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CONSERVAÇÃO DA FLORESTA ATLÂNTICA AO NORTE DO RIO SÃO FRANCISCO

A Floresta Atlântica atingiu o status de hotspot para a conservação da biodiversidade global (sensu Myers et al. 2000) ao alcançar níveis alarmantes de perda de habitat - ca. 93% (Galindo- Leal & Câmara 2003). Apesar de praticamente toda costa brasileira ter sido ocupada pela colonização européia a partir da mesma época (século XVI), foi no Nordeste do Brasil que a Floresta Atlântica foi mais rapidamente degradada. Dois ciclos econômicos foram fundamentais neste processo: o do pau-brasil e o da cana-de-açúcar, o qual se estende até os dias atuais (Ranta et al. 1998). Em 1990 restavam menos de 6% da extensão original da Floresta Atlântica ao norte do Rio São Francisco (Conservation International do Brasil et al. 1994), e alguns tipos florestais, como

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a floresta ombrófila densa, foi reduzida a poucas dezenas de km (Tab. 1).

Tabela 1. Tipos de vegetação e vegetação remanescente na Floresta Atlântica ao norte do Rio São Francisco em 1990.

* Não inclui os brejos nordestinos, para os quais não há estimativa precisa sobre área original. Fonte: Conservation International et al. (1994) e IBGE (1985).

Tipos de vegetação Área de vegetação original

Vegetação 2

remanescente (km ) % do total

Formações pioneiras 2.922,88 (5.1%) 614,74 21,03

Áreas de tensão ecológica 19.715,18 (34,9) 665,89 3,37

F. estacional semidecidual 16.045,06 (28,4) 803,72 5,00

F. ombrófila densa 6.141,02 (10,8) 280,35 4,56

F. ombrófila aberta 11.576,74 (20,52) 832,92 7,19

56.400,88* 3.197,62 5,66

Total

Em uma análise posterior, constatou-se que, entre 1989 e 2000, esta floresta perdeu 10% da cobertura florestal remanescente (análise de 393 fragmentos florestais em uma área de 4.000 km²). Mais especificamente, neste período 5% dos remanescentes florestais analisados desapareceram e 11,4% perderam, em média, 35,7% de suas áreas (A. Amarante, dados não publicados). A floresta remanescente está hoje representada por arquipélagos de pequenos fragmentos florestais (Fig. 1) imersos em uma matriz agrícola e urbana (Coimbra-Filho & Câmara 1996). Para avaliar o estado de degradação da Floresta Atlântica, Silva & Casteleti (2003) combinaram duas variáveis: quantidade de habitat remanescente e nível de fragmentação. A Floresta Atlântica ao norte do Rio São Francisco, mais especificamente o Centro Pernambuco (floresta de terras baixas ao longo da costa) é um dos setores mais degradados de toda a Floresta Atlântica (Fig. 2).

Além da perda e da fragmentação de habitats, as unidades de conservação na floresta ao norte do São Francisco são poucas, pequenas (Fig. 3) e não estão devidamente implantadas (Uchôa Neto 2002). Com base neste cenário, foi proposto que cerca de 1/3 das árvores desta região estariam ameaçadas de extinção regional, conseqüência da interrupção do processo de dispersão de sementes (Silva & Tabarelli 2000). Modelos de extinção de árvores, elaborados posteriormente (Tabarelli et al. 2002; 2004), sugerem que este número pode estar subestimado e que a floresta ao norte do Rio São Francisco é a unidade biogeográfica da Floresta Atlântica com

Figura 1. Pequeno fragmento de Floresta Atlântica cercado pela lavoura de cana-de-açúcar ao norte do Rio São Francisco (Usina Serra Grande Alagoas).

0 20 40 60 80 100 0 20 40 60 80 Quantidade A E D C B F 100 Qualidade

Figura 2. Quantidade e qualidade de habitat em diferentes unidades biogeográficas da Floresta Atlântica brasileira. A: brejos nordestinos, B: Serra do Mar, C: Bahia, D: florestas estacionais, E: Centro de Endemismo Pernambuco, F: Floresta de Araucária. Adaptado de Silva & Casteleti (2003).

maior probabilidade de perder espécies em escala regional e global (Silva et al. 2002). Nesta região, por exemplo, é onde se encontra um dos locais (Murici, Alagoas) com a maior quantidade de espécies de aves ameaçadas de extinção nas Américas (Wege & Long 1995).

0 10 20 30 40 50 Serra do Mar Florestas Estacionais São Francisco Diamantina Bahia Floresta de Araucária Campos Sulinos Centro de Endemismo Pernambuco Brejos Nordestinos

Número de áreas protegidas 1 km 10 km 100 km 1000 km 2 2 2 2

Figura 3. Número de unidades de conservação de proteção integral por classe de tamanho em diferentes unidades biogeográficas da Floresta Atlântica brasileira. Adaptado de Silva & Casteleti (2003).

Ao todo, a Floresta Atlântica ao norte do São Francisco abriga 41 espécies e subespécies de aves ameaçadas de extinção global (MMA 2003) e 12 espécies de Bromeliaceae são conhecidas apenas na localidade tipo (Siqueira Filho 2003). Muitas destas espécies endêmicas e/ou ameaçadas não têm populações em unidades de conservação e estão restritas a áreas inferiores a

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15 km (Brooks & Rylands 2003, Rodrigues et al. 2004). Como conseqüência, a Floresta Atlântica ao norte do São Francisco foi identificada como uma das regiões do planeta onde os esforços de conservação são mais urgentes (Rodrigues et al. 2004) a fim de se evitar extinção global de espécies a curto prazo. Em outras palavras, esta parte da Floresta Atlântica (i.e., o Centro Pernambuco) é um hotspot dentro de um dos mais importantes hotspots (i.e., a Floresta Atlântica brasileira).

Evitar perda de espécies em biotas extremamente fragmentadas é possível através da implementação de “corredores de biodiversidade” (sensu Sanderson et al. 2003). De forma muita sucinta, o corredor pode ser descrito como um conjunto de áreas públicas e particulares protegidas, conectadas através de corredores florestais em escala regional, imerso em uma matriz de uso múltiplo do solo que seja pouco agressiva à diversidade biológica (Fig. 4). Assim, várias categorias de uso da terra compõem o esforço de conservação de um corredor, dentre elas:

Corredor regional de biodiversidade com vários tipos de uso do solo Núcleos de manejo do corredor

Unidades de conservação públicas e particulares

Corredores florestais de ligação entre núcleos e entre unidades de conservação Áreas tampão, áreas de ligação, trampolins e/ou unidades de conservação

parques, reservas públicas ou privadas, terras indígenas, além de propriedades que praticam sistemas agroflorestais ou ecoturismo (Sanderson et al. 2003).

Figura 4. Modelo esquemático de um corredor de biodiversidade. Adaptado de Sanderson et al. (2003).

O corredor representa a unidade básica de planejamento de conservação da diversidade biológica em escala regional. A estratégia de corredores vem sendo adotada por governos e instituições que trabalham com a conservação da biodiversidade como forma de vencer o isolamento das áreas protegidas, garantindo o trânsito de espécies por um mosaico de unidades ambientalmente sustentáveis e evitando que as áreas protegidas atinjam um estado de sítio (sensu Primack & Rodrigues 2001). Outro conceito importante para uma estratégia de conservação em escala regional refere-se ao nível de substituição dos sítios (veja Rodrigues et al. 2004). Alguns sítios abrigam as únicas populações conhecidas de espécies ameaçadas de extinção e, desta forma, tais sítios não têm substitutos em nenhuma escala espacial e deveriam compor as áreas nucleares dos corredores de biodiversidade.

Tabarelli & Siqueira Filho (2004) identificaram sete passos fundamentais para o estabelecimento de um corredor de biodiversidade na Floresta Atlântica ao norte do São Francisco: (1) identificar os sítios chave para a conservação da biodiversidade em áreas públicas e particulares (núcleos de manejo do corredor); (2) elaborar e implantar planos de gestão dos recursos naturais nos sítios chave e seus entornos; (3) monitorar o sucesso dos planos de gestão; (4) ampliar o sistema de áreas protegidas nos sítios; (5) viabilizar alternativas econômicas para a restauração florestal (essencial para ampliar a quantidade e a qualidade de habitas disponíveis em escala local); (6) planejar e implementar corredores florestais de ligação entre os sítios e (7) gerar o conhecimento científico necessário à execução das seis etapas anteriores.

Os estudos realizados durante o Subprojeto “Composição, Riqueza e Diversidade de Espécies do Centro de Endemismo Pernambuco” demonstram que Serra Grande, a RPPN Frei Caneca e Gurjaú abrigam uma quantidade considerável de espécies. Mais especificamente, foram registradas 1.595 espécies em apenas 12 fragmentos nestes três sítios (Tab. 2). Para muitos grupos, como bromélias e aves, o número de espécies observadas representa entre 28 e 100% do total das espécies registradas em toda a Floresta Atlântica ao norte do São Francisco (Tab. 3). Além da riqueza de espécies, muitas espécies ameaçadas de extinção, ou endêmicas desta região, têm populações restritas a alguns destes três sítios, além da Estação Ecológica de Murici, (Alagoas) um dos sítios mais importantes para a conservação de aves na região Neotropical. Exemplo é a Neoregelia pernambucana (Bromeliaceae), encontrada apenas na RPPN Frei Caneca (Siqueira Filho 2003), e as várias espécies de aves que estão restritas a Murici, Serra Grande e a RPPN Frei Caneca (Tab. 4), ou seja, estes sítios são insubstituíveis.

Tabela 2. Número de espécies encontradas em Frei Caneca, Gurjaú e Serra Grande. Não foram consideradas as morfoespécies.

Tabela 3. Número de espécies encontradas em diferentes grupos biológicos na Floresta Atlântica ao norte do Rio São Francisco e nos sítios da Usina Serra Grande, RPPN Frei Caneca e Reserva Ecológica de Gurjaú.

*espécies/sub-espécies

Grupos biológicos Número de espécies nos sítios

Frei Caneca Gurjaú Serra Grande Total

Líquens 10 35 15 51 Myxomicetes 31 52 33 70 Fungos 32 99 19 149 Briófitas 86 46 57 113 Pteridófitas 92 50 87 131 Árvores 105 61 80 152 Bromélias 34 14 26 41 Orquídeas 78 22 63 97 Fanerógamas 130 110 115 278 Abelhas Euglossini 19 20 21 32 Formigas 142 56 104 178 Esfingídeos 14 14 14 32 Aves 127 118 142 162 Mamíferos 17 3 17 27 Total 917 700 793 1.595

Grupos biológicos N° de espécies na região Total nos sítios Abelhas Euglossinae 32 (100%) Briófitas 113 (28,2%) Pteridófitas 131 (37,4%) Bromélias 41 (47,6%) Aves * 32 400 350 86 434 162 (37,3%)

Tabela 4. Espécies endêmicas e/ou ameaçadas de extinção em 12 fragmentos de quatro sítios da Floresta Atlântica ao norte do Rio São Francisco. As categorias de ameaçada seguem MMA (2003): CR, criticamente ameaçado; EN, ameaçado; VU, vulnerável. Sítios: SG, Serra Grande; FC, Frei Caneca; TRA, Trapiche; MUR, Murici.

Desta forma, Serra Grande, a RPPN Frei Caneca, Gurjáu e Murici, e outros sítios insubstituíveis, como a Usina Trapiche (área de ocorrência do caburé-do-nordeste, Glaucidium moreoorum), deveriam compor os núcleos de manejo de um corredor de biodiversidade (Sanderson et al. 2003) ao norte do São Francisco, conforme esquematizado na Figura 5. É importante salientar que (1) estes sítios são arquipélagos de fragmentos florestais localizados em áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade da Floresta Atlântica e Campos Sulinos (Conservation International et al. 2000); (2) nestes arquipélagos, a riqueza e a distribuição de espécies não estão exclusivamente associadas às áreas dos fragmentos e, sim, refletem variáveis históricas, como a exploração de madeira; (3) muitas espécies, inclusive endêmicas e/ou ameaçadas de extinção, ocorrem em um ou poucos fragmentos e não estão presentes em todos os sítios; e (4) a quantidade de habitat disponível em cada um dos sítios é, provavelmente, menor que a área dinâmica mínima (sensu Primack & Rodrigues 2001) de muitas populações.

Figura 5. Localização do corredor de biodiversidade da Floresta Atlântica ao norte do Rio São Francisco e seus núcleos de manejo.

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