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Consequências e aplicações práticas

4 DEFINIÇÃO DA ORDEM HIERÁRQUICA

4.2 Consequências e aplicações práticas

Considerado todo o exposto até aqui, tem-se por fim de se estabelecer um ponto que, sem dúvidas, gerará controvérsias. Determinou-se a existência de uma hierarquia implícita entre direitos fundamentais. Foi esta hierarquia conceituada e explanada. Estabeleceu-se princípios a serem observados para fins de garantir a eficácia dos direitos fundamentais sistematicamente considerados diante da hierarquização. Isso posto, pergunta- se: quais consequencias práticas traz a ideia de hierarquizar direitos fundamentais?

Ao final, o reconhecimento da hierarquia trará uma única consequencia, singela, porém de extraordinária relevância: o fortalecimento do princípio do livre convencimento motivado.

O sopesamento principiológico, na forma como é rotineiramente utilizado no Brasil, dá excessiva margem à discricionaridade. Ao fim e a cabo, prevalecerá o direito que, na visão particular do julgador – imiscuindo-se aí de forma quase imperceptível opiniões de índole pessoal, política, religiosa – é mais necessário no caso concreto.

Este fato decorre da própria subjetividade inerente ao direito posto na prática. Foi- se há muito o tempo em que a escola da exegese era dogma intocável. Retire a subjetividade da ciência jurídica, e corre-se o risco de ter-se decisões judiciais válidas, porém injustas. Se fosse possível a retirada desta carga subjetiva, ademais, o Poder Judiciário tornar-se-ia obsoleto, pois bastaria dispor as características do caso concreto a um computador que este devolveria a solução jurídica pertinente.

Sem embargo a excessiva subjetividade fere de morte a segurança jurídica. Uma das maiores preocupações da ciência do direito contemporânea, assim, é justamente sopesar estas duas realidades: segurança jurídica frente à subjetividade. O livre convencimento motivado afigura-se como mecanismo regulador de ambas. Através dele, a subjetividade

discricionária do julgador é permitida e, inclusive, encorajada, desde que esteja esta devidamente fundamentada e motivada.

Quando se trata de direitos fundamentais, entretanto, pela própria carga ideológica natural ao estudo destes direitos, a fundamentação do julgador sói descambar ao casuísmo, ao “achismo” e à ideologia particular do intérprete. Agora, considerando-se estarem estes direitos fundamentais hierarquicamente escalonados, o julgador tem uma nova perspectiva, utílissma a seu propósito.

A hierarquia se impõe como condição prévia à análise do intérprete. Este, ao ter em mãos o caso concreto, analisará, antes de qualquer juízo de valor, qual dos direitos fundamentais conflitantes ocupa posição preferencial no ordenamento. De posse desta informação, poderá interpretar livremente o caso, porém atentando à sua fundamentação.

Se, em seu interpretar, sentir que a prevalência casuística efetivamente pertence ao direito hierarquicamente superior, terá um forte subsídio a justificar esta tese com a hierarquia. Se, ao contrário, entender que, no caso concreto, deve prevalecer o direito de posição não prevalente, poderá fazê-lo, porquanto indique com clareza os argumentos jurídicos que o levaram a esta conclusão. Em teoria, não será mais possível meramente argumentar que “este direito prevalece a este” porque assim pensa o julgador.

Outra consequencia prática, assim, será justamente o oposto dos que relutam em admitir a existência implícita de uma hierarquia entre direitos fundamentais: o fortalecimento da eficácia destes direitos. A hierarquia com base na axiologia dos direitos permite, além de garantir a essencialidade de todo o rol estabelecido na constituição – mesmo aqueles situados em patamar inferior – ver com notável precisão o andamento dos trabalhos de efetivação de cada direito no ordenamento nacional e, assim, mobilizar a sociedade com o fito de pressionar a administração pública pela plena eficácia dos direitos fundamentais ainda não plenamente eficazes materialmente.

5 CONCLUSÃO

A pesquisa aqui realizada tinha como escopo analisar indicativos de uma hierarquização dos direitos fundamentais no direito brasileiro. Com sua conclusão, temos que, efetivamente, há esta hierarquia, contudo, desde uma perspectiva axiológica dos direitos fundamentais. Formalmente, não pode haver hierarquia entre normas constitucionais, haja vista que uma hierarquia formal implica na fundamentação das normas inferiores nas que lhe são superior, conforme a visão de Kelsen. As normas fundamentais, todas encontram seu fundamento no poder constituinte, não uns nos outros.

Contudo quando se fala de uma perspectiva axiológica, percebe-se claramente uma hierarquia implícita, especialmente quando se limita o objeto às normas constitucionais que prescrevem direitos e garantias fundamentais. A carga axiológica destes direitos, subsumida a seus conteúdo essencial, faz com que estes se hierarquizem: (1) de acordo com as condições reais de eficácia que o estado garantidor possibilite; (2) de acordo com a relação de subordinação que um direito possa possuir respeito a outro mais abrangente, porém cuja eficácia dependa do cumprimento do primeiro, e; (3) de acordo com as limitações previstas no próprio corpo do texto constitucional para sua efetivação, diante da necessidade, ou não, de regulação posterior pelo poder legislativo, seu grau de exigibilidade e a possibilidade de que seja, ou não, suspenso.

O reconhecimento desta hierarquia, mostra ademais a pesquisa, não oferece mácula à unidade da constituição. De igual sorte, não esvazia o conteúdo dos direitos fundamentais dispostos na base de uma eventual pirâmide hierárquica, tampouco viabiliza a existência de normas constitucionais inconstitucionais.

Contudo, no que tange à impossibilidade de definição de uma ordem hierárquica, verifica-se a pertinência relativa desta crítica, na medida em que o critério valorativo que deve definir esta ordem é fluído e evolui de acordo com o desenvolvimento social do estado garantidor dos direitos fundamentais discutidos. A saída para este impasse, assim, é estabelecer que o ente determinante deste critério valorativo deve ser o mesmo que detém a legitimidade do poder constituinte: o povo, que através das inúmeras expressões do anseio social, dá vazão a que se encontre o referido critério valorativo que irá definir a ordem hierárquica dos direitos fundamentais. Verificou-se, de igual sorte e independente disso, que o critério valorativo definido deve, por bem, possuir dois parâmetros ideológicos para ser plenamente válido: o respeito a dignidade da pessoa humana e a persecução da justiça, concomitante e complementariamente.

Pensou-se, por fim, numa série de princípios a serem seguidos na definição da ordem hierárquica, a fim de eliminar o risco de que a definição desta retire a eficácia dos direitos fundamentais de base: fluidez, inafastabilidade da base e reposicionamento casuístico. Concluiu-se que a principal consequência prática do reconhecimento de uma hierarquia de direitos fundamentais será o fortalecimento do princípio do livre convencimento motivado, vez que o julgador deverá atentar previamente à esta hierarquia ao sopesar princípios conflitantes, fundamentando sua decisão em torno dela, ainda que se faculte a primazia do direito hierarquicamente inferior.

Conclui-se, assim, afirmando que este breve ensaio meramente testa as águas de um tema que, sem dúvidas, é de extrema relevância ao desenvolvimento da ciência jurídica brasileira. Passou-se há muito o tempo em que os juristas nacionais devem caminhar com as próprias pernas, tendo em mente a doutrina estrangeira, sim, mas não utilizando-a como sustentáculo inabalável do mais moderno direito. É tempo de que se elabore uma teoria constitucional brasileira, pensada e adequada à realidade nacional, tendo em mente sua rica história e a diversidade de sua cultura.

Tem-se plena consciência de que o presente trabalho não oferece soluções concretas para o tema que se propôs examinar. Nada obstante, crê-se que a vocação principal de uma pesquisa acadêmica não é a de estabelecer verdades absolutas, mas sim de fomentar o debate, de instigar o leitor a, concorde ou discorde das premissas lançadas, fundamente seu pensamento com base no próprio raciocínio. Em assim sendo, pode-se finalizar assumindo que a presente pesquisa, espera-se, cumpra sua vocação.

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