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No presente capítulo, consideramos a concepção de Edward Thompson (1981) acerca dos processos históricos, como base estrutural para o desenvolvimento do conceito de experiência. Admitir que a vida, das e dos sujeitos, é o conjunto de experiências por eles vivenciadas, projetadas pelo constructo social no qual estão inseridos, é visualizar a escolarização enquanto uma experiência geracionalmente reproduzida. Assim, visualizamos a prática de ocupação das escolas públicas como resultado da dialética cotidiana das relações escolares, que podem expressar, tanto sobre a vivência de escolarização quanto acerca da própria experiência de ocupação. Geralmente, um modo de descobrir normas surdas é examinar um episódio ou uma situação atípicos. Um motim ilumina as normas dos anos de tranquilidade, e uma repentina quebra de deferência nos permite entender melhor os hábitos de consideração que foram quebrados. Isso pode valer tanto para a conduta pública e social quanto para atitudes mais íntimas e domésticas. (THOMPSON, 2002, p. 235).

Ao mesmo tempo em que o conceito de experiência surge da crítica à teoria marxista, como um termo ausente, este não pode ser interpretado fora da sua base dialética elaborada por Marx e Engels (2007). A aplicação de tal conceito na pesquisa é fundamental para o entendimento das contradições das relações escolares clareadas pela experiência de ocupar e resistir. Retomar a discussão de Marx e Engels (2007), acerca da dialética materialista, permitiu-nos perceber a aplicação do termo, tanto enquanto suporte teórico-metodológico da pesquisa quanto composição da prática estudada.

Outro ponto fundamental para a nossa análise é a discussão acerca da consciência social na perspectiva de Thompson (2002), composta pela congruência, contradição e mudança involuntária. Essas três características, aproximam a consciência social da experiência ao apontar a dependência material para a gestação do pensamento, mas, ao mesmo tempo, ao dimensionar as e os sujeitos e as estruturas sociais na história, Thompson (2002) admite a autonomia da e do ser social e desvincula o determinismo da interpretação materialista dialética.

As discussões internas acerca das divergências das visões teóricas marxistas fazem com que este aporte teórico-metodológico seja uma eficaz ferramenta de análise social contemporânea. A autocrítica e a visão orgânica da teoria garantem que ao produzir determinado conhecimento, a abordagem marxista se modifique, sem perder sua base crítica estruturante. Assim, ao optarmos pela concepção de história de Thompson (1981) não rechaçamos outras correntes, mas compreendemos o acúmulo teórico que levou as formulações peculiares do autor.

Desse modo, no capítulo seguinte, apresentamos as fontes da pesquisa e, com base no aporte teórico-metodológico aqui desenvolvido, realizamos a análise das experiências do Movimento Secundarista de Ocupações, em Caxias do Sul. Nesse sentido, as categorias experiência e dialética são instrumentos analíticos utilizados para o questionamento do objeto de estudo. De acordo com a abordagem materialista histórico-dialética, a postura crítica diante do objeto é fundamental para o estudo histórico. Assim, compreendemos que a contextualização da temática, a construção do problema e objetivos de pesquisa em conjunto com os conhecimentos elaborados no Estado da Arte dão suporte para o desenvolvimento crítico da presente pesquisa .

4 ANÁLISE DAS EXPERIÊNCIAS

O Movimento Secundarista de Ocupações se distingue dos movimentos estudantis que o precedem, dentre outras características, pela visibilidade das ações de luta, através da intensa circulação alternativa de informações nas redes sociais virtuais, que se tornaram potentes canais de comunicação e aproximação comunitária do movimento. Apesar da cobertura midiática dos eventos ter sido de grande repercussão, as e os estudantes nativos do contexto de interação digital fizeram circular informações próprias, concorrendo com os meios tradicionais de comunicação na veiculação de notícias e opiniões sobre a prática de ocupar e resistir.

As múltiplas narrativas construídas acerca do Movimento Secundarista de Ocupações são expressas nas fontes da pesquisa que, por serem compostas por materiais de distintas origens e formatos, são analisadas sob o ponto de vista da experiência das e dos estudantes, buscando identificar as modificações que as ações implicaram nos seus processos de consciência social. Assim, compreendemos as relações internas e externas das ocupações, sem classificar a ação coletiva por uma identidade única do movimento, mas refletindo as contradições que o compõe. Assim, analisamos, no presente trabalho, a maneira que o Movimento Secundarista de Ocupações se constituiu, as peculiaridades de seu funcionamento, e o porquê da ação em determinado contexto. De acordo com Melucci (1989, p. 52):

Os movimentos são sistemas de ação que operam num campo sistêmico de possibilidades e limites. É por isso que a organização se torna um ponto crítico de observação, um nível analítico que não pode ser ignorado. O modo como os atores constituem sua ação é a conexão concreta entre orientações e oportunidades e coerções sistêmicas.

Ao divulgarem o movimento as e os ocupantes criaram um espaço de fala pouco comum para as e os estudantes secundaristas. Afirmamos isso, com base em nossa revisão de literatura, instrumento que evidenciou, tanto através das teses e dissertações quanto dos artigos, a desigual condição de participação política estudantil na escola e sobre os processos de escolarização. Assim, emerge outra característica do Movimento Secundarista de Ocupações que o identifica com os movimentos em rede na era digital (CASTELLS, 2013), a construção, no meio ocupado, de uma formação democrática diferenciada da vivenciada cotidianamente.

A possibilidade de discutir e divulgar as ideias, reivindicações e ações, concomitantemente, com o ato de ocupar, gerou um amplo material de registros do movimento, com acesso facilitado, mas fugaz. Assim, na análise desse material, compreendemos o movimento segundo a visão das e dos sujeitos diretamente envolvidos. Em vista disto, utilizamos como fontes para a análise: entrevistas realizadas com as e os estudantes e a produção discursiva feita pelos mesmos nas postagens veiculadas nas redes sociais virtuais. Outras fontes foram selecionadas para análise e servem de base comparativa, indicando a intencionalidade dos discursos das e dos estudantes. Para tanto, apresentamos a seguir os materiais selecionados para a análise acerca do que foi a prática de Ocupar e Resistir.