• Nenhum resultado encontrado

Considerações acerca do curso de formação no direito brasileiro e

2 A INFLUÊNCIA DOS SISTEMAS COMMON LAW E CIVIL LAW NOS MODELOS

4.7 Considerações acerca do curso de formação no direito brasileiro e

Uma particularidade do processo de seleção brasileiro é o tratamento conferido à participação em curso oficial de preparação para a magistratura. Como foi visto, nos modelos português, francês, italiano, holandês e espanhol, que adotaram o perfil do juiz

39

burocrático/funcionário, há a exigência de um período de formação para os futuros magistrados.

No Brasil, a Lei Orgânica da Magistratura (Lei complementar nº 35, de 14 de março de 1979) previu, em seu art. 78, §1º, a possibilidade de a lei exigir a habilitação em curso oficial de preparação para a magistratura como requisito de inscrição no concurso, entretanto, tal previsão não possui caráter obrigatório e poucos foram os estados no qual esta prerrogativa foi exercida (FEITOSA; PASSOS, 2012, p. 24).

A Resolução nº 75 do CNJ prevê a possibilidade dos Tribunais realizarem, como etapa obrigatória ou não do certame, o curso de formação inicial. A grande diferença do modelo brasileiro seria, portanto, a ausência da obrigatoriedade da formação inicial. Contudo, muitos tribunais adotam um processo inaugural de formação e a participação em curso de formação e aperfeiçoamento de magistrados é etapa obrigatória no processo de vitaliciamento dos juízes, como dispõe o art. 93, IV, da Carta Constitucional.

Recentemente, o ministro João Otávio de Noronha, diretor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) defendeu que o curso de formação de magistrados deveria ter a duração de dois anos17.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo primordial da pesquisa foi estudar no Direito comparado modelos que possam oferecer substratos necessários para a reflexão crítica do arquétipo brasileiro. Inicialmente, foi traçada uma breve descrição da evolução do common law e civil law, em especial no que concerne ao modelo de seleção de magistrados. As transformações históricas do processo de seleção brasileiro foram abordadas, assim como aspectos pontuais do direito estrangeiro que pudessem oferecer pontos de referência para um debate mais amplo acerca das influências e consequências da escolha do modelo pátrio. Deve ser considerado que o Direito comparado foi, em grande medida, estudado como forma de oferecer parâmetros para a reflexão do direito brasileiro.

Como foi exposto, a forma adotada pelo Brasil para o ingresso na magistratura do primeiro grau é a do concurso público, previsto constitucionalmente e regulamentado por Resolução do Conselho Nacional de Justiça. As vantagens e desvantagens da seleção pública foram abordadas no desenvolvimento do trabalho, mas algumas questões ainda merecem maiores considerações. Entre as vantagens do concurso público deve ser ressaltado que é um sistema baseado na meritocracia, assegurando que os futuros magistrados alcançaram o nível mínimo de conhecimentos teóricos necessários para o desempenho da função. Esse é um ponto extremamente positivo, notadamente pela origem histórica brasileira no qual o Judiciário, assim como os demais poderes do Estado, suportava os males do clientelismo e favoritismo, com uma consequente mediocrização da função julgadora.

Entretanto, dentre as críticas ao modelo do concurso público, está o argumento que os certames podem ser considerados eficazes ao medir o nível de sistematização de matérias e apropriação intelectual dos candidatos, mas são menos competentes em escolher candidatos que tenham sólidas formações éticas e um perfil voltado para a real pacificação social, pelo fato dessas características não serem passíveis de uma avaliação objetiva. Deve ser celebrado o esforço do CNJ em suprir essas deficiências no certame com o estabelecimento da fase da sindicância da vida pregressa e funcional do candidato que, embora útil em afastar concorrentes completamente inaptos à função judicante, ainda é embrionário na averiguação do quesito (almejado e não legislado) vocação dos futuros juízes.

Outro problema do concurso público para a seleção de juízes é que o candidato é incitado a apresentar posicionamentos que se coadunem com os dos membros do tribunal que realiza o certame – que são seus avaliadores. A consequência disso é que os espaços de construção jurisprudencial vão se tornando homogeneizados, o que não é saudável a uma

41

democracia que se pretende aberta, plural e inclusiva. A realização de provas organizadas por bancas organizadoras de competência e isenção reconhecidas é um grande avanço, mas ainda há necessidade de um debate profundo nesta seara. Em contraste, foi apresentado o modelo norte-americano no qual em alguns estados da Federação os juízes pedem votos expondo seus posicionamentos e tendo suas campanhas financiadas por diversas fontes – o que não parece ser desejável ao modelo político ao qual aspiramos, vide o recente debate do financiamento das campanhas políticas no Brasil.

O modelo do concurso público é questionado por existir uma disparidade entre as competências necessárias para a aprovação no certame e as que são essências ao desempenho da magistratura, como uma visão humanística do Direito, capacidade de gerenciamento, sensibilidade social – todas difíceis de serem avaliadas. Além disso, os candidatos são avaliados em um momento específico de suas jornadas profissionais, com poucas formas de averiguação que tal padrão de preparo e excelência será mantido ao longo de suas carreiras. Avanços nessa área são vistos com a presença atuante do CNJ e de algumas corregedorias dos Tribunais.

O grande desafio do concurso público em sua forma atual, em especial no que tange às seleções para a magistratura, é aliar uma avaliação eficaz do conhecimento legalista do candidato com a aferição de um raciocínio jurídico que seja pautada pelo humanismo, pelo chamado conhecimento “holístico” das ciências sociais e, sobretudo, pela eticidade. A representação ideal dos magistrados atuais é aquela que satisfaça as complexas demandas contemporâneas, portanto esse perfil deve ser continuamente debatido pela comunidade jurídica e pela sociedade. Os resultados de tal debate deverão ser refletidos na modulação dos concursos públicos para a magistratura.

Por fim, outra crítica ao modelo do concurso para a magistratura brasileira, proferida especialmente por leigos, é a baixa faixa etária e experiência dos recém-ingressos, diferente no sistema common law, no qual os magistrados iniciam a função consideravelmente mais experientes. Um dos levantamentos citados na presente pesquisa trouxe o dado de 30,7 anos como a idade média de aprovação na Magistratura Federal, que é uma idade intermediária entre o que se imagina ser um típico recém-graduado e um jurista experiente – porém aqui adentrarmos no terreno de preconceitos e especulações. O fato é que o modelo pátrio fez uma escolha por magistrados que construam uma carreira no Judiciário e isso muitas vezes significa começarem na função relativamente jovens e serem promovidos até chegarem ao Tribunal. Um contra-argumento é o de que não existe hierarquia entre magistrados, advogados e Ministério Público, e os advogados podem exercer a função tão

logo alcancem os requisitos – que não incluem o quesito idade. Deve ser ressaltado que a preocupação da inexperiência dos novos juízes já foi endereçada com a reforma do Judiciário na EC nº 45/2004, que estabeleceu a necessidade de comprovação de três anos de atividade jurídica aos aspirantes à carreira. Uma experiência interessante nessa seara é a francesa, que estabeleceu idade mínima e máxima para cada subdivisão da magistratura.

Deve ser ressaltado ainda, como já foi defendido por muitos, que a comunidade jurídica brasileira vê o concurso público como um sistema imperfeito para a seleção de magistrados que, entretanto, deve continuar a ser utilizado ante a ausência de um método mais democrático e transparente.

Ainda acerca do modelo brasileiro, a doutrina o classifica como um caso típico do modelo do juiz funcionário, influência do sistema civil law. Tal reiterada afirmativa é coerente, entretanto esta definição deveria ser modificada para melhor contemplar uma particularidade do modelo brasileiro que é o quinto constitucional. O modelo do Direito consuetudinário - o do juiz profissional - indica que estes são membros da comunidade jurídica com ampla e reconhecida atuação profissional e esta é uma definição que descreve os integrantes do quinto constitucional nos tribunais brasileiros. Portanto, mesmo tendo em vista que cada ordenamento conta com sua peculiaridade e que não existe uma aplicação “pura” dos modelos originários do common law e civil law, deve ser defendido que o quadro brasileiro é híbrido: em sua maioria é composto por juízes tipicamente funcionários, que ingressaram na carreira por concurso público. Entretanto, nosso ordenamento também prevê o ingresso de magistrados com um perfil ditado pelo common law: os juízes, os desembargadores e os ministros que iniciam a função judicante nos tribunais já gozando de reconhecida competência jurídica, com o perfil de juiz profissional. O perfil profissional também pode ser observado na escolha dos ministros do STF, que não precisam ter anteriormente exercido função jurisdicional para o ingresso na Corte.

É importante, também, reconhecer todos os méritos do sistema brasileiro, em especial no que tange os avanços democráticos. Antes da previsão do CNJ no Brasil, Zaffaroni escreveu que seriam tidas como magistraturas democráticas de direito quando, além da seleção por critério técnico-jurídico mediante concurso público, fossem cumpridos os requisitos de independência interna e externa dos juízes, com a previsão de um órgão integrado por juízes e juristas independentes. Há uma grande semelhança de tal definição com o Conselho Nacional de Justiça como o concebemos atualmente, com a única diferença que Zaffaroni previu a representação popular na escolha dos membros do referido órgão, a exemplo da Espanha e Itália.

43

Em suma, é de fundamental importância o estudo do Direito comparado, inclusive suas origens históricas no common law e civil law, para gerar reflexões sobre a experiência brasileira contemporânea. Também deve ser exposto que as previsões legais acerca da matéria são mutáveis e devem ser aprimoradas de forma que os magistrados possam honrar a pluralidade de valores de nossa sociedade e a complexidade das demandas atuais. A visão de magistrados meramente técnicos já foi superada; é necessária a educação de profissionais com uma visão integrada e humanística do Direito, preparados para defender a justiça e a paz.

REFERÊNCIAS

ALVES, Alexandre Henry. Juiz federal: lições de preparação para um dos concursos mais difíceis do Brasil. 4. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2013.

BANDEIRA, Regina Maria Groba. Seleção de magistrados no direito pátrio e comparado.

Viabilidade legislativa de eleição direta dos membros do Supremo Tribunal Federal.

Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, 2002. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/documentos-e-

pesquisa/publicacoes/estnottec/tema6/pdf/200366.pdf>. Acesso em: 27 mar. de 2014.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em:

<http://www.senado.gov.br/legislacao/const/con1988/CON1988_04.06.1998/CON1988.shtm> . Acesso em: 27 mar. de 2014.

______. Código de Processo Civil. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869compilada.htm>. Acesso em: 07 abr. de

2014.

______. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. (Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de Setembro de 1942). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto- lei/Del4657compilado.htm>. Acesso em: 01 abr. de 2014.

______. Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Lei Complementar nº 35 de 14 de março de 1979). Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/lei-organica-da-magistratura-nacional.>. Acesso em: 27 mar. de 2014.

BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

CONSELHO Nacional de Justiça. Resolução nº 75 de 12 de maio de 2009. Disponível em:

http://www.cnj.jus.br/images/stories/docs_cnj/resolucao/rescnj_75b.pdf. Acesso em: 27 de

março de 2014.

DIRETOR-GERAL da Enfam defende curso de dois anos para formação de juízes. 24

mar. 2014. Disponível em: <http://www.enfam.jus.br/2014/03/diretor-geral-da-enfam- defende-curso-de-dois-anos-para-formacao-profissional-de-juizes/>. Acesso em: 27 mar. de 2014.

45

FEITOSA, Gustavo Raposo Pereira; PASSOS, Daniela Veloso Souza. Concurso público

para ingresso na magistratura: revisando o sistema de seleção de juízes brasileiros na

contemporaneidade. Disponível em:

<http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=b7f520a55897b35e>. Acesso em: 27 mar. de 2014.

FREITAS, Graça Maria Borges de. Seleção de magistrados no Brasil e o papel das escolas

de magistratura: algumas reflexões para magistratura do trabalho. Revista do Tribunal

Regional do Trabalho da 3ª Região, Belo horizonte, v. 47, nº 77, p. 193-210, 2008.

MARONA, Marjorie Corrêa. Que magistrados para o século XXI? Alguns aspectos do

processo de seleção e formação da magistratura brasileira (2013). Disponível em:

<http://democraciaejustica.org/cienciapolitica3/sites/default/files/que_magistrados_para_o_se culo_xxi.pdf>. Acesso em: 27 mar. de 2014.

MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Evolução histórica da estrutura judiciária

brasileira. Revista Jurídica Virtual nº 5, Pres. Da República, Casa Civil, Subchefia para

Assuntos Jurídicos, Brasília, 1998.

MEIRELLES, Delton R. S. A formação do magistrado e legitimidade judicial: o caso das

Escolas de Magistratura. Disponível em:

<http://www.inicepg.univap.br/cd/INIC_2004/trabalhos/epg/pdf/EPG6-23R.pdf> (2004).

Acesso em: 07 abr. de 2014.

O MODELO de concurso público define como julgam os juízes brasileiros? Crítica

constitucional, 14 jan. 2014. Disponível em: <http://www.criticaconstitucional.com/o- modelo-de-concurso-publico-define-como-julgam-os-juizes-brasileiros/>. Acesso em 27 mar. de 2014.

REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

RODRIGUES, Francisco Cesar Pinheiro. Juízes decidem a favor de seus “apoiadores”. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2009-ago-18/juizes-eleitos-povo-eua-decidem- favor-apoiadores>. Acesso em: 07 abr. de 2014.

RODRIGUES, Ricardo José Pereira. Estudo comparativo sobre produção legislativa e

remuneração parlamentar em países selecionados da Europa, América do Norte e América Latina. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/documentos-e- pesquisa/publicacoes/estnottec/tema3/pdf/005771.pdf>. Acesso em: 01 abr. de 2014.

ROESLER, Cláudia Rosane. Repensando o Poder Judiciário: os sistemas de seleção de

juízes e suas implicações (2006). Disponível em:

<http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/bh/claudia_rosane_roesler.pdf>. Acesso

em: 27 mar. de 2014.

SANTOS, Pedro Felipe de Oliveira. Discurso de posse – Juiz Federal – TRF 1ª Região.

Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=-PAoPHYmZcw>. Acesso em: 27 mar. de 2014.

SENADO Federal. Pronunciamento do senador Ricardo Ferraço. 17 out. 2012. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/pronunciamento/detTexto.asp?t=395569>. Acesso em: 27 mar. de 2014.

SÉROUSSI, Roland. Introdução ao direito inglês e norte-americano. São Paulo: Landy Editora, 2006.

ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Poder Judiciário: crise, acertos e desacertos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995.

Documentos relacionados