sejam voltadas para a maximização do valor dos detentores de capital, por meio do aumento do desempenho financeiro da firma; o segundo trata de estabelecer responsabilidades e outros mecanismos para evitar que os gestores – denominados de insiders – promovam qualquer tipo de expropriação de valor prejudicando os acionistas –

shareholders – e demais interessados na organização – stakeholders.