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CAPÍTULO 02: AS IDEIAS NA ALEMANHA

2.3. Críticas à Aufklärung

2.3.1. Conservadorismo

De acordo com Beiser (1992), a partir de 1770 o conservadorismo alemão ganhou força contra as ideias da Aufklärung em virtude do efeito das notícias chegadas à Alemanha sobre os acontecimentos ocorridos na França durante o período do Terror. Teria sido o medo de que a Alemanha enfrentasse toda a violência e caos que tomou conta da França após a Revolução, o estopim para que diversos jornais, artigos e ensaios de teor conservador contrários à Aufklärung emergissem neste período. Apesar da crítica que o Movimento Conservador endereçava à Aufklärung, muitos Aufklarër consideravam-se conservadores.

Para Beiser (1992), compreender as ideias destes conservadores que se colocavam não apenas contra a Aufklärung, como também contra ao Movimento Romântico, é importante para que se possa compreender os pensamentos que transcorriam na Alemanha naquele período. Estes conservadores poderiam ser definidos como aqueles que defendiam o status quo da Alemanha contra a ideologia da Revolução Francesa. O objetivo deste movimento era conservar o poder Absolutista na Áustria e na Prússia, bem como as características da sociedade aristocrática altamente hierarquizada.

Em que pese seu posicionamento político tradicionalista, o movimento conservador flertava com uma série de ideais liberalistas e românticos, como a liberdade de imprensa. As contradições presentes nas pautas defendidas pelos conservadores devem-se à pluralidade deste movimento que unificava pessoas de diversos setores da sociedade, cujo interesse em comum era evitar que acontecesse na Alemanha o mesmo que na França. Daí a defesa de uma forma de governo que se aproximasse de um despotismo esclarecido, mas não a ruptura total com a tradição política da monarquia.

Um ponto fundamental do pensamento conservador era sua oposição ao racionalismo político que pretendia tratar o Estado como uma máquina. Os conservadores consideravam que o Estado deveria ser encarado como um organismo vivo, portador de um desenvolvimento gradual de acordo com o ambiente no qual ele estaria inserido e de acordo com as características da sociedade que o constituía. Esta forma de conceber o Estado como produto cultural e a crítica à concepção mecanicista de Estado não quer dizer que a razão fosse negada pelos conservadores, mas sim os excessos da política racionalista. Eles não acreditavam que seria possível governar através das leis gerais e mecanicistas sem se levar em conta a tradição e a cultura.

[...] Eles se opuseram ao “método metafísico” dos radicais, à tentativa de determinar a priori os princípios da política e de aplicá-los ao Estado sem antes ter qualquer prévio conhecimento de suas condições sociais, econômicas e geográficas. Eles insistiram em que deveríamos derivar nossos princípios e leis da experiência, do conhecimento da história, da geografia, da economia e dos costumes de uma nação. Em vez de tornar a nossa prática em conformidade com nossos princípios, devemos fazer nossos princípios em conformidade com nossa prática [...]. (BEISER, 1992, p. 283, tradução nossa)24

Os conservadores acreditavam que as ideias políticas deveriam partir da experiência e que esta experiência não se tratava de algo individual, mas sim da experiência coletiva da sociedade e de várias gerações. Além disso, os conservadores consideravam que, apesar da razão ser uma importante conquista do pensamento moderno, o Iluminismo deveria ter limites, uma vez que nem todas as pessoas teriam condições morais de agir pela razão. Desta maneira, a fé, a tradição e os costumes seriam importantes para manter a obediência e a felicidade das pessoas.

Beiser (1992) acredita que este posicionamento contrário ao exacerbado racionalismo iluminista não era um problema. Na verdade, a maior parte das pessoas comuns compartilhavam deste posicionamento, inclusive pensadores como os franceses Voltaire, Diderot e d’Alembert duvidavam dos benefícios de compartilhar os resultados do criticismo com a população em geral.

Um elemento crucial da crítica conservadora da ideologia revolucionária é o ataque a soberania popular. Para apoiar sua fé no governo autoritário, os conservadores tiveram que combater o desafio colocado por esta doutrina rousseuniana perigosamente popular. Seu argumento favorito contra ele veio de sua concepção pessimista da natureza humana. Uma vez que a vontade do povo é governado por impulso e paixões e não pode estar em conformidade com os princípios da razão, não pode ser fonte de lei. (BEISER, 1992, p. 284, tradução nossa)25

O movimento conservador acreditava que a democracia era perigosa e poderia levar à um estado de tirania do povo que passaria por cima das liberdades individuais. O povo

24 […They objected to the “metaphysical method” of the radicals, the attempt to determine the principles of

politics a priori and to apply them to the state without having any previous any previous knowledge of its social, economic, and geographic conditions. They insisted that we should instead derive our principles and laws from experience, from knowledge of the history, geography, economy, and customs of a nation. Rather than making our practice conform to our principles, we should make our principles conform to our practice…]

25 [A crucial element of the conservative critique of revolutionary ideology is it attack on popular sovereignty.

To support their faith in authoritarian government, the conservatives had to combat the challenge posed by this dangerously popular Rousseanian doctrine. Their favorite argument against it came from their pessimistic conception of human nature. Since the will of the people is governed by impulse and passion and cannot conform to the principles of reason, it cannot be source of law.]

não estava pronto para administrar o Estado. Os conservadores também se opunham à ideia de igualdade política. Em todo caso, a maior parte deles acreditava que de fato deveria existir maiores oportunidades para que as pessoas pudessem desenvolvem-se, como por exemplo, através da criação de escolas e acesso ao ensino. Entretanto, eles eram contrários à ideia de igualdade social, já que eles acreditavam que as diferentes classes sociais eram partes importantes do organismo da sociedade. Cada grupo social possuía determinados deveres e direitos dentro da estrutura que manteria vivo o organismo da sociedade e do Estado (BEISER, 1992).

Tanto a Aufklärung, quanto o Movimento Romântico e o Conservadorismo, assim como a própria Bildung, eram movimentos culturais que, apesar de seu poder de transformação, estavam limitados às classes burguesas. É difícil apontar Ritter como afiliado a qualquer uma destas correntes de pensamento, mas é preciso considerar que ele viveu em um período de ebulição destas ideais. E, apesar de ser bastante complexo classifica-lo, é importante considerar como que o movimento conservador expressou em grande parte o pensamento político de Ritter. Apesar de ser um grande entusiasta da ciência racional, Ritter era grande defensor da monarquia e da tradição política (BECK, 1979).

A busca de compreender o Estado como um organismo também foi importante, já que o Movimento Conservador acreditava que o Estado não deveria ser tratado como uma máquina, mas defendia a ideia naturalista de que os Estados eram frutos do desenvolvimento histórico, cujo funcionamento deveria ser compreendido de acordo com o modelo de um organismo onde cada parte, em sua individualidade, exerce uma importante função sobre o todo. Logo, eles se opuseram a ideia de igualdade social tão cara ao Iluminismo, que defendia que todos os homens deveriam gozar do mesmo status civil dentro da sociedade.