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4.2 As Experiências do Movimento Secundarista de Ocupações

4.2.3 Motivações das e dos Estudantes

Ao refletirmos sobre as experiências do Movimento Secundarista de Ocupações visualizamos os valores, princípios e ideais das e dos estudantes envolvidos no movimento. Nesse sentido, as fontes da pesquisa nos ajudam a compreender as motivações comuns para o processo de ocupação, em meio às produções discursivas individuais. Conforme já tratamos, o Movimento Secundarista de Ocupações inicialmente foi alimentado pelo sentimento de esperança na mudança, assim, as pautas são criadas em cada escola com base na perspectiva do que poderia ser diferente, os contrastes que aos olhos das e dos estudantes qualificariam a educação.

As reivindicações de cada escola se desmembram em uma série de tópicos que correspondem a distintas pautas da educação, perpassando desde a participação estudantil a melhorias simples na estrutura física das escolas, como colocação de trancas nas portas dos banheiros. Conforme Martins e Dayrell (2013) as organizações estudantis tendem a parecer desorganizadas aos olhos da burocracia imputada aos coletivos adultos, visualizamos isso nas pautas do Movimento Secundarista de Ocupações que, embora possam parecer diversas e aleatórias, giram em torno do direito à educação e da educação com qualidade.

Em diversas fontes da pesquisa as e os estudantes explanam, explicam e problematizam as pautas das ocupações. Nas cartas escritas para a comunidade; postagens do Facebook; cartazes e nas entrevistas, fica claro a intensão de divulgar e fazer conhecer as motivações do movimento secundarista de ocupações que, sob o ponto de vista das e dos estudantes, é o que dá legitimidade a ação. No trecho a seguir, as e os estudantes da Escola de Carolina explanam sobre suas pautas:

Primeiro citaremos o motivo da ocupação, que nada mais é do que uma forma de mostrar nossa insatisfação. Razões são muitas, entre as principais temos: o sucateamento das escolas em geral, o repasse ineficaz de verba para as instituições, a falta de pessoal (funcionários da limpeza, cozinheiros e é claro professores) e sem duvidas o descaso que os professores sofrem (de salários parcelados à desvalorização). (Carta à comunidade publicada na página de Facebook da ocupação da Escola de Carolina, maio de 2016).

As e os estudantes da Escola de Leon também fizeram um comunicado a comunidade, no início da ocupação, no qual reivindicavam as seguintes pautas:

Depois de uma assembleia com todos os estudantes foi aprovada, quase por unanimidade, a ocupação da escola, que começou no mesmo dia, 19 de maio. As pautas foram decididas após muitos debates, as exigências são claras e as reivindicações necessárias, dentre elas:

- Cumprimento imediato do PNO, Plano de Necessidades de Obras, programa governamental que prevê reformas estruturais na escola e está parado desde 2011;

- Reabertura do auditório, que encontra-se interditado há 4 anos; - Repasse de verbas para educação;

- Fim do parcelamento salarial dos professores, bem como cumprimento do piso Salarial estabelecido;

- Retirada do PL/44.

(Manifesto publicado na página de Facebook da ocupação da Escola de Leon, maio de 2016).

Em uma postagem realizada no dia 18 de maio de 2016, as e os estudantes da Escola de Frida elencaram as seguintes pautas que motivavam a ocupação:

• Fim do parcelamento dos salários dos professores;

• Solidariedade às outras escolas ocupadas em todo o Brasil;

• Contra as privatizações das escolas públicas;

• Repasse em dia da verba (merenda e infraestrutura) para todas as escolas públicas;

• Participação de membros das escolas em processos políticos em relação à educação;

• Contra a PL 44/2016.

Ao visitarmos as ocupações visualizamos que na Escola de Helena havia um cartaz, em frente à porta, nele estavam escritas as pautas do movimento. Segundo a estudante, o cartaz foi diversas vezes atacado durante a noite, mas as e os ocupantes optaram por continuar reconstruindo-o para o terem na entrada. Coletamos a imagem do cartaz que foi postado na página de Facebook da ocupação:

Figura 3 – Pautas da Escola de Helena

Fonte: imagem retirada da página de Facebook da ocupação da Escola de Helena, junho 2016.

Ao compararmos as fontes da pesquisa, entre as postagens realizadas durante as ocupações e as declarações dadas nas entrevistas posteriores às ocupações, percebemos o amadurecimento discursivo das e dos estudantes. Isso indica que a vivência da ocupação foi um fator que atuou no processo de consciência social das e dos sujeitos envolvidos no movimento. Assim, entendemos a necessidade de analisarmos as entrevistas à luz da experiência de educação modificada pela elaboração da memória e pela incorporação dos novos conhecimentos aprendidos no próprio processo de ocupação. Desse modo, avaliamos que essa mudança na consciência social das e dos estudantes se desenvolveu em decorrência da participação política efetivada nas ocupações.

Segundo Leon o principal motivo para ocupar era: “Principalmente, a questão mais geral, que eu acho que as ocupações se uniram para tal, é uma educação de qualidade”. (Entrevistado Leon, 18 anos, setembro de 2017). A qualidade da educação é abordada em diversas reivindicações das ocupações, desde pautas por melhores condições físicas das escolas ao questionamento da estrutura dos sistemas de ensino. A utilização de um sentido polissêmico do termo qualidade da educação é visível no discurso estudantil, que ao mesmo tempo em que critica a política governamental de educação pautada no modelo neoliberal de educação, reivindica aulas em que se sintam mais preparados para exames como o ENEM, que medem a

qualidade do ensino público:

No seio dessa dinâmica, são produzidos valores que se traduzem em diferentes sentidos para a qualidade. Observada pela função social, a educação de qualidade se realiza na medida em que logre preparar o indivíduo para o exercício da ética profissional e da cidadania. Supõe, ainda, educá-lo para compreender e ter acesso a todas as manifestações da cultura humana; do ângulo puramente pragmático, a educação de qualidade se resume ao provimento de padrões aceitáveis de aprendizagem para inserir o indivíduo – como produtor-consumidor – na dinâmica do mercado. (FONSECA, 2009, p. 154).

Desse modo, a qualidade da educação que em alguns momentos é voltada apenas para as condições físicas da escola, em outros questiona a estrutura escolar como um todo. Todavia, consideramos que, ao pautar a qualidade da educação, as e os estudantes reconhecem a importância da experiência escolar. Assim, podemos afirmar que o Movimento Secundarista de Ocupações não acontece porque as e os estudantes querem o fim da escola, pelo contrário, na maioria das reivindicações aparece a necessidade de se sentirem partícipes do processo de escolarização.

Ao apontar para a qualidade da educação as e os estudantes põem em discussão sua vivência de escolarização sob um ponto vista complexo e passam a entender a Política de Educação enquanto sistema que vai além da escola ocupada: “[...] a gente começou a ver que os problemas da nossa escola pública, eram de todas as escolas públicas”. (Entrevistada Frida, 18 anos, setembro de 2017). Nesse sentido, ao se reconhecer no sistema de educação regido pelos princípios de uma Política Pública, as e os estudantes se sentem solidários com as outras escolas:

Na verdade, é uma série de fatores. Mas, o principal era... Nossa estrutura é muito boa, a gente não tem do que reclamar da estrutura em si; mas era; a gente pensou que, a gente não ia pensar somente em nós, iria pensar em um

todo e o todo seria as estruturas das escolas. A gente sabe que tem escola que tá quase caindo, digamos assim. E foi por isso. A gente tinha problemas internos, que era fácil de resolver, mas que estava sendo difícil pra nós. E o problema ali, que Caxias do Sul, que estava se acumulando e ninguém estava fazendo nada. E dentro disso, apoiando os professores, que eles estavam, tinha uma parcela dos professores, em greve. (Entrevistada Carolina, 18 anos, setembro de 2017).

Outro fator relevante no trecho da entrevista citada é a relação com as professoras e os professores em greve. Embora tenhamos identificado nas fontes de todas as escolas pautas relacionadas às condições de trabalho das e dos professores, a relação do movimento com a categoria não foi necessariamente positiva. Como expomos adiante, ao expressar as dificuldades do movimento de ocupação, as e os estudantes solidarizam-se com a greve das professoras e dos professores. Mas, nas escolas em que parte da categoria é contrária às ocupações, existiram conflitos de posições que geraram inclusive discussões agressivas nas redes sociais virtuais. Esses conflitos retomam o sentido dialético das ocupações, que ficam evidentes na análise do seu cotidiano.